Quinta-feira santa, celebração da Ceia do Senhor

“A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória: nele está nossa vida e ressurreição; foi ele que nos salvou e libertou”(cf. Gl 6,14).

 

Meus queridos irmãos e irmãs,

Celebramos nesta Quinta-Feira a abertura do Tríduo Pascal em que Nosso Senhor Jesus Cristo institui a Eucaristia com um doce e ingente apelo à fraternidade, à comunhão, à concórdia e a paz. Jesus pereniza no tempo e na história a sua presença em nosso Meio, presente pela consubstanciação do pão no Seu Corpo e do Vinho em Seu Sangue. Lúcido e grandioso mistério da Nossa Fé.

E a libertação do povo é feita, simbolicamente, com o gesto significativo do Lava-pés: “Eu vos dou um novo mandamento, que vos amei uns aos outros, assim como Eu vos Amei, disse o Senhor”.

Meus irmãos,

Celebramos hoje um adeus: uma despedida de alguém que vai para melhor, ou seja, que vai voltar para o Pai, mas, que ao mesmo tempo, deixa uma profunda nostalgia, uma contagiante saudade, sobretudo, por causa do modo como esta despedida será levada a efeito, na noite seguinte. Por isso a celebração de hoje, com seus paramentos brancos, é de alegria, de júbilo, entoando o canto do glória, suprimido durante toda a Quaresma, hoje é entoado solenemente, com todos os sinos de nossas Igrejas badalando para comemorar a Instituição da Eucaristia e do Mandamento do Amor, amor sem

limites e com grande intensidade. Alegria misturada com dor, alegria em tom menor, misturada com lágrimas, sendo considerada uma alegria inibida. É a única liturgia do ano, em que se canta o Glória, sem que se cante o Aleluia.

Jesus vai percorrendo o seu caminho e todos os fiéis bem sabem que Jesus será preso, julgado, acoitado, humilhado e crucificado.

Irmãos e Irmãs,

A primeira leitura (cf. Ex 12,1-8.11-14) fornece o fundo histórico para situar a última Ceia como refeição e banquete pascal na vida de Jesus e nas raízes judaicas da liturgia cristã. Conta à instituição da refeição do cordeiro pascal no antigo judaísmo, com o sentido salvífico que Israel aí reconhece: a libertação da escravidão. O Cântico de Meditação é um canto que os sacerdotes entoavam ao levantar o Cálice da bênção, gesto retomado por Jesus na última Ceia.

Todos sabemos que os israelitas celebravam todos os anos o memorial do êxodo comendo o cordeiro pascal. Tratava-se de um memorial de libertação. Celebrava-se, antes de mais nada, a proteção da vida. Páscoa, nesse sentido, adquiria um sentido subversivo. Uma celebração que questionava

a escravidão em todas as suas formas ao invocar a presença de um Deus libertador.

Por isso toda Páscoa deveria levar à libertação e ao processo de libertação. Afinal, diz o texto: “Assim devereis comê-lo: com os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. E comereis às pressas, pois é Páscoa, isto é, a ‘Passagem’ do Senhor! ” (12,11). Páscoa não representa somente festa, mas também preparação para o que está adiante. Toda Páscoa, nesse caso, aponta para a frente, ou seja, para aquilo que ainda não existe, mas se deseja. Celebra-se, portanto, não somente a libertação da opressão cotidiana, mas também a libertação do futuro.

Caros irmãos,

Por isso, no Evangelho (cf. 1Cor 11,23-26) temos um grande mistério divino entregue a mãos humanas. Jesus, reunindo os apóstolos a fim de comer com eles a Ceia pascal, como faziam todas as famílias hebréias, para recordar a libertação do povo judeu da escravidão egípcia. A ceia seguia todo um ritual que prescrevia

um cordeiro pascal, o que devia ser de um ano e sem nenhum defeito.

São Pedro se escandaliza, porque quem deveria lavar os pés dos mestres seriam os escravos. Para Jesus, o serviço é sinal de encontro com Deus. Não é necessária a busca pelo primeiro lugar, quando é possível compreender que o corpo do outro é o mais verdadeiro e real altar que temos. Jesus assume a posição de servo para iluminar para nós o caminho do serviço desinteressado e solidário pelo próximo.

Mas São Pedro não compreende o gesto de Jesus. Talvez ele vivesse um momento de conversão. Talvez estivesse acostumado e já não ligasse para as relações desiguais que sua sociedade apresentava. Já não se espantava com as desigualdades sociais. Afinal, sempre havia sido assim e, certamente, continuaria do mesmo modo. Não é dessa forma que a maioria de nós pensa? Para ele, mestre e discípulo eram funções que determinavam o maior e o menor, isto é, quem mandava e quem obedecia. Jesus atropela a cultura de dominação e propõe nova forma de relação social. Em Jesus, as pessoas se relacionam como iguais. Lavar os pés traz o símbolo da humildade do discípulo que se apresenta como o menor de todos e, por isso mesmo, é o escolhido de Deus.

Jesus assumiu a presidência da refeição, como se fosse um pai de família, como de fato é o pai dos apóstolos e o pai da nossa fé, porque vencerá o pecado e anunciará a vida plena em Deus, o Senhor.

O primeiro gesto de Jesus foi levantar ao redor da mesa, pegar um manto, amarrar uma toalha, derramar um pouco de água num vaso e iniciar a lavar os pés de seus doze apóstolos. Depois do lava-pés Jesus voltou ao seu lugar pegou um pedaço de pão molhou-o no vinho e deu-o a Judas Iscariotes, dizendo: “O que tens a fazer, faze-o logo”. E Judas retirou-se rápido da sala, com os pés lavados, mas com Satanás no seu Corpo.

Após a retirada de Judas Jesus anunciou que por pouco tempo os seus apóstolos ainda O teriam em seu meio. Por isso deixou o maior de todos os mandamentos: “Que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jô 13,33-35).

Daí Jesus encheu a jarra de vinho e passou aos seus Apóstolos para que bebessem não o vinho, mas seu sangue, o sangue que seria o elo, que seria o selo, a garantia da nova e eterna aliança entre Deus e a humanidade. Tomou, em seguida, um pedaço de pão e deu-o aos seus apóstolos para comer, porque já não era pão, mas seu corpo, era o pão da vida eterna, o pão da vida plena. E pediu que este Memorial fosse repetido em sua memória. Estava, portanto, inaugurada e perenizada na história da salvação a Eucaristia, como mandamento máximo da vida cristã, mandamento máximo da entrega de Deus pelos homens. Cada vez que comemos e bebemos o pão e o vinho transubstanciados no corpo e no sangue refazemos o memorial da nossa fé, “anunciando Senhor a Vossa Morte e Ressurreição”.

Jesus, ainda, fez uma admoestação de que os discípulos repetissem este gesto em sua memória, prometendo que nunca abandonaria seus discípulos, apesar de tudo o que iria acontecer. Tratava-se da glorificação de Jesus e da sua união com o Pai, pedindo unidade de todos os discípulos.

Meus irmãos e Minhas irmãs,

Nesta noite venturosa Jesus nos dá a Eucaristia, institui o Sacerdócio, prega e determina o amor fraterno, por isso deveríamos celebrar a vida.

Mas a compaixão também toma conta de nossos íntimos. O Evangelho também anuncia os momentos de dor, de sofrimento, de renúncia, de vontade, de solidão porque Jesus vai passar no momento da sua Paixão e Morte.

Todos nós somos convidados a sofrer com Jesus nesta noite da traição de Judas e conseqüente entrega de Jesus aos sumos sacerdotes e ao poder romano que ocupava Jerusalém e a terra dos judeus.

Enquanto Jesus rezava no monte das Oliveiras foi amarrado com cordas e conduzido a julgamento. Abandonado pelos seus discípulos e seus amigos, renegado por Pedro por três vezes Jesus teve a mesma sorte que os criminosos de então. Noite de maldade, por isso tenhamos compaixão de Jesus, estejamos ao seu lado, caminhemos com Ele, vivendo as agruras que Jesus viveu nesta noite. Vamos amar, e que comecemos a amar em casa as pessoas mais velhas, aqueles que vivem o melhor momento de sua longa trajetória, e que muitas vezes são abandonados nos asilos e na solidão de suas residências. Solidão de Jesus que muitas vezes é a solidão de nossos velhos. Amar sem limites, amar sem recompensas, amar por amor, amar sem limites, amar com generosidade. Amor que nos imbui de grande generosidade para poder participar, para poder viver, para poder celebrar a Eucaristia, supremo memorial do amor de Deus pela humanidade, ao se entregar e morrer pela salvação da humanidade.

Caros irmãos,

A Segunda leitura (Cf. 1Cor 11,23-26) nos oferece o relato mais antigo da instituição eucarística. O Apóstolo Paulo afirma que aquilo que transmite foi recebido do próprio Senhor. Ele recorda aos Coríntios que a fração do pão remonta ao próprio Jesus e se reveste, por consequência, de importância central na vida da Igreja. A Eucaristia pode e deve ser compreendida como a celebração atual desse grande passo por meio do qual Jesus arrastou atrás de si aqueles que aceitaram o desafio do amor. Já não caminhamos separados de Jesus. Caminhamos, sim, iluminados por ele.

Na comunidade de Corinto haviam surgido inúmeras divisões que acabavam comprometendo a unidade do corpo de Cristo e, além disso, a celebração do memorial do Senhor havia se degenerado em um espetáculo escandaloso. São Paulo relembra a instituição da Eucaristia num ambiente fortemente marcado por divisões. Para ele, a Eucaristia deveria ser pensada e vivida como memória da morte de Jesus e como dom de vida para a humanidade. A Eucaristia, como dom de vida, deveria estar acima de qualquer divisão. Por meio dela, as barreiras seriam superadas e pontes criadas. Já não haveria distância para aqueles que se aproximavam da mesa do Senhor. Todos eles e elas seriam um só em comunhão com o Cristo.

Uns queriam ser melhores do que os outros e, por conta disso, não havia espaço para o amor, a partilha e o serviço. O corpo de Cristo estava, pois, fragmentado. O Cristo que havia morrido e ressuscitado para que todos fossem um nele corria o risco de ser transformado num Cristo dividido por causa da imaturidade de muitos.

Irmãos e Irmãs,

Junto com a Eucaristia Jesus institui naquela ceia bendita o sacramento da ordem. Ganhamos junto com a Eucaristia os presbíteros, os sacerdotes, aqueles homens abnegados que fazem e refazem o mistério da nossa fé, o memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus, a santa Eucaristia. Doce e grandioso presente de fé e de salvação: o próprio Cristo realmente presente em corpo, alma e divindade na Eucaristia pelas mãos consagradas do sacerdote ministerial. Elevemos a Deus um TE DEUM LAUDAMUS pelo sacerdote ou pelos sacerdotes de nossas comunidades, estes homens de fé, homens da Eucaristia, condoreiros de Jesus que carregam nas suas mãos solícitas o pão da palavra e o pão da vida, a Eucaristia.

Meus irmãos,

A velha disciplina latina dizia que hoje foi instituído o MANDATUM NOVUM, ou seja, o Mandamento Novo. Por isso, encerrando nossa reflexão, de joelhos voltemos para o Sacrário e cantemos com fé, esperança e caridade, e, acima de tudo pedindo ao mundo dilacerado pela guerra o mandamento do amor, que é paz: “Tão sublime sacramento/ adoremos neste altar, / pois do Antigo Testamento/deu ao Novo seu lugar. / Venha a fé por suplemento/ os sentidos completar. Ao Eterno Pai cantemos/, e a Jesus, o Salvador. / Ao Espírito exaltemos, / na Trindade eterno amor. / Ao Deus Uno e Trino demos/ a alegria do louvor. Amém”.

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