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Sou Wagner Augusto Portugal. Graduado em Direito Civil, Mestre em Direito Canônico e doutorando na mesma área de estudo, com 24 anos de experiência em Direito Público e Direito Canônico.

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5º DOMINGO DA PÁSCOA, C.

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Cantai ao Senhor um canto novo, porque ele fez maravilhas; e revelou sua justiça diante das nações, aleluia!” (cf. Sl 97, 1s).

Meus queridos Irmãos,

Estamos caminhando neste tempo espiritual de muita paz e presença constante do Senhor Ressuscitado em nosso Meio: “Ele Está no Meio de Nós!”.

Jesus está no meio de nós para “fazer novas todas as coisas”(cf. Ap 21, 5). Novo é uma palavra mágica, que domina a publicidade e os jornais, bem como as mídias sociais, mas também traduz a esperança que se expressa em numerosas páginas das Sagradas Escrituras. O entendimento do cristianismo é baseado na sucessão da antiga e da nova Aliança, do antigo e do novo Povo de Deus. E, também, na passagem da antiga para a nova vida e na observância de uma nova Lei em vez da antiga observância. Páscoa é o tempo de renovação, de renovação que nos santifica e nos coloca mais próximos de Deus. Assim a liturgia de hoje nos pede e nos coloca diante de um novo céu e uma nova terra, uma nova Jerusalém e uma nova criação. Tudo redimido e recriado pela paixão, morte e ressurreição de Cristo!

Caros irmãos,

A Primeira Leitura(cf. At 14,21-27) nos apresenta a obra de Deus em Paulo e Barnabé. Essa leitura poderia ser considerada como uma conclusão e um relatório da primeira viagem missionária de Paulo. Na viagem de volta, visitam de novo as jovens comunidades e instituem os presbíteros.  Estes sucessos desenrolam-se entre os anos 46 e 49. A primeira leitura acentua a ideia de que a missão não foi uma obra puramente humana, mas foi uma obra de Deus. No início da aventura missionária já se havia sugerido que o envio de São Paulo e de São Barnabé não era apenas iniciativa da Igreja de Antioquia, mas uma ação do Espírito (cf. At 13,2-3). Esse mesmo Espírito que acompanhou e guiou os missionários a cada passo da sua viagem. E aqui se repete que o autêntico ator da conversão dos pagãos é Deus e não os homens (cf. vers. 27). A verdadeira novidade no contexto da missão é a instituição de dirigentes ou responsáveis (“anciãos” – em grego, “presbíteros”), que aparecem aqui pela primeira vez fora da Igreja de Jerusalém. Correspondem, provavelmente, aos “conselhos de anciãos” que estavam à frente das comunidades judaicas. Por isso os que têm responsabilidades de direção ou de animação das comunidades devem ficar atentos porque a missão que lhes foi confiada não é um privilégio, mas um serviço que está subordinado à construção da própria comunidade.  A comunidade não existe para servir quem preside; quem preside é que existe em função da comunidade e do serviço comunitário.

Estimados Irmãos,

O Evangelho de hoje fala do amor fraterno(cf. Jo 13,31-33a.34-35). Daquele amor que Cristo nos legou junto com a instituição da Eucaristia na cerimônia do Lava-pés.

O Evangelho fala da glorificação de Cristo. Se o Filho do homem age de modo a manifestar a glória de Deus, muito logo também Deus dará sua glória ao Filho. Qual é essa glória? A glória era a melhor coroa dos reis, seja pela riqueza que possuíam, seja pelo poder que exerciam ou ainda pelo brilho do reinado. Quando o Salmista canta o ser humano como rei da criação, coloca-o como um ser um “pouco inferior a Deus, coroado de brilho e esplendor, com poder sobre ovelhas e bois, animais selvagens, aves do céu e peixes do mar”(cf. Sl 8,6-9). Mas já o Antigo Testamento observava que essa glória, baseada na posse, no poder, no prestigio, é relativa e passageira: “Não te exasperes, quando alguém se torna rico, quando cresce a glória de sua casa. Ao morrer, nada levará consigo e sua glória não o acompanhará depois da morte(cf. Sl 49,17-18)”.

Irmãos e Irmãs,

Quando o demônio tentou Jesus no deserto pela terceira vez, ofereceu “todos os reinos do mundo com sua glória(cf. Mt 4,8)”. Isto é, o diabo ofereceu todas as riquezas, poder e prestígio e fama. A resposta de Jesus manifesta claramente que a verdadeira glória está na adoração e no serviço do Senhor(cf. Mt 4, 10). Esse ensinamento volta muitas vezes nas pregações e nos exemplos de Jesus e, sobretudo, em seu próprio exemplo. Por isso, os pobres e os marginalizados podem dar glória a Deus e serem eles mesmos glorificados, ainda que nada tenham a não ser o desprezo da sociedade.

Jesus viveu a sua paixão e morte da forma mais elevada de glorificar a Deus, porque estava cumprindo à risca a vontade do Pai. João deixa claro que toda a paixão é um caminho de glorificação do Pai, por parte de Jesus; e de Jesus, por parte do Pai. Jesus, portanto, glorifica o Pai, salvando a humanidade com sua morte na Cruz, porque era à vontade do Pai. E o Pai glorifica a fidelidade de Jesus, salvando-o da morte, fazendo-o ressurgir e assentar-se à sua direita.

Como Jesus, os discípulos devem trilhar o mesmo caminho de Jesus. A comunidade eclesial, depois da Páscoa, não tem outra glória a buscar senão a de fazer a vontade do Pai, isto é, salvar a humanidade e fazer acontecer entre nós às alegrias eternas. E essa salvação passa necessariamente pela Cruz. Cada discípulo é convidado a dar ao Pai a mesma glória que Jesus lhe deu. Não em palavras e culto apenas. Mas na doação inteira de si mesmo em benefício de outros. O caminho do Calvário não aconteceu uma única vez com uma só vitima. Repete-se em cada discípulo, que se despoja a si mesmo, assumir a condição de servo de todos, viver solidário com todos, exatamente como fez Jesus. Todas as outras glórias são vãs e passageiras.

A proposta cristã resume-se no amor. É o amor que nos distingue, que nos identifica; quem não aceita o amor, não pode ter qualquer pretensão de integrar a comunidade de Jesus.  Nos dias de hoje falar de amor pode ser equívoco. A palavra “amor” é, tantas vezes, usada para definir comportamentos egoístas, interesseiros, que usam o outro, que fazem mal, que limitam horizontes, que roubam a liberdade. Mas o amor de que Jesus fala é o amor que acolhe, que se faz serviço, que respeita a dignidade e a liberdade do outro, que não discrimina nem marginaliza, que se faz dom total (até à morte) para que o outro tenha mais vida. O amor de Jesus é a face misericordiosa do Pai.

Prezados irmãos,

Antes de conhecer o abaixamento da sua Paixão e da sua morte, Jesus faz perceber aos seus discípulos o peso, a glória da sua vida. Ele passou fazendo o bem, só pregou o Amor, fez milagres por amor, deu o exemplo do amor dando-nos a maior prova. É tudo isso que tem peso aos olhos de Deus, tal é a sua glória. E já durante a última ceia, Ele anuncia a sua ressurreição predizendo que proximamente Ele não estará mais entre eles, do mesmo modo como está no momento em que lhes fala, mas tornar-Se-á presente através do amor que os seus discípulos terão uns para com os outros: que eles se amem como Ele os amou! Este amor será o sinal pelo qual serão reconhecidos como seus discípulos. Jesus não quer que tudo pare com a sua partida, serão os seus discípulos que O tornarão presente se se amarem como Ele os amou: se forem servos como Ele foi servo para lhes dar o exemplo; se refizerem os gestos e disserem as palavras da última ceia. Isto para fazer memória d’Ele, isto é, recordar- se, tornar presente, esperar o seu regresso; se eles O reconhecem, a Ele o Senhor, sob os traços do mais pequeno entre os irmãos. Jesus de Nazaré já não está entre nós, mas Cristo ressuscitado está bem no meio de nós, hoje. Há que reconhecê-l’O para O testemunhar pelo amor!

Caros irmãos,

A Segunda Leitura(cf. Ap 21,1-5a) nos apresenta a nova criação e a nova Jerusalém. A última palavra sobre a História não é a destruição, mas a restauração da pureza inicial. O mundo embriagado pelo poder e pela cobiça é representado por “Babilônia” que foi destruída(cf. Ap. 18,21-14). Mas Deus permanece conosco: Emanuel. É a nova criação, as núpcias de Deus com seu povo. Esta cidade nova, onde encontra guarida o Povo vitorioso dos “santos”, designa a Igreja, vista como comunidade escatológica, transformada e renovada pela ação salvadora e libertadora de Deus na história. Dizer que ela “desce do céu” significa dizer que se trata de uma realidade que vem de Deus e tem origem divina; ela é uma absoluta criação da graça de Deus, dom definitivo de Deus ao seu Povo. Esta nova realidade instaura, consequentemente, uma nova ordem de coisas e exige que tudo o que é velho seja transformado. O mar, símbolo e resíduo do caos primitivo e das potências hostis a Deus, desaparecerá; a velha terra, cenário da conduta pecadora do homem, vai ser transformada e recriada (vers. 1). A partir daí tudo será novo, definitivo, acabado, perfeito.

O testemunho profético de São João nos garante que não estamos destinados ao fracasso, mas sim à vida plena, ao encontro com Deus, à felicidade sem fim. Esta esperança tem de iluminar a nossa caminhada e dar-nos a coragem de enfrentar os dramas e as crises que dia a dia se nos apresentam. A Mãe Igreja de que fazemos parte tem de procurar ser um anúncio dessa comunidade escatológica, uma “noiva” bela e que caminha com amor ao encontro de Deus, o amado. Isto significa que o egoísmo, as divisões, os conflitos, as lutas pelo poder, têm de ser banidos da nossa experiência eclesial: eles são chagas que desfeiam o rosto da Igreja e a impedem de dar testemunho do mundo novo que nos espera.

Caros irmãos,

O vínculo entre as leituras desta celebração não é facilmente detectável, mas é de uma profundidade impressionante. O sofrimento, a perseguição, a incompreensão e, por vezes, a morte são aquilo que liga o Cristo, crucificado e ressuscitado, com seus discípulos na continuação de sua missão. Todavia, a “paixão” que une o Mestre aos discípulos pela fidelidade a Deus é vista como “glorificação”, exaltação e motivo de alegria.

Essa íntima relação do Mestre com os discípulos se faz perceber também, conquanto seja uma “coincidência litúrgica”, no fato de que a primeira coisa que os apóstolos fazem, na primeira leitura, é exortar à permanência na fé (cf. v. 22). “Permanecer” é verbo caro ao evangelista João, utilizado para falar da relação de intimidade que se estabelece com o Mestre e também com Deus Pai.

A permanência na fé uma vez abraçada tem sua recompensa. Ainda que não seja esse o motivo da sua fidelidade, aqueles que perseverarem gozarão a plenitude da vida, expressa aqui na visão da nova Jerusalém, a realidade totalmente nova que vem de junto de Deus. É a essa realidade nova que devemos aspirar.

Irmãos e Irmãs,

O seguimento de Jesus é o seguimento de gratuidade, de generosidade e de amor. O amor tem que ser como Cristo glorificou o Pai, um amor gratuito, que nada pede em troca a não ser a alegria de que o Pai receba essa expressão de amor como glorificação. Não é qualquer gesto caritativo que distingue o cristão nem um amor genérico, que é mais sinônimo de gosto que de entrega.

No amor ensinado por Jesus não há lugar para simpatias e antipatias, que tanto condicionam nossos gestos. A gratuidade é uma virtude rara na sociedade de hoje, tão sensível a pagamentos e recompensas. O amor é generoso e gratuito!

Onde reina o amor, as coisas não ficam como estão. Quem quebra o “status quo”é Deus. É dele que podemos esperar a total novidade. É o que sonha o autor do Apocalipse. No fim da história, ele vê um novo céu e uma nova terra. Não tem mar, moradia do Leviatã. A nova realidade tem uma aparência de uma noiva enfeitada para seu esposo: as núpcias messiânicas. É a moradia de Deus com os homens. É a nova Aliança: eles serão seu povo e ele será seu Deus. É a plenitude do Emanuel, Deus-conosco. É a consolação completa. É tudo o que se pode esperar. É a nova criação.

Quem move a missão é Deus. Missão amorosa. Pelo mandamento novo tudo renova, Cristo e os cristãos gerarão um novo céu e uma nova terra. O desfecho deste movimento deveria acontecer em cada missa: “Ao chegarem, reuniram a Igreja e puseram-se a referir tudo que Deus tinha feito por eles”. Assim devemos também nós recolher as maravilhas de Deus realizadas nos cristãos pela vivência do mandamento novo, apresentando-as como motivo de nossa ação de graças.

Amemos sem amarras, porque Cristo quebrou todas as amarras e retratos falados. Não só amemos com palavras! Coloquemos os mesmos rogos em prática. Amém!

 

Padre Wagner Augusto Portugal.

15 de maio de 2022
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Atualidade da mensagem de Nossa Senhora de Fátima

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

Nesta carta quero falar da atualidade da mensagem de Nossa Senhora de Fátima, a Igreja aprecia e julga as revelações: De acordo com o Magistério da Igreja, as aparições de Nossa Senhora em Fátima, são reconhecidas como revelação privada. E, no decurso do tempo, a mensagem de Deus trazida pela Santíssima Virgem permanece atual. Para uma maior compreensão, sobre a atualidade desta mensagem, é pertinente retomar as palavras proferidas por São João Paulo II, na homilia de 13 de maio de 1982, na Cova da Iria. “A mesma Igreja aprecia e julga as revelações privadas segundo o critério da sua conformidade com aquela única Revelação pública. Assim, se a Igreja aceitou a mensagem de Fátima é, sobretudo, porque essa mensagem contém uma verdade e um chamamento que, no seu conteúdo fundamental, são a verdade e o chamamento do próprio Evangelho.”

O então, Cardeal Joseph Ratzinger, no comentário teológico sobre o segredo de Fátima, também evidencia, de maneira peculiar, como a Igreja considera as revelações privadas: “o conceito de “revelação privada”, se aplica a todas as visões e revelações verificadas depois da conclusão do Novo Testamento; nesta categoria, portanto, se deve colocar a mensagem de Fátima. Ouçamos o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre isto também: ‘No decurso dos séculos tem havido revelações ditas ‘privadas’, algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja’. (…) O seu papel não é (…) “completar” a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente numa determinada época da história ” (Memórias da Ir. Lúcia, p. 220.222).

“O amor do Pai que suscita nos homens a conversão”: Constata-se, portanto que, a Mensagem de Fátima, na sua essência conduz o homem para uma vivência profunda do Evangelho. O Cardeal Tarcísio Bertone também enfatizou esta verdade: “Estas manifestações, que não podem contradizer o conteúdo da fé, devem convergir para o objeto central do anúncio de Cristo: o amor do Pai que suscita nos homens a conversão e dá a graça para se abandonarem a Ele com devoção filial. Tal é a mensagem de Fátima, com o seu veemente apelo à conversão e à penitência, que leva realmente ao coração do Evangelho (Congregação para a Doutrina da Fé – Mensagem de Fátima). Assim sendo, torna-se evidente a atualidade da mensagem de Fátima, visto que, trata-se essencialmente de um apelo urgente à conversão e à penitência ajudando o homem a viver o Evangelho de Cristo, pois enfatiza as suas primeiras palavras dirigidas à humanidade: ‘Convertei-vos (fazei penitência), e acreditai na Boa Nova’(Mc. 1, 15).

“Não ofendam mais a Deus”: Pode-se constatar que, diante do contexto atual em que a história humana vive, a exortação materna de Maria é mais urgente ainda. Sendo que, ideologias malignas contra as instituições mais importantes da vida humana, como a Igreja e a família, tentam destruir a fé e a dignidade dos filhos de Deus. Na aparição de outubro de 1917, a Virgem Santíssima revelou que Deus estava ofendido diante dos pecados provenientes da ingratidão humana, ao afirmar: “Não ofendam mais a Deus, Nosso Senhor, que já está muito ofendido” (Memórias da Ir. Lúcia, p. 181). Ela pediu orações e sacrifícios em reparação desses pecados. A nefasta realidade que a cultura moderna impõe através de ditaduras baseadas no prazer, no ter e no poder, tende a afastar o homem do Sumo Bem, que o criou para o louvor da Sua glória e para refletir a Sua bondade e beleza. Assim, pode se verificar a atualidade das aparições de Nossa Senhora em Fátima, especialmente na aparição de agosto de 1917 quando ela conclama: “Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios por os pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas” (Memórias da Ir. Lúcia, p. 179).

O Papa São João Paulo II, por ocasião do 80º aniversário da primeira aparição de Nossa Senhora em Fátima, declarou: “A mensagem que naquela ocasião a Virgem Santíssima dirigiu à humanidade, continua a ressoar com toda a sua força profética, convidando a todos à constante oração, à conversão interior e a um generoso empenho de reparação dos próprios pecados e daqueles de todo o mundo”. E o Papa Bento XVI, na sua homilia no 13 de Maio de 2010 em Fátima, também afirmou a atualidade da profecia trazida pela Santíssima Virgem: “Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída”.

O Santuário do Pai das Misericórdias confiante de que, na escola de Maria, somos por Ela auxiliados a fazer, em tudo, a vontade do Seu filho Jesus, coloca em prática apelo d’Ela. Vivenciamos em cada primeiro sábado do mês: a Devoção Reparadora dos Cinco Primeiros Sábados. Essa Devoção é parte integrante dos pedidos d’Ela feitos em Fátima.

A Devoção Reparadora dos Cinco Primeiros Sábados tem início às 10h com o Santo Terço e, em seguida, uma catequese sobre a espiritualidade de Fátima e, depois, 15 minutos de meditação da Palavra. Esse momento Mariano encerra-se com a Santa Missa, às 12h. Neste mês de agosto o primeiro sábado será no dia 4.

Quando os apelos da Santíssima Virgem são acolhidos no coração do homem, o Espírito Santo nele trabalha incessantemente, tornando-o templo e morada do Altíssimo, levando-o a testemunhar, hodiernamente, que somente o amor de Deus pode dar o verdadeiro sentido à vida humana. Que a Virgem Maria nos ajude a acolher esse amor e, também, nos ajude a compreender a urgência dos tempos em que vivemos, fazendo de nós almas orantes, penitentes e reparadoras.

Nossa Senhora de Fátima, rogai por nós, que recorremos a Vós!

 

Padre Wagner Augusto Portugal

13 de maio de 2022
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QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA, C.

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“A terra está repleta do amor de Deus; por sua palavra foram feitos os céus, aleluia!”(cf. Sl. 32, 5s).

 

Meus queridos Irmãos,

 

A liturgia deste domingo nos fala da grandiosidade do mistério de nossa fé. Somos convidados a refletirmos sobre A VIDA DO BOM PASTOR. O Bom Pastor que conhece as suas ovelhas e as chama pelo nome. Assim, sempre no quarto domingo da Páscoa, somos convidados a refletirmos sobre a figura do Bom Pastor, à luz do Cristo vitorioso, presente e ativo no meio da comunidade dos fiéis, única porta de acesso ao Reino das Bem-Aventuranças.

Jesus é o Bom Pastor, por isso Jesus não deixa, em tempo algum, nada faltar para as suas ovelhas. O próprio Senhor prometeu dar ao povo pastores dignos, corajosos, responsáveis, capazes de dar a sua vida em benefício de todos os fiéis. Jesus é apresentado no Evangelho como o BOM PASTOR enviado pelo Pai, para apascentar e pastorear o rebanho: “Eu sou o Bom pastor…. Eu dou a vida pelas ovelhas… nenhuma se perderá!”. Isso significa que o Bom Pastor tem que dar, se necessário, a sua vida pelas ovelhas que conhece e chama pelo nome.

Assim três devem ser as atitudes dos pastores que, seguindo os passos do Sumo Pastor Jesus, devem dar a sua vida pelas suas ovelhas: A ESCUTA, O CONHECIMENTO E O SEGUIMENTO de Cristo.

Meus caros irmãos,

A Primeira Leitura hodierna(cf. At. 13,14.43-52) apresenta a pregação de Paulo em Antioquia da Psídia, mas como uma orientação para o mundo pagão. À partir de Pentecostes, o Evangelho inicia seu caminho “até os confins da terra”(cf. At 1,8). São Paulo se dirige aos judeus na diáspora, mas, diante da rejeição destes, anuncia o Evangelho aos pagãos, o que os judeus consideram como uma traição. Mistério da vocação de Paulo, o fariseu: chamado para levar o Evangelho aos pagãos! Nesse sentido todos nós devemos ser autênticos discípulos-missionários de Jesus Cristo anunciando o Cordeiro de Deus e anunciando esta verdade a todos os povos e a todas as gentes. Quem está instalado em sua “igrejinha”, não gosta de ouvir este apelo evangélico. Assim aconteceu com Paulo e Barnabé, quando foram pregar para os judeus de Antioquia da Psídia(na Turquia). O resultado foi muito bom para os pagãos, pois rejeitados pelos judeus Paulo e Barnabé se dirigiram a eles(Primeira Leitura).

A Boa Nova de Jesus é uma viva e autêntica proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem exceção. O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolher com simplicidade, alegria e entusiasmo essa proposta e de partir, todos os dias, para esse caminho onde o nosso Deus nos propõe encontrar a vida nova, a vida verdadeira, a vida total.

Irmãos e Irmãs,

O Evangelho deste domingo fala da figura de Cristo, o Bom Pastor(Jo 10,27-30). O Bom Pastor deve estar intimamente ligado com o Cristo. Todos nós, especialmente, nossos pastores devem estar intimamente ligados às mãos do Cristo Pastor. Depositemos nossa confiança nas mãos do Bom Pastor que se fez Cordeiro de Deus que tira os pecados da humanidade. E depositando nossa confiança e segurança nas mãos de Deus seremos sempre protegidos pelo Senhor da Vida e da História. Sim, estar na mão de Cristo é estar na mão de Deus, porque “Eu e o Pai somos um(cf. Jo 10, 30)”.

Jesus promete a vida eterna para quem o Seguir e Anunciar e Viver o Seu Evangelho. Para São João, a vida eterna é sim, a vida futura no céu, na plenitude do Reino, mas é também a vida presente, quando vivida na intimidade com Deus.

Meus queridos Irmãos,

Todos nós somos convidados hoje a OUVIR A VOZ DE DEUS, CONHECER DE QUEM É A VOZ, SEGUIR QUEM NOS CHAMOU. Esses três passos valem não somente para o caminhar da vocação religiosa ou sacerdotal. Vale, sobremaneira, para a nossa vocação de batizados, para o nosso sacerdócio comum de todos os fiéis que seguem a Cristo e recebem a adesão ao seu Batismo.

Vocação de todos nós: OUVIR A VOZ DE DEUS, CONHECER DE QUEM É A VOZ E SEGUIR QUEM NOS CHAMOU, OU SEJA, JESUS CRISTO MORTO E RESSUSCITADO.

Todos nós somos convidados a estar atento à VOZ DE DEUS. A iniciativa do chamado é sempre de Deus. Costumamos conhecer as pessoas pela voz. Com facilidade distinguimos uma voz da outra. Isso nem sempre acontece com a voz de Deus. Porque ela não se escuta pelos ouvidos, mas pelo coração. Corações para o alto, coração reto, consciência equilibrada e generosa distingue a voz de Deus. Assim todos nos somos convidados a ouvir a voz de Deus com atenção e com unção. Ouvir a voz de Deus com o coração aberto, com toda a nossa inteligência e o nosso ser, para como São Paulo exclamar: “Não sou eu que vivo, é CRISTO QUE VIVE EM MIM!”(cf. Gl 2,20).

Por conseguinte, somos, finalmente, convidados, a seguir Jesus e trilhar o seu caminho que é caminho de salvação.

Irmãos e Irmãs,

Deus é “mistério”. Não conseguimos concebê-lo com clareza. Ele é grande demais para que o possamos descrever. É a “instância última” de nossa vida. Mas Jesus o torna acessível, visível. Podemos orientar nossa vida para a instância última graças a Jesus que nos conduz, se a ele nós confiamos. Jesus está unido a Deus que, para nós, ele é a presença de Deus em pessoa. Nele, estamos em Deus. Deus é a pastagem, a felicidade para onde Jesus-Pastor nos conduz.

A missão do Bom Pastor, que é Cristo, é dar vida às ovelhas. Ao longo do Evangelho, João descreve, precisamente, a ação de Jesus como uma recriação do homem, no sentido de fazer nascer o Homem Novo (cf. Jo 3,3.5-6), o homem da vida em plenitude, o homem total, o homem que, seguindo Jesus, se torna “filho de Deus” (cf. Jo 1,12) e que é capaz de oferecer a vida por amor. Os que aceitam a proposta de vida que Jesus lhes faz não se perderão nunca (Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as roubará de minha mão.– Jo 10,28), pois a qualidade de vida que Jesus lhes comunica supera a própria morte (cf. Jo 3,16;8,51). O próprio Jesus está disposto a defender os seus até dar a própria vida por eles (cf. Jo 10,11), a fim de que nada nem ninguém (os dirigentes, os que estão interessados em perpetuar mecanismos de egoísmo, de injustiça, de escravidão) possa privar os discípulos dessa vida plena. As ovelhas (os discípulos), por sua vez, têm de escutar a voz do Pastor e segui-Lo (cf. Jo 10,27). Isto significa que fazer parte do rebanho de Jesus é aderir a Ele, escutar as suas propostas, comprometer-se com Ele e, como Ele, entregar-se sem reservas numa vida de amor e de doação ao Pai e aos homens. O texto termina com uma referência à identificação plena entre o projeto do Pai e o projeto de Jesus: para ambos, o objetivo é fazer nascer uma nova humanidade. Em Jesus está presente e manifesta-se o plano salvador do Pai de dar vida eterna (vida plena) ao homem; através da ação de Jesus, a obra criadora de Deus atinge o seu ponto culminante.

Fica claro, pelo Evangelho, que o Bom Pastor é Cristo: só Ele nos conduz para as “pastagens verdadeiras”, onde encontramos vida em plenitude. Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos aceitar, sem problemas, que eles receberam essa missão de Cristo e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que o nosso único Pastor, aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Cristo.

Caros irmãos,

Na segunda leitura(cf. Ap. 7,9.14b-17), este Pastor é apresentado como sendo o Cordeiro, vítima pascal, que resgata e liberta da escravidão as ovelhas que somos todos nós. Esta imagem vem completar a imagem do pastor. Pois um pastor parece muito chefe. Jesus é também ovelha, igual a nós, porém totalmente consagrada a Deus. Ele nos conduz a Deus, vivendo a nossa própria situação, exceto o pecado. O Cordeiro apascenta as ovelhas. No meio de uma série de catástrofes, o visionário do Apocalipse situa uma visão da assembléia celestial dos justos. O Cordeiro imolado é maior do que as forças negativas que assaltam o mundo. Reúne seu povo de todas as línguas e nações. Os mártires são as primícias do louvor universal ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

A Segunda leitura apresenta uma multidão imensa, inumerável, universal, pois pertence a todas as nações. Os que a compõem estão de pé, em sinal de vitória, pois participam da ressurreição de Cristo; levam túnicas brancas, o que indica que pertencem à esfera de Deus (o branco é a cor de Deus); aclamam com palmas (alusão à festa das tendas, uma festa celebrada no final das colheitas, marcada pela alegria e pelo louvor. Recorda o êxodo – quando os israelitas viveram em “tendas” – e, por influência de Zacarias 14,16, assume claras ressonâncias escatológicas. Na liturgia dessa festa, a multidão entrava em cortejo no recinto do Templo, agitando palmas e cantando) e louvam Deus e o “cordeiro”. Quem são estes? São os que “vieram da grande tribulação e que branquearam as vestes no sangue do cordeiro”, isto é, que suportaram a perseguição mais feroz e alcançaram a redenção pela entrega de Jesus (vers. 14). Que fazem eles? Estão diante de Deus tributando-Lhe o culto, dia e noite. Esse culto não é o somatório de um conjunto de ritos, mas, antes de mais, a permanente e gozosa presença diante de Deus e do “cordeiro”. A “Festa das Tendas” fazia alusão à marcha do Povo de Deus pelo deserto, desde a terra da escravidão até à terra da liberdade. A referência a esta festa neste contexto significa que se cumpre, agora, o novo e definitivo êxodo: depois da intervenção final de Deus na história, a multidão dos que aderiram ao “cordeiro” e acolheram a sua proposta de salvação, alcançaram a libertação definitiva, foram acolhidos na “tenda” de Deus; aí, não os alcançará mais a morte, o sofrimento, as lágrimas… Cristo ressuscitado, sentado no trono, é o pastor deste novo Povo, e que o conduz para “as fontes de águas vivas” – isto é, em direção à plenitude dos bens definitivos, onde brota a fonte da vida plena. A resposta positiva à oferta de salvação que Deus nos faz introduz em nós um novo dinamismo; esse dinamismo fortalece a nossa coragem e permite-nos continuar a lutar, desde já, pela concretização do novo céu e da nova terra.

Caros irmãos,

Esta celebração, nas suas três leituras, fala, ao mesmo tempo, da identidade do pastor e da identidade das ovelhas ou do rebanho, bem como da ligação entre pastor e rebanho. O fio que os une é a escuta ou o ouvir, para ser mais fiel ao texto. Ouvir é o mandamento por excelência do povo de Israel e, no Evangelho, aparece como o critério de reconhecimento: as ovelhas escutam a voz do pastor e, porque escutam, ele as conhece.

Na primeira leitura, novamente a escuta aparece como critério identificador, à diferença de que, ali, aqueles que têm por mandamento o “ouve, Israel” se recusam a ouvir a Palavra de Deus anunciada, enquanto os gentios, de quem não se exige tal conduta, a ouvem. Essa dinâmica de escuta e reconhecimento se completa na segunda leitura, que traz a imagem da recompensa dada àqueles que ouviram a voz do pastor e o seguiram. O Pastor-Cordeiro é o Cristo, divino-humano e, por isso, Salvador desse rebanho. A imagem do Cordeiro-Pastor nos diz muito sobre Jesus Cristo e sobre nós mesmos. É a perfeita imagem da relação única de Cristo com a humanidade. O nosso pastor não é alguém distinto de nós, mas alguém como nós. Ele participa da nossa condição e sabe para quais pastagens nos conduzir, a fim de chegarmos em segurança ao redil de Deus.

Meus irmãos,

É pelo testemunho dos seus discípulos que Jesus continua a ser o BOM PASTOR no mundo inteiro, para todos os seres humanos. Jesus exerce esta função de modo especial pelos ministros ordenados, bispos, presbíteros e diáconos. Por isso, a Santa Igreja celebra neste domingo o 59o DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES SACERDOTAIS E RELIGIOSAS. O Tema deste ano é: “Chamados para construir a família humana”. Diz o documento que: “A sinodalidade, o caminhar juntos é uma vocação fundamental para a Igreja e, só neste horizonte, é possível descobrir e valorizar as diversas vocações, carismas e ministérios. Ao mesmo tempo, sabemos que a Igreja existe para evangelizar, saindo de si mesma e espalhando a semente do Evangelho na história. Ora esta missão é possível precisamente colocando em sinergia todas as áreas pastorais e, antes ainda, envolvendo todos os discípulos do Senhor. Com efeito, «em virtude do Batismo recebido, cada membro do Povo de Deus tornou-se discípulo missionário (cf. Mt 28, 19). Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 120). É preciso acautelar-se da mentalidade que separa sacerdotes e leigos, considerando protagonistas os primeiros e executores os segundos, e levar por diante a missão cristã, conjuntamente, leigos e pastores como único Povo de Deus. Toda a Igreja é comunidade evangelizadora”.

Continua o documento: “Portanto, quando falamos de «vocação», não se trata apenas de escolher esta ou aquela forma de vida, votar a própria existência a um determinado ministério ou seguir o encanto do carisma duma família religiosa, dum movimento ou duma comunidade eclesial; mas trata-se sobretudo de realizar o sonho de Deus, o grande desígnio da fraternidade que Jesus tinha no coração quando pediu ao Pai «que todos sejam um só» (Jo 17, 21). Cada vocação na Igreja e, em sentido largo, também na sociedade, concorre para um objetivo comum: fazer ressoar entre os homens e as mulheres aquela harmonia dos múltiplos e variados dons que só o Espírito Santo sabe realizar. Sacerdotes, consagradas e consagrados, fiéis leigos, caminhemos e trabalhemos juntos, para testemunhar que uma grande família humana unida no amor não é uma utopia, mas o projeto para o qual Deus nos criou!”

Mas todos os cristãos, por seu testemunho, participam do pastoreio universal de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo em que somos conduzidos, ouvindo a sua voz, sendo ovelhas, exercemos também a missão de pastores, conduzindo as pessoas até as fontes da vida. Assim Cristo está ressuscitando no mundo. Que este Dia Mundial possa oferecer, uma vez mais, preciosa ocasião para que muitos jovens possam refletir sobre a própria vocação, abrindo-se a ela com simplicidade, confiança e plena disponibilidade. A Virgem Maria, Mãe da Igreja, guarde o mais pequenino gérmen de vocação no coração daqueles que o Senhor chama a segui-lo mais de perto; faça com que se torne uma árvore frondosa, carregada de frutos para o bem da Igreja e de toda a humanidade.

O Papa Francisco disse que: “Como gostaria que todos os batizados pudessem, no decurso do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, experimentar a alegria de pertencer à Igreja! E pudessem redescobrir que a vocação cristã, bem como as vocações particulares, nascem no meio do povo de Deus e são dons da misericórdia divina! A Igreja é a casa da misericórdia e também a «terra» onde a vocação germina, cresce e dá fruto. Por este motivo, dirijo-me a todos vós, por ocasião deste 53º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, convidando-vos a contemplar a comunidade apostólica e a dar graças pela função da comunidade no caminho vocacional de cada um. Na Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, recordei as palavras de São Beda, o Venerável, a propósito da vocação de São Mateus: «Miserando atque eligendo» (Misericordiae Vultus, 8). A ação misericordiosa do Senhor perdoa os nossos pecados e abre-nos a uma vida nova que se concretiza na chamada ao discipulado e à missão. Toda a vocação na Igreja tem a sua origem no olhar compassivo de Jesus. A conversão e a vocação são como que duas faces da mesma medalha, interdependentes continuamente em toda a vida do discípulo missionário”.

O Papa Francisco, mais de uma vez, reiterou o apelo aos jovens: “Não sejam surdos à chamada do Senhor! Se Ele os chamar, não se oponham, mas confiem nele. Não se deixem contagiar pelo medo, que nos paralisa, diante da proposta do Senhor. Lembrem-se sempre que o Senhor promete, aos que deixam tudo para segui-lo, a alegria de uma vida nova, que enche o coração e anima nosso caminho”.

Rezemos para que Deus nos conceda cada dia mais bispos, padres e diáconos configurados com o que Cristo espera de cada um de nós: unção pastoral e novo ardor missionário vivendo aqui e agora a santidade eterna. Aleluia!

Padre Wagner Augusto Portugal.

8 de maio de 2022
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TERCEIRO DOMINGO DA PÁSCOA, C.

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Aclamai a Deus, toda a terra, cantai a glória de seu nome, rendei-lhe glória e louvor, aleluia!”. (cf. Sl 65,1s).

 

Estamos vivendo este momento maravilhoso do tempo da Páscoa. São cinqüenta dias em que damos glórias e louvores pelo Senhor Jesus que venceu a morte, saindo da mansão dos mortos, e ressuscitando para assentar-se à direita de Deus Pai para proporcionar aos homens pecadores a vida da graça, a vida da plenitude eterna.

A Primeira Leitura (cf. At 5,27b-32.40b-41) nos apresenta o Testemunho diante do sumo sacerdote, colocada como a segunda defesa de Pedro diante do Sinédrio. “Importa mais obedecer a Deus do que aos homens”. Trata-se de um resumo do querigma cristão: anúncio do ressuscitado como salvador, pela remissão do pecado, o que supõe a conversão. De fato, na história da Igreja, Pedro aparece como líder e porta-voz. É ele que, diante do Sinédrio, em nome dos outros apóstolos, dirige ao sumo sacerdote a atrevida palavra, que parece ter sido um “slogan” dos primeiros cristãos: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens” (cf. At. 5,29) e pronuncia mais um testemunho da ressurreição de Cristo, que os chefes judaicos mataram.

O testemunho de São Pedro e dos outros apóstolos acerca de Jesus é a mensagem da primeira leitura. Presos e miraculosamente libertados (cf. At 5,17-19), os apóstolos voltaram ao Templo para dar testemunho de Cristo ressuscitado (cf. At 5,20-25). De novo presos, conduzidos à presença da suprema autoridade religiosa da nação (o Sinédrio) e formalmente proibidos de dar testemunho de Jesus, os apóstolos responderam apresentando um resumo do kerigma primitivo.

A proposta de Jesus é uma proposta libertadora, que não se compadece nem pactua com esquemas egoístas, injustos, opressores. É uma mensagem transformadora que põe em causa tudo o que gera injustiça, morte, opressão; por isso, é uma proposta que é rejeitada e combatida por aqueles que dominam o mundo e que oprimem os débeis e os pobres. Isto explica bem porque é que o testemunho sobre Jesus (se é coerente e verdadeiro) não é um caminho fácil de glória, de aplausos, de honras, de popularidade, mas um caminho de cruz. Não temos, portanto, que nos admirar se a mensagem que propomos e o testemunho que damos não encontram eco entre os que dominam o mundo; temos é de nos questionar e de nos inquietar se não somos importunados por aqueles que oprimem e que escravizam os irmãos: isso quererá dizer que o nosso testemunho não é coerente com a proposta de Jesus.

Meus caros irmãos,

A liturgia de hoje tem duas vertentes que devem ser consideradas: o Cordeiro Glorioso e Pedro, pastor e porta-voz do rebanho. A origem destes temas parece diferente, mas sendo a liturgia uma interpretação eclesial dos temas bíblicos, vale a pena interpretar um tema pelo outro. Aparece, por conseguinte, que o Cordeiro do Apocalipse, ou seja, da segunda leitura, deve ser visto como o Cordeiro que guia o Rebanho. Não é um cordeirinho, mas um carneiro. Solidário com o rebanho, o conduz à vitória. A este Cordeiro vencedor são dados os atributos de Deus: honra, glória, poder e louvor.

Mas todos os fiéis poderiam me perguntar: Por que Jesus é chamado o Cordeiro? A literatura do Apocalipse gosta de indicar pessoas e potências por figuras de animais. Além disso, Jesus foi logo considerado vítima expiatória e vítima pascal, como mostram o evangelho e a primeira carta de João, oriundos do mesmo ambiente que o Apocalipse. Como vítima expiatória, Jesus vence os poderes do pecado, representados, no Apocalipse, por feras. Portanto, o Cordeiro é um vencedor, não pelas armas, mas pela solidariedade com o rebanho, assumindo a morte por suas ovelhas.

Meus queridos Irmãos,

Todos nós somos convidados a acreditar e dar testemunho na ressurreição de Jesus. Não uma opção que seja meramente com provas históricas. Mais do que isso a ressurreição só pode ser entendida se vivenciada com absoluta convicção de que Jesus, o vencedor da morte, ressuscitou verdadeiramente. Aleluia!

A ressurreição marca um novo começo da presença histórica de Jesus no mundo. Mas em condições diferentes do tempo de sua vida pública. Os Evangelhos e as Cartas chamam Jesus de “Senhor”. Diante dele, fala Paulo que: “dobre-se todo joelho de quantos há no céu, na terra e no inferno, e toda língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor!” (cf Fl 2,10-11).

A partir da ressurreição os discípulos passam a se considerarem “servos do Senhor Jesus”. Assim foi Tiago, foi Pedro, foi Paulo e continua sendo os sucessores de Pedro na Sua Cátedra. Assim tem sido o novo Papa Francisco, como foi o peregrino Bento XVI, que lutando contra toda a esperança humana continua servo do Senhor Ressuscitado.

Mas, realmente, o Evangelho de hoje é esplendoroso em significados. Ali estava à beira do Mar Tiberíades um pequeno grupo de discípulos de Jesus. Todos estavam desanimados e se colocaram a pescar. Não estavam preocupados com o anúncio da ressurreição de Jesus e com as coisas de Jesus. Para eles o importante era pescar e pensar em si mesmos. Uma atitude bem humana. De Pedro foi à iniciativa para a Pesca: Vou pescar. Mas, infelizmente, nada pegaram com suas redes.

A pesca de que fala o Evangelho é muito superior: vamos pescar homens e mulheres para o Reino de Deus. Pescar é o iniciar a missão e a atividade apostólica que foi legada por Jesus a seus discípulos.

O fracasso da pesca de Pedro e dos companheiros, embora excelentes conhecedores do mar e dos peixes, não é apenas a conclusão de uma pesca sem êxito, mas a tradução concreta do que Jesus dissera na Última Ceia: “Sem mim nada podeis” (cf Jo. 15,5).

Ressurreição, tempo novo de Deus para a humanidade e, particularmente, para a comunidade que acreditou que Jesus verdadeiramente ressuscitou para lavar nossos pecados. Com Cristo, por Cristo e em Cristo Jesus nos ensina o caminho a ser trilhado para dilatar o Reino de Deus e para sermos fiel ao mandato e a missão de evangelizadores que todos, batizados, indistintamente, são convidados a se empenharem.

Irmãos e Irmãs,

No Evangelho deste domingo (cf. Jo 21,1-19 ou 1-14) apresenta a aparição do ressuscitado e a vocação de Pedro a guiar o rebanho que lhe confiado pelo Senhor. A Mãe Igreja aparece como barco de Pedro e como pesca milagrosa (cf. Jo 21,1-14), mas somente pela palavra do Senhor Ressuscitado! Em Jo 21,15-19, utilizando a imagem do rebanho São Pedro é instituído Pastor do Rebanho que é o de Cristo. Pedro, e não o discípulo amigo por excelência. Por três vezes – quantas vezes o negou – Pedro tem que confirmar sua afeição ao Senhor, porque a vocação é sempre graça de Deus, de quem chama para o serviço generoso do seguimento de Cristo.

Jesus acentua na sua conversa com Pedro a dimensão do Seu Seguimento. O discípulo não irá à frente do Mestre. Não é próprio do discípulo inventar novidades. Ao discípulo verdadeiro cabe ir atrás do Mestre, pondo os pés nas marcas de seus pés. De tal maneira que, quem vir as pegadas, veja só as de Cristo, que são também nossas, ou as nossas que se identificam com as de Cristo.

Não quero realizar os meus desejos. Tenho que realizar a vontade que Cristo tem para a minha vida. E todos os desejos de Cristo, expressos em seus ensinamentos e em sua vida, trazem sempre um gosto pascal de morte/ressurreição. Assim o desapego. Assim o amor gratuito. Assim o acolhimento, o serviço, a compreensão, o perdão, a misericórdia, a acolhida, a vida de comunidade, o cotidiano de nossa vida que sempre deve ser Páscoa e santidade de vida e de estado.

A praia, cenário onde Jesus dá de comer pão e peixe, nos relembra a instituição da Eucaristia, a abundância das graças que os discípulos passam a ser dispensadores. Assim, as celebrações eucarísticas são força de unidade e refazimento do mistério da Encarnação e da Redenção de Jesus. Até hoje, como agora, a comunidade reúne-se e cresce em torno da refeição eucarística. É nela que “anunciamos sua morte e proclamamos a sua ressurreição!” É na Eucaristia que conseguimos o destino eterno.

A mensagem fundamental que brota do Evangelho de hoje nos convida a constatar a centralidade de Cristo, vivo e ressuscitado, na missão que nos foi confiada. Podemos esforçar-nos imenso e dedicar todas as horas do dia ao esforço de mudar o mundo; mas se Cristo não estiver presente, se não escutarmos a sua voz, se não ouvirmos as suas propostas, se não estivermos atentos à Palavra que Ele continuamente nos dirige, os nossos esforços não farão qualquer sentido e não terão qualquer êxito duradouro. É preciso ter a consciência nítida de que o êxito da missão cristã não depende do esforço humano, mas da presença viva do Senhor Jesus.

Caros fiéis,

A Segunda Leitura (cf. Ap. 5,11-14) nos ensina que devemos honrar e dar a glória, o louvor e o poder ao Cordeiro de Deus. Como por uma porta, o visionário entrevê os mistérios de Deus: o Cordeiro imolado recebe os atributos do poder decisivo e escatológico. As criaturas que o adoram estão na luz de sua glória: esta é a sua salvação. O Apocalipse apresenta de uma maneira original e sintética, a plenitude do mistério de imolação, de libertação e de vitória régia, que corresponde a Cristo morto, ressuscitado e glorificado. O “cordeiro” (Cristo) é entronizado: ele assumiu a realeza e sentou-se no próprio trono de Deus. Aí, recebe todo o poder e glória divina. A entronização régia de Cristo, ponto culminante da aventura divino-humana de Jesus, desencadeia uma verdadeira torrente de louvores: dos viventes, dos anciãos (vers. 5-8) e dos anjos (vers. 11-12). E todas as criaturas (vers. 13), a partir dos lugares mais esconsos da terra, juntam a sua voz ao louvor. O Templo onde ressoam estas incessantes aclamações alargou as suas fronteiras e tem, agora, as dimensões do mundo. É uma liturgia cósmica, na qual a criação inteira celebra o Cristo imolado, ressuscitado, vencedor e faz dele o centro do “cosmos”.

A mensagem final do Livro do Apocalipse pode resumir-se na frase: “não tenhais medo, pois a vossa libertação está a chegar”. É uma mensagem “eterna”, que revigora a nossa fé, que renova a nossa esperança e que fortalece a nossa capacidade de enfrentar a injustiça, o egoísmo, o sofrimento e o pecado. Diante deste “cordeiro” vencedor, que nos trouxe a libertação, os cristãos veem renovada a sua confiança nesse Deus salvador e libertador em quem acreditam.

Caros irmãos,

Uma primeira consideração a ser tecida relaciona-se com a questão do reconhecimento do Ressuscitado como o mesmo que fora crucificado. A melhor forma de atestar que o Ressuscitado não era um mito, uma invenção ou qualquer outro subterfúgio dos discípulos era reconhecê-lo como o Mestre com quem conviveram.

Aquele que aparecia diante deles não era uma ilusão ou um fantasma, por isso come com os discípulos, como fizera muitas vezes antes de sua morte. Esse texto, contudo, não fala apenas do Cristo: diz algo também sobre os cristãos. Estes serão reconhecidos pela partilha do pão, ou seja, pela comensalidade repetida em cada liturgia eucarística. Assim, o texto não testemunha apenas o Ressuscitado, mas, por antecipação, também os cristãos.

Uma segunda consideração nos leva a entender que essa experiência de encontro com o Ressuscitado permite aos discípulos a ousadia e a coragem de anunciar o Cristo e de testemunhar seus ensinamentos, ainda que sob o risco de serem presos e torturados. Com isso, adverte os cristãos de todos os tempos de que seguir a Cristo e anunciá-lo comporta o risco de sofrer o incômodo das estruturas injustas há muito estabelecidas. A incompreensão e a perseguição podem fazer e fazem, de tempos em tempos, parte da “herança” dos seguidores do Cristo. Enfim, somos chamados, como Igreja, a unir nossa voz à dos anjos e santos num canto de louvor ao nosso Senhor e Salvador.

Meus queridos Irmãos,

Jesus Cristo é o Senhor. Esse é o resumo de nossa fé no Filho de Deus, que morreu e ressuscitou para reinar, para ser a cabeça de todos os poderes, para mandar ou permitir o que quiser. Os cristãos fazem esta profissão de fé: “Creio num só Senhor, Jesus Cristo!”.

Na história da Igreja, Pedro aparece como líder e porta-voz. É ele que, diante do Sinédrio, em nome dos outros apóstolos, dirige ao sumo sacerdote a atrevida palavra, que parece ter sido um slogan dos primeiros cristãos: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens” (Cf At 5,29), e pronúncia mais um testemunho da ressurreição de Cristo, que os chefes judeus mataram, conforme nos ensinou a primeira leitura.

Como o Cordeiro, por solidariedade e amor, deu a sua vida em prol do rebanho, assim também o Pastor que recebe seu encargo por seu amor não deixará de dar a sua vida em prol de seu rebanho.

Peçamos, pois, com fé, que possamos viver como cristãos a palavra do Redentor e Salvador. Esta palavra é instancia suprema de nossas vidas. O Senhor ressurgiu e continua a ressuscitar ainda hoje. Ele ressuscita de modo especial na Missa. A verdade central da ressurreição de Cristo aí é comemorada e se torna realidade. Vivamos, pois, com fé, esta realidade e peçamos ao Senhor que nos mantenha sempre firmes em seu seguimento. Aleluia!

 

Padre Wagner Augusto Portugal.

1 de maio de 2022
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Agradecimento

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

A gratidão da vida! Completei no dia de hoje mais um ano de vida. Momento de agradecer a Deus as muitas graças que Ele me concedeu e, de maneira humilde e penitente, pedir perdão pelas pessoas que ofendi ou pelos erros que cometi.
Meu coração está cheio de gratidão pela vida que o bom Deus me deu. Há muitas provações e tempos difíceis, mas Ele sempre me guiou e me ajudou nessas situações, de modo que eu pudesse continuar o meu caminho e estou profundamente agradecido, particularmente pelos meus pais que me deram o maior tesouro que é ter nascido católico, ter sido batizado na Santa Igreja.

Graças aos meus queridos pais renasci também pela água e pelo Espírito, como acabámos de ouvir do Evangelho. Em primeiro lugar, há o dom da vida que os meus pais me ofereceram em tempos muito difíceis, e que lhes devo agradecer. Mas não é uma certeza dizer que a vida do homem em si seja um dom. Pode deveras ser um bonito dom? Sabemos o que está sobranceiro sobre o homem nos tempos obscuros que vemos diante de nós — ou nos mais luminosos que possam vir? Sabemos prever a quais aflições, ou eventos terríveis poderá estar exposto? É justo oferecer a vida assim, simplesmente? É responsável ou demasiado imprevisível?

A vida é um dom problemático, se não for cultivado. A vida biológica por si mesma é um dom, embora cercada por uma grande dúvida. Ela torna-se um dom verdadeiro se juntamente com ela se puder doar também uma promessa que é mais forte do que qualquer desventura que nos possa ameaçar, se ela for imersa numa força que garante que é bom ser um homem, que por este homem tudo o que o futuro trouxer é um bem.

Assim, ao nascimento se associa ao renascimento, a certeza de que na verdade é bom existir, porque a promessa é mais forte do que as ameaças. Este é o sentido do renascimento pela água e pelo Espírito: ser imersos na promessa que só Deus pode fazer: é bom que tu existas, e podes ter certeza, aconteça o que acontecer. Desta promessa eu vivi, renascido pela água e pelo Espírito. Nicodemos pergunta ao Senhor: “Porventura pode um velho renascer?”. Pois bem, o renascimento é-nos doado no batismo, mas nós devemos continuar a crescer nele, devemos continuar a fazer-nos imergir por Deus na sua promessa, a fim de que verdadeiramente possamos renascer na grande, nova família de Deus que é mais forte do que todas as debilidades e de todas as forças negativas que nos ameaçam.

A antecipação da ressurreição no meio da história que evolui é a força que nos indica o caminho e nos ajuda a ir em frente.

Demos graças ao bom Deus porque nos doou esta luz e peçamos a fim de que ela possa permanecer para sempre. E eu devo agradecer a Ele e a quantos me fizeram sentir sempre de novo a presença do Senhor, que me acompanharam para que não perdesse a luz.

Na esperança da ressurreição final – da alegria pascal – espero poder no céu encontrar com os meus avós queridos e com a minha irmã Wanessa. Desejar o céu é a certeza de que caminhamos neste mundo com os olhos fixos no Eterno de Deus!

A todos os que me cumprimentaram nesta data asseguro-lhes a bênção de Deus. Levem a minha saudação à casa, a minha gratidão e com muito prazer, em meu coração, continuarei sempre rezando nas suas intenções e de sua família.
Santo e abençoado tempo pascal!

Padre Wagner Augusto Portugal

29 de abril de 2022
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SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA, C.

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Como crianças recém-nascidas, desejai o puro leite espiritual para crescerdes na salvação, aleluia!”(cf. 1Pd 2,2)

 

Meus queridos Irmãos,

Este é o tempo que o Senhor fez para nós, Alegremo-nos e Nele Exultemos!

Todos nós somos embaixadores do Cristo Ressuscitado! Assim, depois de termos refletido sobre os mistérios do Senhor, o Rei do Universo, é necessário que neste domingo volvemos nossos olhares para o que a IGREJA CHAMOU DE DOMINGO DA MISERICÓRDIA DIVINA!

A Misericórdia permeia toda a liturgia deste domingo. Numa cena que lembra a criação do mundo e parecida com a manhã de Pentecostes, João conta-nos como, na tarde de Páscoa, Jesus apareceu aos Apóstolos e enviou-os com a mesma missão salvadora com que ele fora enviado pelo Pai. João dá uma conotação teológica nova: o envio dos Apóstolos é relacionado ao envio de Jesus da parte do Pai. Fica claro que a Igreja é a continuadora da missão de Jesus. Não só o prolongamento do Corpo de Jesus ressuscitado, como a chamou São Paulo, mas também o prolongamento de sua voz e de sua graça. A Igreja não tem outra missão na terra a não ser a de continuar a obra de Jesus.

Essa doce missão evangelizadora da Igreja só pode cumprir na força do Espírito Santo. Fazendo uma comparação, diríamos que a Igreja é o carro que nos conduz ao porto feliz da eternidade, mas o motor é o Espírito Santo. Numa cena que recorda a criação do ser humano, Jesus sopra sobre os Apóstolos o Espírito Santo. É o Espírito Santo a grande testemunha, isto é, aquele que deve proclamar Cristo Ressuscitado, caminho, verdade e vida da humanidade redimida. Sem o Espírito Santo de Cristo, a Igreja seria instituição meramente humana.

A evangelização tem a meta da SANTIDADE. Todos nós temos que abandonar o pecado e voltar, depois de obtermos a graça santificante, a amizade com Deus. Caminho que exige fé e humildade.

A fé envolve o encantamento com o Ressuscitado: envolvem a inteligência, à vontade, os sentimentos. Temos que ter fé com o coração, porque é Feliz aquele que crê sem ver!

Caros irmãos,

A Primeira Leitura desta Liturgia(cf. At. 5,12-16) nos fala da adesão incontável e numerosa de fiéis à comunidade. Vendo uma comunidade realmente fraterna, as pessoas começam a questionar. Que isso significa? Sobretudo, quando sinais prodigiosos acompanham esta comunidade. Sinais que devem conduzir a Jesus de Nazaré, cuja ressurreição a comunidade proclama, como podemos observar no salmo responsorial: “A pedra que os pedreiros rejeitaram tornou-se, agora, a pedra angular”(cf. Sl. 118).

O livro dos Atos dos Apóstolos apresenta o “caminho” que a Igreja de Jesus percorreu, desde Jerusalém até Roma, o coração do Império. No entanto, foi de Jerusalém, o lugar onde irrompeu a salvação – isto é, onde Jesus sofreu, morreu, ressuscitou e subiu ao céu –, que tudo partiu. Foi aí que nasceu a primeira comunidade cristã e que essa comunidade, pela primeira vez, se assumiu como testemunha de Jesus diante do mundo.

A comunidade cristã tem de ser, fundamentalmente, uma comunidade que testemunha Cristo ressuscitado. Se formarmos uma família de irmãos “unidos pelos mesmos sentimentos”, solidários uns com os outros, capazes de partilhar, estaremos a anunciar esse mundo novo que Jesus propôs e a interpelar os nossos conterrâneos.

Os milagres não são, fundamentalmente, acontecimentos espantosos que subvertem as leis da natureza; mas são sinais que mostram a presença libertadora e salvadora de Deus e que anunciam essa vida plena que Deus quer dar a todos os homens. Não são, portanto, coisas reservadas a certos feiticeiros ou super-heróis, mas são coisas que eu posso fazer todos os dias: sempre que os meus gestos falam de amor, de partilha, de reconciliação, eu estou a realizar um “milagre” que leva aos irmãos a vida nova de Deus, estou a anunciar e a fazer acontecer a Ressurreição.

Meus queridos Irmãos,

Neste domingo, chamado “in albis”, ou seja, das vestes brancas ou da Divina Misericórdia a liturgia acentua a nova existência do cristão, regenerado pelo batismo ou pela renovação das promessas batismais. O Evangelho de João(cf. Jo 20,19-31) apresenta a missão pelo Cristo Ressuscitado. A Ressurreição é a nova criação. Restabelece-se a paz. Novamente é dado o Espírito. O homem deve “tirar o pecado do mundo”, prolongando a missão de Cristo. A primeira geração teve o privilégio de ver e apalpar o ressuscitado, que inaugurou esta nova realidade. As gerações seguintes deverão crer por causa de seu testemunho.

Jesus aparece aos discípulos desejando-lhes a Paz. Em ambas as aparições estão trancadas as portas por medo dos judeus. Jesus supera as portas trancadas não só porque possui agora um corpo ressuscitado, mas também para dizer-nos que devemos superar o medo da perseguição, da incompreensão, da decepção e da morte. Por causa dessas e de outras razões, fechamo-nos em nossa casa e em nós mesmos. Todos temos experiência desse fechamento, que não é pascal, que não é cristão. Fechar-se é morrer. A presença de Jesus enche-nos de alegria. E abrimo-nos como flor de quintal. O cristianismo é abertura para os outros. É porta aberta para receber e ir ao encontro.

Jesus presente em nosso meio não nos deixa parados. Ele faz de nós seus braços, pés e coração. Ele reparte conosco sua missão salvadora. Sua presença de ressuscitado tem a força de recriar as criaturas. Observe-se quanta semelhança tem a cena da aparição de Jesus na tarde da Páscoa com a cena da criação do mundo. De fato, a Paixão e a Ressurreição de Jesus criaram uma nova humanidade, onde o Espírito Santo de Deus fez de cada discípulo de Jesus um continuador responsável da missão de Cristo.

Irmãos,

Jesus reparte com os Apóstolos o poder de condenar e de salvar. Jesus envia seus apóstolos para a missão. Os apóstolos de ontem e de hoje somos todos nós, um povo sacerdotal pelo batismo. Por isso todos nós somos embaixadores de Cristo, e é em nome de Cristo que todos nós somos convidados a espargir o perdão, a misericórdia, a fraternidade, a paz, a justiça, o amor, tudo baseado na pessoa de Jesus Ressuscitado.

Jesus hoje nos fala da paz. Quanta paz falta no mundo? Quanta paz estamos precisando no exterior e no nosso próprio país. A paz é o centro principal da Páscoa! Cristo reintroduziu a harmonia entre o Criador e as criaturas. E é dessa paz que os Apóstolos devem encher-se para levá-la a todos os povos. Essa paz é a conseqüência do perdão dos pecados. Essa paz é a plenitude do Espírito de Deus entre as criaturas. Por isso Paulo podia escrever aos Efésios que Deus entre as criaturas.

Que nós não tenhamos a atitude de Tomé que disse que só acreditaria se tocasse nas chagas de Jesus. Tomé hoje sente Jesus ressuscitado pelo olho – viu – pelo ouvido – escutou – e pelo tato – tocou – em Jesus. Os principais sentidos humanos atestam a ressurreição de Jesus.

Caros irmãos,

A comunidade cristã gira em torno de Jesus, constrói-se à volta de Jesus e é d’Ele que recebe vida, amor e paz. Sem Jesus, estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar a vida em plenitude; sem Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos divididos, em conflito e não seremos uma comunidade de irmãos… A comunidade tem de ser o lugar onde fazemos, verdadeiramente, a experiência de Jesus ressuscitado. É nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo. Jesus deixa-Se ver aos seus discípulos, o que os enche de alegria. Envia sobre eles o seu Espírito para que respirem do mesmo sopro e espalhem, por sua vez, o sopro da misericórdia de Deus. Tomé não está lá nessa tarde de Páscoa, o testemunho dos apóstolos não consegue convencê-los; ele quer ver, quer tocar, recusa reconhecer o Ressuscitado num fantasma. Jesus respeita a sua caminhada, e é Ele próprio que lhe propõe para ver e tocar. Tomé, então, proclama o primeiro ato de fé da Igreja: “Meu Senhor e meu Deus!” Ele reconhece não somente Jesus ressuscitado, marcado pelas chagas da Paixão, mas adora-O como seu Deus. Então, Jesus anuncia que não Se apresentará mais à vista dos homens, mas será necessário reconhecê-l’O unicamente com os olhos da fé. E faz desta fé uma bem-aventurança: “felizes os que acreditam sem terem visto!” Também nós, hoje, somos convidados a viver esta bem-aventurança. Oxalá possam as nossas dúvidas e as nossas questões ser, como para Tomé, caminho de fé!

Caros irmãos,

A Segunda Leitura(cf. Ap 1,9-11a.12-13.17-19) apresenta a maravilhosa visão da vocação do apocalíptico. O Filho do Homem por seu traje é caracterizado como sacerdote, rei e juiz. Era morto e vive. Dispõe de tempos e mundos: a última palavra sobre a História pertence a Ele. Referência especial ao “dia do Senhor”, o primeiro da semana, o domingo, dia da ressurreição. Como para o visionário, deve ser para cada cristão dia de encontro com o Ressuscitado.

A segunda leitura está ambientada nos finais do reinado de Domiciano (à volta do ano 95); os cristãos eram perseguidos de forma violenta e organizada e parecia que todos os poderes do mundo se voltavam contra os seguidores de Cristo. Muitos cristãos, cheios de medo, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora, quem mandava mesmo como senhor todo-poderoso era o Imperador de Roma. É neste contexto de perseguição, de medo e de martírio que vai ser escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é apresentar aos crentes um convite à conversão (primeira parte – Ap 1-3) e uma leitura profética da história que os ajude a enfrentar a tempestade com esperança e a acreditar na vitória final de Deus e dos crentes (segunda parte – Ap 4-22).

A segunda leitura fala do “Filho do Homem!”. Esse “Filho do Homem” é Cristo ressuscitado. Para o descrever em pormenor, o autor (um tal João, exilado na ilha de Patmos por causa do Evangelho) vai recorrer a símbolos herdados do mundo vétero-testamentário que sublinham, antes de mais, a divindade de Jesus. Os homens de hoje, apesar de todas as descobertas e conquistas, têm, muitas vezes, uma perspectiva pessimista que lhes envenena o coração e a existência. Se a esperança está em crise, nós, testemunhas do ressuscitado.

A João, Cristo Ressuscitado confia a missão profética de testemunhar. O fato de João cair por terra como morto e o fato de o Senhor o reanimar com um gesto (Ap 1,17) fazem-nos pensar em vários relatos de vocação profética do Antigo Testamento. O “profeta” João é, pois, enviado às Igrejas; a sua missão é anunciar uma mensagem de esperança que permita enfrentar o medo e a perseguição. Sobretudo, é chamado a anunciar a todos os cristãos que Jesus ressuscitado está vivo, que caminha no meio da sua Igreja e que, com Ele, nenhum mal nos acontecerá pois é Ele que preside à história.

Caros irmãos,

Essas três leituras deste Domingo nos põem em relação com o Ressuscitado, aquele que pode transformar nossos sentimentos em paz e alegria, a fim de que o testemunhemos. Para isso, ele sopra sobre nós seu Espírito, para vivermos o perdão dos pecados. Outras “chagas” se apresentam diante de nós no mundo contemporâneo. Os pobres, doentes e excluídos de nosso tempo representam novos rostos, com os quais podemos praticar a experiência de Tomé. A chaga horrível da guerra que nos atormenta. Tocar essas feridas, hoje, implica ser presença solidária, acompanhar, contribuir, apoiar, alimentar sintonia e comunhão com aqueles que clamam por justiça e por uma presença consoladora, carregada de ternura e compaixão. A experiência de encontro com o Senhor ressuscitado não é delírio dos primeiros discípulos ou ideia infundada da comunidade primitiva. A mudança de vida confirma o que o Espírito Santo gera naqueles que se dispõem a ele. Assim, que nossas liturgias nos ajudem a viver o compromisso do perdão e do amor, a exemplo de Jesus.

Meus amados Irmãos,

Cristo Ressuscitado veio garantir-nos esta libertação, raiz e base de qualquer outra libertação. Libertação do pecado significa libertação da mais radical alienação que seduz o homem. Onde não há esta libertação, vê-se que a destruição das estruturas injustas deu lugar muito frequentemente a outras estruturas que não souberam respeitar o homem.

A comunidade seja familiar, seja eclesial, é o lugar privilegiado da ressurreição de Cristo, porque é o lugar do amor. Agora não mais dos Atos dos Apóstolos, mas dos atos dos cristãos. Importante é que eles sejam colocados na vida para que os outros vejam e, vendo, creiam e tenham a vida eterna.

Assim hoje, no dia da misericórdia, podemos cantar a seqüência do dia pascal: “daí graças ao Senhor, porque Ele é bom! Eterna é a sua misericórdia! Este é o dia em que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e nele exultemos! Amém!”

Daí graças ao Senhor por sua Misericórdia infinita que, mesmo diante das catástrofes, do sofrimento, da dor, da perda, da morte, da desolação, a última palavra é Cristo que nos convoca ao seu encontro, porque Jesus nos ensina que ele é o vivente, e não o morto. Que sejamos homens e mulheres iluminados pelo branco da santidade externa e interna para enxergamos em tudo a misericórdia do Deus que está no meio de nós!

 

Padre Wagner Augusto Portugal

24 de abril de 2022
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Páscoa

DESCENDIMENTO DA CRUZ

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Ele tomou sobre si nossas enfermidades e carregou os nossos sofrimentos.” (Is 53,4)

 

“Eis o homem!”

Ecoa desde há dois mil anos a infame apresentação que o pusilânime Pôncio Pilatos fez de Nosso Senhor, do balcão do pretório, enquanto a turba indecorosa, ululante, escarnecedora, mais uma vez preferia as trevas à Luz.

(…)

“Eis o homem!”

Estamos agora diante do lúgubre Calvário.

Aquele ambiente de desolação se estende por todo o mundo, alcança o céu, influencia a natureza.

“Ou um deus está morrendo, ou o mundo está se acabando”, teria exclamado, espantado, um astrônomo distante daquelas terras, alheio ao que acontecia em Jerusalém.

“Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele” (Is 53,3).

Estava ali, suspenso no madeiro da ignomínia, a vítima em holocausto pela remissão dos pecados do primeiro homem. Ali, naquele Lugar da Caveira, sobre a caveira do primeiro homem – conforme rezava a tradição -, onde brotara a árvore da vida, que resgataria das trevas a dignidade humana perante Deus, que tiraria do exílio o novo homem.

“Jerusalém, limpa o coração da maldade, a fim de que consigas a salvação” (Jr 4,14). É preciso que o sangue que jorra da árvore da vida escorra pelo monte, alcance Jerusalém e a lave da corrupção do mal que inebria o coração dos homens.

“Anunciam-se desastres sobre desastres” (Jr 4,20).

Jerusalém está desolada. O mundo todo está devastado. O universo fechou-se em luto. Do céu, repartido por raios, derrama-se o pranto da natureza, pela frialdade dos homens que levam à morte o seu Deus e Senhor.

“Jerusalém, Jerusalém, converte-te ao Senhor teu Deus!”

(…)

Estamos diante do lúgubre Calvário. É o altar do sacrifício. É onde o Cristo se entregou ao Pai, em holocausto, para a nossa redenção.

Estamos diante o altar onde o Deus humanado restitui-nos a graça, a vida eterna.

(…)

“Ouço gritos como os da mulher ao dar à luz, gritos de angústia quais os do primeiro parto. São os clamores da filha de Sião; geme e ergue as mãos: Desgraçada de mim! Desfaleço ante os algozes.” (Jr 4,31).

Esses gritos, porém, se ouve ao longe. É o arrependimento daqueles que lançaram às mãos malditas o corpo de nosso amado Jesus, que entregaram ao seu juízo a dignidade do Príncipe da Paz, Rei dos Séculos Futuros. É o grito da traição de quantos abandonam Nosso Senhor pelo pecado. É o grito dos celerados que promovem a violência, que corrompem a paz.

(…)

“Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele” (Is 53,3).

Vemos, hoje, esse rosto desfigurado, esse corpo chagado, esse estado deplorável em cada irmão desprezado pelos poderes públicos, em cada marginalizado pela sociedade, em cada criança abandonada pela sorte e pela caridade fraterna que pouco se pratica, em cada vítima da violência neste mundo em que o capitalismo e o hedonismo disputam a conversão de almas, afastando-as de Nosso Senhor, distraindo-as do caminho da salvação e seduzindo-as para a perdição eterna.

“Era desprezado…” e ainda o é pelos católicos que, por respeito humano, se calam diante das heresias que se dizem em todos os lugares e se omitem ante os sacrilégios e profanações que se cometem em nossas comunidades. Católicos relaxados que buscam se informar sobre tudo e sobre todos, menos conhecer a Doutrina – o Catecismo ao menos – e contestam veementes as decisões da Igreja e de seu Magistério.

Aquele que se julga capaz de discordar da autoridade do Papa no que diz respeito aos dogmas e à moral católica é um infame. Não é católico. É um seduzido por Lúcifer, no seio da Igreja, para corrompê-la. E temos muitos desses por aí, até no meio do clero, infelizmente, escandalizando muitos “cristos” de sua prepotência e ignorância. Rezemos pela conversão dessas pobres almas, pois por elas também verte o sangue redentor desta cruz.

“Era desprezado…” e ainda o é pelos pais que se sujeitam aos paparicos dos filhos mal-educados pela televisão, pela internet, pelas más companhias, soltos no mundo, à mercê da carne e do demônio.

“Era desprezado…” e ainda o é pelos governantes e homens públicos que se regalam com o poder diante de bocas famintas, vendo corpos esquálidos pela enfermidade e sem nenhuma assistência, omissos às vítimas das drogas, assistindo e por vezes promovendo a beligerância entre os povos, alheios a tudo o que assegura uma vida digna aos pobres, aos pequeninos acolhidos por Nosso Senhor.

“Era desprezado…” pois estava destinado a descer aos infernos para libertar os cativos do pecado de Adão. “Æstimatus sum cum descendentibus in lacum, factus sum sicut homo sine adjutório, inter mortuos líber” – “Chegou a ser homem como sem socorro, livre entre os mortos”, canta o Salmista (Sl 87).

“Christus factus est pro nobis obediens, usque ad mortem, mortem autem crucis” – “Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte, e morte de cruz” (Fl 2, 8).

 (…)

Meus irmãos,

Estamos diante do mais belo cenário da história da humanidade. Assistimos à representação do mais importante drama de amor de todos os tempos. “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,16-17).

E na contemplação desse quadro que aos céticos causa espanto, mas aos fiéis deve inflamar a devoção a Deus, deparamo-nos com uma síntese da vida do cristão.

O mandamento maior é o primeiro pelo qual, segundo os relatos do Evangelho, Nosso Senhor teria clamado do alto do patíbulo: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). É o amor ao próximo que nos lega como primeira de suas últimas lições. Ele perdoa seus algozes. Ele se compadece da humanidade pecadora e, não bastasse morrer por amor, ainda suplica a Deus por aqueles que o maltratam. E constatamos as palavras de Santo Agostinho, quando nos diz que “a Cruz não foi apenas lugar de sofrimento, mas cátedra de ensino”.

Na sua agonia, vítima dos mais cruéis opróbrios dos infames verdugos que o prenderam, o açoitaram, o maltrataram e, por fim, o pregaram na cruz, suas palavras ainda resvalam esperança. “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43), é a promessa de salvação para aquele pobre homem, sabe-se lá por que estava ali, crucificado ao lado de Jesus… É a esperança decorrente da confiança em Deus. Os pecados daquele pobre homem que se definhava ao lado de Jesus não foram tão sórdidos, a ponto de reconhecer a inocência do Redentor e confiar, humildemente, nele: “Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino” (Lc 23,42). Jesus, clamamos hoje, lembra-te de nós, míseros pecadores, compassivo, agora e na hora de nossa morte.

A caridade mais uma vez se esvai da Paixão de Cristo, fonte de misericórdia; caridade para com os seus, caridade para com todo o mundo. Primeiramente se dirige à sua mãe, a Virgem Dolorosa que ao pé da Cruz, em silêncio, contempla aquele martírio e medita sobre os desígnios de Deus. “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19,26). Quebrava o silêncio aquelas palavras de Jesus. Na pessoa do discípulo amado, João, aquele que O acompanhou até o último instante, estavam representados todos aqueles que acreditaram nEle e que O veriam em sua glória, assim como Pedro, Tiago e João assistiram no Tabor, “cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). E confirmavam esse comércio de seu amor as palavras dirigidas a João: “Eis aí tua mãe” (Jo 19,27). Maria nos é dada como mãe, mãe de seu Corpo Místico, mãe dos pecadores, mãe de todos aqueles que professam a mesma fé, que Cristo é o Filho de Deus que veio ao mundo para redimir as nossas culpas, nascido das entranhas puríssimas de uma Virgem predestinada, que naquele instante derradeiro tornava-se co-redentora da humanidade, medianeira de todas as graças.

E em meio a todo aquele tormento, Jesus nos rege a lição da oração, a oração no sofrimento, a oração na confiança nos desígnios de Deus, a oração nas adversidades, na escuridão da vida espiritual. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes” (Mt 27, 46b). Não era uma blasfêmia, mas uma oração confiante que se desprendia dos divinos lábios, assim como fizera tantas vezes junto de seus pais, José e Maria, nas sinagogas, nos momentos de recolhimento em que se unia ao Eterno Pai. É a paciência nas adversidades que o Salmista em oração nos ensina: “Fiquei mudo, em silêncio, privado da felicidade, mas a minha dor exacerbou-se” (Sl 38,2). Na oração, oferecia-se Jesus a Deus pela nossa salvação. Na oração, apresentemo-nos indefesos a Nosso Senhor para que ele faça de nós instrumentos para a evangelização, concedendo-nos a graça da piedade, do desapego, da compaixão, do abandono, do desejo interminável de poder contemplá-lo face a face um dia, a graça da perseverança final.

(…)

Na meditação da Paixão de Jesus, diante deste cenário, deparamo-nos com a figura da Pecadora, agarrada ao pé da Cruz, presa como à tábua de salvação. Sim! Jesus foi a salvação daquela mulher que doravante tornou-se “a penitente”: Maria Madalena. A beleza externa, as vestes insinuantes, as fragrâncias sedutoras, as jóias reluzentes… Nada mais tinha valor para aquela que não desejava outro amor, senão a misericórdia do seu Senhor. E é a essa vítima da sedução do demônio, da fragilidade da carne e da perversão do homem que Jesus suplica: “Sitio” – “Tenho sede” (19,28).

“Dá-me de beber” (Jo 4,7), foi a súplica do Mestre no poço de Jacó à Samaritana. Ele tinha sede do amor da humanidade, de todos os homens, prefigurada naquele mulher discriminada pela sua naturalidade. E é a ela que Jesus, cansado da viagem, pede que lhe sacie. Ele quer o amor de todos, indistintamente.

“Tenho sede” é a súplica de Jesus na Cruz, dirigindo-se à penitente.

Diz uma lenda que, ao ouvir a súplica, Maria Madalena correu até uma talha com água que estaria por perto e tentara matar a sede do Senhor, mas ele recusou a beber. E teria novamente insistido: “Tenho sede”. Lembrara, então a discípula que no palácio de Pilatos havia um licor considerado saboroso, vindo de Roma. Em disparada desceu Madalena do monte Calvário e foi conseguir, por meio de influências, um pouco daquela bebida considerada refrescante, querendo proporcionar alívio ao seu Mestre. E Jesus também recusou.

Ah, a dedicada mulher que acompanhava Jesus e seus discípulos desde a Galiléia não desanimou. Desta vez foi até o Templo para buscar uma taça de um vinho considerado puro e de tão seleta safra de uvas que era oferecido naquele lugar sagrada. Debalde retornou pressurosa, a tempo de saciar a sede de Jesus. Ele recusou tomar do saboroso líquido.

Sem saber o que fazer, quedou-se em convulsivo pranto ao pé da Cruz. Sentia-se incapaz de atender ao último pedido que lhe dirigia seu amado Jesus.

Mais uma vez o Senhor lhe pedia: “Tenho sede”.

E como numa inspiração sobrenatural, Madalena sentiu-se tocada pela graça e com as mãos concavadas, recolheu suas lágrimas e as ofereceu ao seu Redentor.

Tinha sede, Nosso Senhor, das lágrimas daquela mulher; ainda tem sede, Nosso Senhor, de nosso arrependimento.

Eis, caríssimos irmãos, neste passo o fruto da conversão: a misericórdia, o amor. Diz-nos a bem-aventurada Teresa de Calcutá que “’Tenho sede’ é uma palavra muito mais profunda do que se Jesus tivesse simplesmente dito ‘Amo-vos’”. Foi seu último pedido à humanidade pecadora antes de se entregar definitivamente ao Pai: “Tenho sede de vosso amor”.

(…)

“Tudo está consumado” ( Jo 19,30).

“Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)

Deixam-nos, suas últimas palavras de abandono à vontade do Pai, o exemplo da perseverança final em tudo, pois ele perseverou até à morte. E se isso o fez, foi tão somente por amor, sob a influência do sentimento da Trindade em que as aspirações são comuns. E com São Bernardo aprendemos, ainda melhor, a lição do amor. Diz-nos o abade de Claraval: “A medida para amar a Deus é amá-lo sem medida”.

Sim, meu caros irmãos, pois Deus nos amou de tal modo que nos deu seu filho para remir os nossos pecados e assegurar-nos a bem-aventurança eterna.

(…)

“Tudo está consumado”.

Cessaram-se os trovões, não se ouve nenhum ruído estranho, revolto. Apenas a chuva ainda insiste em prantos pela morte de Deus.

Avança a hora nona. Daqui a pouco cai a noite. Já será o dia da Páscoa.

Para Maria Santíssima e aqueles amigos que ali estavam o tempo não mais importava. Queriam ficar naquele monte, altar sagrado, em adoração perene.

Mas não podiam. Tudo já estava consumado.

(…)

E aquele instante de adoração se interrompe com a chegada de José de Arimatéia e Nicodemos.

Era a manifestação que faltava, daqueles que acompanhavam o Senhor à distância, durante toda a sua vida pública, mas por respeito humano não se manifestavam. Eram figuras proeminentes entre os judeus.

José de Arimatéia fazia parte do Conselho que condenou Jesus, mesmo tendo concordado com aquele desfecho. “Ele não havia concordado com a decisão dos outros nem com os atos deles. Originário de Arimatéia, cidade da Judéia, esperava ele o Reino de Deus”, relata-nos São Lucas (Lc 23,51). Já Nicodemos era fariseu, príncipe dos judeus. Certa vez procurou o Mestre à noite, às escondidas, e Jesus o preparou para aquilo que vira: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,14-15). Nicodemos estava convencido da divindade de Nosso Senhor.

E neste momento, em que os amigos de Jesus, quase todos, os seus seguidores se escondem na penumbra da covardia, esses dois homens não temem seus pares no Conselho infame que condenou o Senhor e vão até Pilatos reclamar o corpo do Divino Redentor.

(…)

Chegam os dois senhores ao monte Calvário, com as faixas, os lençóis e os ungüentos.

Aproximam-se de Maria e lhe pedem permissão para enterrar seu filho, nosso amado Jesus.

Diante da cruz são tomados por admiração e como o centurião exclamam no íntimo de seu coração: “Na verdade, este homem era um justo” (Lc 23,47).

(…)

Primeiro, retiram a TABULETA que não escarnecia os cristãos, nem afrontava os judeus. Era a simples revelação constatada, ainda que indeliberadamente, por Pilatos: “Jesus Nazareno Rei dos Judeus”. Estas palavras era uma profissão de fé incontestável, por isso, os dois bons homens não se contiveram e certamente depuseram-lhe um ósculo de devoção. Cumpriam-se as palavras de Zacarias: “Naquele dia, procurarei exterminar todo o povo que vier contra Jerusalém. Suscitarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de boa vontade e de prece, e eles voltarão os seus olhos para mim. Farão lamentações sobre aquele que traspassaram, como se fosse um filho único; chorá-lo-ão amargamente como se chora um primogênito! Naquele dia haverá um grande luto em Jerusalém, como o luto de Adadremon no vale de Magedo. A terra inteira celebrará esse luto, família por família; a família da casa de Davi à parte, com suas mulheres separadamente” (Zc 12,9-12).

(…)

Agora, retiram com muito cuidado a COROA DE ESPINHOS que está escalpelando a fronte do Redentor.

Ah, os espinhos!

Os espinhos que menos simbolizam o pecado, mas muito as suas conseqüências. A terra “te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra” (Gen 3,18). Esta foi a sentença de Deus, após a traição de Adão. “Os perversos sofrem com os espinhos” (Pv 22,5). Os espinhos é conseqüência da desobediência, por isso Nosso Senhor os tinha em sua fronte, ele carregava nossas culpas até a morte. “Ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniqüidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas” (Is 53,4-5). Jesus usou uma coroa de espinhos, para que pudéssemos merecer a coroa imperecível da glória, como nos assegura São Pedro em sua primeira carta (5,4), a coroa da vida (Tg 1,12), coroa da justiça (2Tm 4,8). “Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2,10)

(…)

“Ó vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte si es dolor sicut dolor meus” – “Ó vós todos os que passais pelo caminho, atendei e vede se há dor semelhante à dor que me atormenta” (Lm 1, 12).

Eis o corpo desfigurado!

Aos poucos vai-se notando quão ferido está pregado à Cruz.

Ai, meu Redentor! Miserável sou, por ser causa de tantos tormentos com meus pecados, reabrindo-lhes as chagas que, misericordiosas, me lavam com o Seu sangue sacrossanto.

Eis o corpo desfigurado de meu Senhor!

Contemplemo-lo, cheio de opróbrios, vítima das mais cruéis violências, desde as blasfêmias contra um Deus até as mais torpes bofetadas, agressões morais e físicas que a soldadesca indecorosa, instigada pelos pérfidos judeus, lançaram contra nosso amantíssimo Senhor.

“Attendite et videte…”

Avança a hora…

A noite se aproxima…

É preciso que retirem depressa o corpo de Nosso Senhor da Cruz.

Com muito cuidado retiram o prego que prende a MÃO DIREITA do Divino Redentor ao madeiro.

Ó mão bendita, que abençoou as multidões!

Ó mão sacrossanta, que tocou nas feridas dos enfermos e as curou!

Ó mão benfazeja, que acenou o caminho a seguir!

Ó mão paterna, que apontou o erro para que não mais fosse cometido!

Ó mão fraterna, que a estendeu ao próximo!

Retirai, pois, esse agudo cravo, para que possa retribuir, com esse ato de misericórdia, tantos benefícios!

(…)

Retirai, também, ó bons homens, o crave que prende a MÃO ESQUERDA de Jesus à Cruz.

Permite-me, Senhor, que eu esteja ao menos à tua esquerda, contemplando essa mão com a qual te amparavas no cajado enquanto guiavas o Teu redil.

Permite-me, Senhor, venerar essa mão que, oculta de tua destra, também acariciava a tantos que em Ti buscavam consolo.

Permite-me, Senhor, oscular essa mão chagada para que minha palavra jamais seja confundida ou causa de escândalo e sirva, tão somente, para cantar as Tuas glórias.

(…)

Retirai, por fim, o cravo que prende os PÉS de Nosso Senhor.

Retirai-o com cuidado, para que nossa aspereza não fira ainda mais o corpo já inerte de Jesus Cristo, machucado terrivelmente pela violência daqueles que não aceitam o seu Reino.

“Rodeia-me uma malta de cães, cerca-me um bando de malfeitores. Traspassaram minhas mãos e meus pés” (Sl 21,17).

Cães numerosos rodeiam o Calvário até nossos dias.

Cães de uma moral corrompida…

Cães de uma conduta infame, que se debruçam sobre suas misérias, ocultando-as, e obstam como podem o projeto de salvação para o qual devemos todos cooperar.

Desgraçados, aqueles que preferem mais as trevas à Luz. Não querem que estes braços voltem a abençoar, não permitirão que estes pés pisem novamente o pó dos caminhos humanos, levando a Boa Nova da paz e da esperança aos pobres e excluídos (Is 52,7). Preferem que Deus continue encerrado e controlado dentro de seus templos suntuosos, rejeitando o templo vivo somos cada um de nós, que é o Corpo Místico de Cristo (1Cor 6,19), pois pretendem continuar usando-o, manipulando-o, violentando-o, e massacrando-o a seu bel prazer.

(…)

Levai agora, José de Arimatéia e Nicodemos, o corpo sacrossanto de Jesus até Sua Mãe.

Ela o toma nos braços.

Maria que embalou o corpo frágil do Menino Jesus, antes de recliná-lo no presépio, agora o tem, frágil, maltratado, desfigurado, em seus braços antes de entregá-lo à sepultura.

“Dolores inferni circumdederunt me” – “Dores de inferno me cercaram” (Sl 17,6).

Relata-nos o célebre padre Antônio Vieira que “foram tão excessivos os tormentos da Virgem na Paixão de seu Filho, que diz S. Bernardo que, se se repartissem por todas as criaturas viventes, bastariam a tirar a vida a todas. Mais. Era tão grande o amor da Senhora, e o afeto temíssimo com que desejava não se apartar da presença e vista de seu Filho, que teria por grande benefício ou morrer, para que ele não morresse, como dizia Davi na morte de Absalão, e já que isto não pudesse ser, ao menos morrer juntamente com ele” (“Sermãos das Dores da Sacratíssima Virgem Maria”, 1642).

“Plorans ploravit in nocte…” – “Ela chora pela noite adentro, lágrimas lhe inundam as faces”

“Non est qui consoletur eam…” – “Ninguém mais a consola de quantos a amavam. Seus amigos todos a traíram, e se tornaram seus inimigos” (Lm 1,2).

(…)

“Nesta vida temem os homens a morte, e todos andam fugindo dela”, brada, ainda, das centúrias passadas o Crisóstomo Português.

Nesta vida temem os homens a morte, repito, porque temem ter que se apresentar ao Tribunal Divino e responder pelas atrocidades que tanto afligem o Coração Sagrado de Jesus.

(…)

Correi, infelizes. Correi pressurosos em busca do perdão de vossos pecados.

Celerados que renovam os flagelos a Nosso Senhor, emendai de vida enquanto há tempo, porque a “propriedade dos tormentos do inferno não só dura porque atormenta duramente, senão também porque, atormentando, endurece a quem atormenta, e matando, imortaliza para sempre matar. Nesta vida temem os homens a morte, e todos andam fugindo dela; no inferno, pelo contrário, todos desejam morrer, e a morte foge de todos” (VIEIRA op. cit.).

É o que vos espera, todos aqueles que abandonam sua Cruz no caminho e fogem do jugo de Nosso Senhor. Hipócritas, covardes, infelizes, preferem os regalos da vida mundana, da riqueza vil, das diversões, da sensualidade, dos prazeres anormais, da pederastia, de toda forma de incontinência, é o que vos espera: o inferno, pois “talis vita, finis ita”, diz o jargão latino – “Tal como se vive, se finda”. Vivestes longe de Deus, na sua ausência permanecerão após a morte. Desejarão, então, morrer, mas a morte fugirá de vós.

Diz-nos Santo Agostinho que foi “Deus quem se cansou, pois está nessa estrada há séculos, milênios… em busca da humanidade. Deus está em busca do homem. Onde Ele poderia parar, pousar, repousar? No poço de nosso coração, na alma de cada um de nós. Talvez cada um de nós já tenha vivido o essencial da experiência mística e espiritual: a descoberta de que não somos nós, mas Deus quem nos busca. Era Deus quem nos buscava esse tempo todo. É difícil deixar-se achar, deixar-se amar ‘tal como somos’. A estrada é longa até esse ponto da aceitação total.”

Iniciemos, caríssimos, agora, essa caminhada que nos conduzirá ao Pai.

Iniciemos, agora, essa caminhada, contritos, penitentes, com sinceros propósitos de emenda de vida, para que no dia em que formos chamados a juízo, possamos ouvir de nosso amantíssimo Jesus: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o Reino que foi preparado para vós” (Mt 25,34).

 

Padre Wagner Augusto Portugal

15 de abril de 2022
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SERMÃO DO CALVÁRIO

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis quem eu sou” (Jo 8,27)

 

Introdução

 Com Maria, a Mãe de Jesus, subimos a colina do Calvário.

Guiados por ela viemos até ao Gólgota,   grande cúspide da História,  lugar sagrado e culminante no qual se encontram todas as gerações de todos os tempos. Aqui a História da Salvação tem o seu capítulo mais importante, registrando a dramaticidade de um sacrifício, doloroso, pungente que resgata a humanidade. Morre um Deus pelas suas criaturas por entre ignomínia inenarrável, num gesto grandioso de dileção. Trata-se não unicamente de um ato heróico de um homem que se submeteu ao Pai até o fim: a morte numa cruz , mas sacrifício de um homem que era Deus. Acontecimento  único que ultrapassa todas as razões da razão, pois é a prova máxima da afeição divina pelos homens fato inaudito, desconsertante diante do qual se comove o universo, a terra treme e se rasga o véu do templo.

 

O Redentor

 

Jesus havia proclamado que o Filho do Homem viera para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mt 20,28).

No alto do madeiro entre o céu e a terra ele resgatou a todos, pois, como ensina o Apóstolo Paulo: “Cristo nos remiu da maldição da Lei tornando-se maldição por nós, porque está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro” ( Gl 3,13).

O abandono do Pai (Mc15,35) é o ponto culminante desta situação execranda, que marca profundamente sua agonia pregado numa cruz.

A suprema hora  da morte reserva para todos sofrimentos físicos e morais. Entretanto, só para o Salvador tais padecimentos chegariam ao máximo, pois Ele experimentou, enquanto homem, a rejeição  do próprio Deus.

Vai morrer no mais total abandono o Filho bem-amado do Pai, desprezado pelos homens, envolto em trevas profundas.

Tudo para que o mundo soubesse a intensidade do seu amor que foi assim às raias do maior sofrer que se registra na História.

Para alcançar o grande perdão, pois o pecado é a ofensa a um Ser infinito, ele beberá até à última gota o cálice de um sofrer sem precedentes.

O homem se desviara de seu Criador, era mister colocá-lo novamente na rota divina.

Todo o mistério do sofrimento de Jesus se resume no fato de se ter Ele feito homem para resgatar uma multidão de irmãos, dando à justiça do Pai a satisfação total.

O drama do Calvário não é um mero acidente histórico, um fato dentre milhares de outros, pois tem sua origem num gesto de amor de Deus: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,l4). João Evangelista admirado, pasmo, perplexo ante tal gentileza do Criador, declarou num momento de pulcra inspiração: “Nisto se manifestou o amor de Deus entre nós: Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nosso pecados”( l Jo 4,9-10).

O sacrifício voluntário de Cristo no Calvário foi a execução no tempo do decreto eterno de redenção pronunciado no céu e brotado dos infinitos abismos do amor do Todo-poderoso. Foi por isto que Ele, enquanto homem, “se fez obediente ao Pai até à morte e morte de cruz” (Fl 2,8)

Quando a palavra criadora de Deus chamou do nada tudo que existe, quando Ele revestiu a terra de beleza e tirou de seu seio as mil formas de vida, mostrou-se como Deus Onipotente, cheio de poder, glória e sabedoria. Quando criou o homem à sua imagem e semelhança se manifestou como Pai repleto de magnanimidade e o fez participante de sua vida divina, elevando-o à ordem sobrenatural.

Na cruz, porém, resplandece novo poder, nova glória, nova sabedoria, novo amor, nova paternidade. Poder que se despoja para engrandecer a criatura ingrata, glória que se apaga para repletar de honra quem do paraíso fora expulso, amor que se sacrifica para redimir uma raça prevaricadora, paternidade que leva à imolação o Filho dileto para regeneração de filhos infiéis.

Algo, realmente, inconcebível.

 

A revelação de um grande amor

 

A escola comparativista não logrou jamais descobrir em qualquer religião não-cristã uma realidade paralela a este mistério redentor de Jesus Cristo.

Os falsos deuses  da antigüidade, como os do Egito, da Mesopotâmia, da Pérsia, da Índia, da Grécia, de Roma estavam todos eles submetidos às leis cegas da Natureza. As divindades redentoras do helenismo não eram senão partes do complexo natural dos seres. Sofrimento, morte, ressurreição, elas experimentavam justamente segundo seu destino. Era algo involuntário, necessidade trágica da qual não sabiam escapar.

A teologia grega que se elevou ao mais alto nível outra coisa não era, além disto, do que um movimento de anábasis, ou  seja, de ascensão  do sensível ao inteligível e, finalmente, ao Primeiro Princípio. O movimento de katábasis, da descida do Absoluto à contingência do mundo e do ser racional é próprio da teologia cristã, é a grande novidade que se manifesta na História e que tem  o ápice de sua manifestação num Deus que agoniza e morre numa Cruz de braços abertos para todos.

Adite-se que nas religiões primitivas a libertação do iniciado nos mistérios não é operada pelas divindades. Antes, se trata de uma atividade do crente que, por uma espécie de sortilégio se põe ele mesmo a reproduzir, de maneira puramente exterior e graças a ritos e cerimônias, posturas que julga ser do agrado do deus que adora. Tudo se passa na esfera cultual e até estética. É uma operação mágica. Busca-se a clemência e a identificação com a divindade da qual se espera um influxo especial, sobretudo a purificação interior e o afastamento de forças maléficas.

Por entre as concepções panteístas e manifestações religiosas teatrais o mistério sublime de um Deus  que se imola por amor no alto de uma cruz transcende  tudo que até então o homem havia imaginado e esperado.

É este,  não há dúvida, o ato mais solene da História.

Todas as outras tentativas de aproximação da divindade por mais notáveis que tivessem sido, enquanto manifestação do senso religioso do homem, são insignificantes ante o que se deu no Calvário.

Os sacrifícios da Antiga Aliança apenas prefiguravam a verdadeira imolação que repararia totalmente a desobediência de nossos primeiros pais e todos os outros pecados através dos tempos. O cordeiro imolado segundo a instituição mosaica afastava o devastador, mas o verdadeiro Cordeiro de Deus é este sacrificado no Calvário, trazendo a verdadeira redenção. É o que está escrito na carta aos Hebreus: “De fato, se o sangue de bodes e de novilhos, e se a cinza da novilha, espalhada sobre os seres ritualmente impuros, os santifica purificando os seus corpos, quanto mais o sangue de Cristo que por um espírito eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha, há de purificar a nossa consciência das obras mortas para que prestemos um culto ao Deus vivo” ( Hb 9,13-14).

Apenas à luz de uma fé profunda pode esta realidade ele ser penetrada. Tanto isto é verdade que São Paulo claramente afirmou: “Nós anunciamos Cristo crucificado que, para os judeus é escândalo, para os gentios é loucura” (1 Cor 1,23).

Doravante é esta cruz que apontará a cada um a rota da salvação. Ela se fez a bandeira de grandes vitórias, guia de todos os santos, sinal de amparo em todos os momentos da vida. Ela transmite a fortaleza interior, dá alegria na tribulação, conduz  à santidade, ilumina nas trevas do pecado, arranca de profundezas abissais.

Por ela Cristo se tornou o autor de nossa salvação e venceu com sua morte a morte de todos os mortais!

 

A cruz na vida do cristão

 

A cruz na qual morreu Jesus é, assim,  o símbolo máximo de seu amor para com os homens (Jo 15,13) e, projetada na existência do cristão, é  a resposta suprema de dileção deste para com o seu Redentor. O sofrimento é inevitável na existência humana. Dores físicas e morais, além da fadiga que é inerente ao trabalho cotidiano, quando unidas à obra redentora de Jesus ganham uma dimensão transcendental, conferindo ao crente fortaleza interior.

É impossível chegar à glória da ressurreição sem passar pelo Calvário(Lc 14,26). Eis por que São Paulo,  o teólogo da presença da cruz de Cristo na vida cristã, dizia : “nós, porém,  pregamos Cristo crucificado” (1 Cor 1,23). É que a cruz libertou o homem do pecado e da morte, estabelecendo definitivamente a Nova Aliança de Deus com a humanidade.

O cristão é então aquele que vive como quem, no batismo, foi “crucificado com Cristo” (Gl 2,19 e ss;5,24;Rm 6,1-11;Col 2,11 ss). Isto significa que o discípulo do Salvador está morto para o pecado que impede amar a Deus e aos irmãos , aceitando com paciência as tribulações da trajetória neste mundo.

A paz, a beatitude interior que fluem do Senhor ressuscitado só são possíveis para quem abraça amorosamente a cruz redentora. Os grandes santos atingiram a culminância de uma existência autenticamente evangélica por terem penetrado a espiritualidade da cruz. Atingiram  deste modo a maturidade cristã, aquela perfeição proposta por Jesus: “ Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48),ou seja, num esforço penoso, contínuo, buscaram se assemelhar ao Deus três vezes santo.

 

Os teólogos e a cruz

 

Nos  primeiro séculos do cristianismo os escritos dos teólogos revelam como a cruz é um instrumento da obra salvífica e a comparam com a  árvore da vida do paraíso terrestre, com a arca de Noé, com a lenha do sacrifício que Isaac levou ao monte Moriá, com a escada de Jacó, com a vara de Moisés, com a serpente de bronze, a vara de Aarão reverdecendo no mesmo dia e revelando o sacerdote legítimo. Belíssimas imagens tiradas do Antigo Testamento. Policarpo, Ireneu e  Orígenes, entre outros, desenvolveram magníficas considerações a partir destas analogias. Depois da  conversão de Constantino  a cruz surgiu como símbolo oficial do império e se tornou ainda mais um estímulo para que os fiéis se sacrificassem pela causa do Evangelho e por seus irmãos na fé. Tocantes as homilias de  João Crisóstomo, Ambrósio, Agostinho e muitos outros a exaltarem o papel da morte  de Jesus na existência do crente. Na Idade Média  grandes teólogos aprofundaram ainda mais o sentido da paixão de Cristo crucificado e notáveis os textos de Gregório Magno; Beda, o venerável; Tomás de Aquino; Bernardo; Boaventura. As comunidades religiosas medievais experimentaram, como havia ocorrido anteriormente, grande crescimento espiritual ao cultuarem a cruz salvadora. A espiritualidade da cruz também neste período da História, tornou suportável todos os sofrimentos e produziu multidão de santos. É o carisma do sofrimento que promanou um dia do Calvário. Na Idade Moderna e Contemporânea prosseguiu esta união dos fiéis com Jesus sofredor, acentuando-se, sobretudo depois de Vicente de Paulo a visão de Cristo a sofrer nos pobres e desamparados, nos membros padecentes do Corpo Místico. Teólogos hodiernos, sobretudo na Alemanha, estão a acentuar esta pedagogia da cruz, mostrando  que ela é “a manifestação eminente de Deus  e revela o modo como se pode tornar operante a ressurreição  na vida terrena do cristão”.

 

Conclusão

 

Cumpre de fato ao batizado olhar sempre para Cristo crucificado a fim de compartilhar a fidelidade e a caridade de Jesus, Ele “que  nos amou e se entregou por nós a Deus como oblação e sacrifício de agradável odor (Ef.5,2).

Saibamos valorizar este tesouro de graças que é a preciosíssima cruz de Jesus. Ela é a árvore geradora da vida da graça. É farol por entre as tribulações da existência. É a chave do céu. Foi por ela que Cristo derrotou o inimigo do gênero humano e sanou as chagas do pecado.

Imitemos o apóstolo Paulo que podia asseverar: “Quanto a mim não quero gloriar-me a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”(Gl 6,l4)

Cumpre, porém, não apenas venerar e exaltar a cruz que contemplamos aqui no Gólgota , mas é mister evangelizar com palavras e obras, com o testemunho de vida, “para que não se torne inútil a cruz de Cristo”(1 Cor l,17).

É necessário, além disto, estar crucificado com Cristo (Gl 2l,19), ou seja, morto para o pecado e para tudo que o mundo oferece e que contradiz o que o Mestre divino ensinou, fugindo de tudo que é vergonhoso para o cristão e apartando os pensamentos do que está sobre a terra. Do contrário se estará entrando no rol dos “inimigos da cruz de Cristo (Fl 3,18).

São Cirilo de Jerusalém nos apostrofa: “ Jesus foi crucificado em teu favor, Ele não pecara; e tu, não te deixarás crucificar por aquele que em teu benefício foi pregado na cruz? Não estarás fazendo um favor; primeiro recebeste. E mostras gratidão pagando a dívida a quem por ti foi crucificado no Gólgota” ( PG 33,802). É que na cruz nos revestimos de Cristo e nos despojamos do velho homem numa valorização de tanto sofrimento, mostrando-nos assim agradecidos pelo grande benefício recebido.

Aceitar a cruz de Jesus é uma grande sensatez. É que, como bem se expressou Teodoro Estudita, “a máxima  sabedoria, aquela que floresceu na cruz, desafia a jactância da sabedoria do mundo e arrogância da tolice. O tronco de todos os bens, elevado na cruz, extirpou todos os brotos da maldade e da injustiça”(PG 99, 691 ss.)

Eis aí as grandes mensagens que devemos levar do Calvário.

Farolize a cruz de Cristo toda nossa vida e lembremo-nos sempre que no Calvário alguém  por nós morreu porque muito nos amou.

15 de abril de 2022
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Páscoa

AS “SETE PALAVRAS DE CRISTO NA CRUZ”

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Ó admirável poder da Cruz! Ó inefável glória da Paixão! Nela se encontra o tribunal do Senhor, o julgamento do mundo, o poder do Crucificado!” (São Leão Magno, Papa e Doutor da Igreja).

 

Nosso Senhor Jesus Cristo, após cravado na Santa Cruz para sofrer a Paixão a fim de nos salvar proferiu sete Palavras que ficaram consignadas no coração da Igreja. Essas Palavras de Cristo na Cruz, objeto de meditação dos Santos Padres e Doutores, compõem um tesouro singular que o Senhor nos deixou no momento em que consumava o Mistério de nossa Redenção. Passemos então a conhecer e aprofundar-nos nessas eficazes Palavras que Senhor nos confiou. (cf. II Tim 3,16-17). 

1ª Palavra: “Pai, perdoai-lhes, por que não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

Na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, se efetiva o Mistério da Redenção do gênero humano, com efeito, “por sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado. Ele nos mereceu a vida nova no Espírito Santo. Sua graça restaura o que o pecado deteriorou em nós”. (Catecismo da Igreja Católica §1708)

A primeira Palavra que Cristo profere na Cruz, é a súplica do perdão: “Pai, perdoai-lhes, por que não sabem o que fazem”. Em meio à humanidade devastada pelo pecado, em meio ao povo enganado que pedia a morte do Cordeiro inocente, Cristo tem compaixão e pede o perdão para aqueles que o condenam.

Neste momento final, Cristo retoma o ensino que outrora tinha proferido: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem” (Mt 5,44). Dessa forma ele deixa claro a necessidade e a importância do perdão, necessidade essa consignada na oração que Ele mesmo ensinou a seus discípulos: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam” (Mt 6,12).

“Então Pedro se aproximou dele e disse: Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,21-22).

Que ensino grandioso Nosso Senhor nos deixa nesta primeira Palavra proferida na Cruz, em meio a toda dor e sofrimento em que se encontrava, por amor à humanidade, Ele não pensa em si, mas pede por aqueles que o persegue.

“Ó ternura do amor de Jesus Cristo para com os homens! Diz S. Agostinho que o Salvador, na mesma hora em que recebia injúrias de seus inimigos, procurava-lhes o perdão: não atendia tanto às injúrias que deles recebia e à morte a que o condenavam, como ao amor que o obrigava a morrer por eles. Mas, dirá alguém, por que foi que Jesus pediu ao Pai que lhes perdoasse, quando ele mesmo poderia perdoar- lhes as injúrias? Responde S. Bernardo que ele rogou ao Pai, “não porque não pudesse pessoalmente perdoar-lhes, mas para nos ensinar a orar pelos que nos perseguem”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.Vol II,  Ed.PDF, Fl. Castro, abril 2002,p.19)

E São Paulo, ao evangelizar os pagãos iria justamente transmitir esse ensinamento recebido do Senhor (cf. I Cor 11,23):

“Abençoai os que vos perseguem; abençoai-os, e não os praguejeis. Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor (Dt 32,35). Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Procedendo assim, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça (Pr 25,21s).Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem”. (Rom 12, 14.17.19-21)

Assim, nesta primeira Palavra de Cristo na Cruz, tomamos consciência da importância fundamental do perdão na vida do Cristão, pois “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão”. (Jo 4,20-21).

2ª Palavra: “Em verdade eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).

Quando Cristo profere a segunda Palavra na Cruz, observamos dois ladrões crucificados, um de cada lado. Nestes dois ladrões vemos a prefiguração de duas atitudes que podemos abraçar em nossa vida: a atitude do desespero em meio ao sofrimento, zombando da salvação e, por conseguinte do Salvador; e a atitude de reconhecimento e confissão do pecado, resignação em meio ao sofrimento presente, com vistas na esperança da glória futura.

Neste momento da Paixão, temos uma cena de ultrajes contra o Salvador:

 A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo: Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus! Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam: Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo.  Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: Este é o rei dos judeus. Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!  Mas o outro o repreendeu: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino! Jesus respondeu-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso. (Lc 23,35-43).

Que ensino grandioso recebemos de Nosso Senhor ao conceder ao penitente arrependido a Salvação eterna: hoje estarás comigo no paraíso! Com estas palavras salvíficas Jesus nos mostra que se nos arrependermos dos nossos pecados, O reconhecermos como nosso Salvador (cf. Jo 1,12) e O buscarmos diligentemente, sem dúvidas estaremos com Ele.

 

Ora, Nosso Senhor veio para “salvar o que estava perdido” (Mt 18,11), e como predisse o profeta Ezequiel (cf. Ez 18,21-22), aquele que se arrepende dos pecados os tem como que apagados pelo Senhor, estando liberto para uma nova vida, a vida da graça.

Sobre a grandiosidade desta palavra de Cristo, ensina com maestria e inspiração S. Afonso de Ligório:

“Em verdade eu te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Escreve um douto autor que com essa palavra o Senhor nesse mesmo dia, imediatamente depois de sua morte, se lhe mostrou sem véu, fazendo-o imensamente feliz, embora não lhe conferisse todas as delícias do céu antes de entrar nele. Arnoldo Carnotense, no seu Tratado das 7 palavras, considera todas as virtudes que o bom ladrão S. Dimas praticou na sua morte: “Ele crê, se arrepende, confessa, prega, ama, confia e ora”. Praticou a fé, dizendo: “Quando chegares no teu reino”, crendo que Jesus Cristo depois de sua morte havia de entrar vitorioso no reino de sua glória. “Teve por perto que havia de reinar quem ele via morrer”, diz S. Gregório. Exerceu a penitência, confessando seus pecados: “Nós padecemos justamente, pois recebemos o que merecemos”. Diz S. Agostinho: Não ousou dizer: lembra-te de mim, senão depois da confissão de sua iniqüidade e de depor o fardo de suas iniqüidades (Serm. 130 de templ.). E S. Atanásio: “Ó bem-aventurado ladrão, que roubaste o céu com essa confissão”. Outras belas virtudes praticou então esse santo penitente: a pregação, anunciando a inocência de Jesus: “Este, porém, nenhum mal praticou”. Exerceu o amor para com Deus, aceitando a morte com resignação em castigo de seus pecados: “Recebemos o que merecemos”. S. Cipriano, S. Jerônimo, S. Agostinho não duvidam por isso de chamá-lo mártir, porque os algozes, ao quebrarem-lhe as pernas, o fizeram com maior atrocidade, por ter louvado a inocência de Jesus, aceitando esse sofrimento por amor de seu Senhor.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.20)

Assim, diante destes fatos, fica-nos a lição da perseverança em meio às provações, do repudio que devemos ter ao pecado, do reconhecimento do Cristo como Nosso Senhor e da Salvação que ele nos traz. Com efeito nos diz São Paulo: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam. (ICor 2,9). Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada”. (Rom 8,18).

3ª Palavra: “Mulher, eis ai teu filho. Eis ai tua mãe” (Jo 19,26-27).

Na terceira Palavra de Cristo na Cruz, em meio a todo o sofrimento, Jesus mais uma vez, numa prova inequívoca de amor à humanidade, nos dá a graça de termos a Sua santa Mãe por nossa mãe! Vejamos o relato do Evangelho:

“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa”. (Jo 19,25-27).

 

Esta Palavra nos revela fatos muito importantes, é uma prova de que Nossa Senhora não possuía outros filhos, pois caso contrário não poderia estar desamparada neste momento, revela-nos que era viúva de São José, que também não se encontrava ao seu lado, como também o afirma S. Afonso de Ligório:

“Com isso deu a entender que José já era morto, porque se ele ainda vivesse não o teria separado de sua esposa” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.21).

Outra revelação magnífica dessa Palavra é a necessidade de tão boa Mãe a nos acompanhar em nossa caminhada rumo ao Salvador, ora todos os atos de Nosso Senhor Jesus Cristo, são atos salvíficos, assim, sendo, ao nos dar Sua Mãe como nossa Mãe, Jesus Cristo visava a nossa salvação. João neste momento, o discípulo amado, era a prefiguração de cada um de nós. E o que ele fez ao receber tamanha graça? Imediatamente “o discípulo a levou para a sua casa”. Todo verdadeiro Cristão deve ter por Mãe Nossa Senhora, que insistentemente só tem um único pedido a nos fazer: “Fazei tudo o que Ele vos disser !” (Jo 2,5)  

O Papa Leão XIII explica com precisão a graça da Maternidade Espiritual de Maria, que nos foi legada por Jesus:

“O mistério do imenso amor de Cristo a nós teve, “entre outras, uma luminosa manifestação quando Ele, perto de morrer, quis confiar ao seu discípulo João aquela mãe, sua própria Mãe, com aquele solene testamento: “Eis aí teu filho!” Ora, na pessoa de João, segundo o pensamento constante da Igreja, Cristo quis indicar o gênero humano, e, particularmente, todos aqueles que a Ele adeririam pela fé. E é justamente neste sentido que S. Anselmo de Cantuária exclama: “O’ Virgem, que privilégio pode ser tido em maior consideração do que esse pelo qual és a mãe daqueles para os quais Cristo se digna de ser pai e irmão?” (S. Anselmo de Cantuária., Oratio 47).Por sua parte, Maria generosamente aceitou e tem cumprido essa singular e pesada missão, cujo inícios foram consagrados no Cenáculo. Desde então ela ajudou admiravelmente os primeiros fiéis com a santidade do seu exemplo, com a autoridade dos seus conselhos, com a doçura dos seus incentivos, com a eficácia das Suas orações, tornando-se assim verdadeiramente mãe da Igreja e mestra e rainha dos Apóstolos, aos quais comunicou também aqueles divinos oráculos que ela “conservava ciosamente no seu coração””. (Papa Leão XIII. Carta Encíclica Adiutricem Populi, nº3, Roma, 25/09/1895).

Também Santo Afonso de Ligório, nos traz uma edificante reflexão sobre essa Palavra do Senhor, demonstrando o Amor de Cristo pela humanidade ao dar a Sua Mãe e o Amor da Mãe ao Filho ao suportar com Ele as dores da Paixão.

“Estava, pois, a aflita Mãe junto à cruz, e, assim como o Filho sacrificava a vida, sacrificava ela a sua dor pela salvação dos homens, participando com suma resignação de todas as penas e opróbrios que o Filho sofria ao expirar. Diz um autor que desabonam a constância de Maria os que a representam desfalecida aos pés da cruz: ela foi a mulher forte que não desmaia, não chora, como escreve S. Ambrósio: “Leio que estava em pé e não leio que chorava” (In cap. 23 Lc). A dor, que a Santíssima Virgem suportou na paixão do Filho, superou a todas as dores que pode padecer um coração humano. A dor, porém, de Maria não foi uma dor estéril, como a das outras mães vendo os sofrimentos de seus filhos; foi, pelo contrário, uma dor frutuosa: pelos merecimentos dessa dor e por sua caridade, diz S. Agostinho, assim como é ela mãe natural de nosso chefe Jesus Cristo, tornou-se então mãe espiritual dos fiéis membros de Jesus, cooperando com sua caridade para nosso nascimento e para fazer-nos filhos da Igreja (Lib. de sanc. virgin. c. 6). Escreve S. Bernardo que no monte Calvário estes dois grandes mártires, Jesus e Maria, se calavam: a grande dor que os oprimia tirava-lhes a faculdade de falar. (De Mar.). A Mãe contemplava o Filho agonizante na cruz, e o Filho, a Mãe agonizante ao pé da cruz, toda extenuada pela compaixão que sentir apor suas penas. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.21).

Assim, nessa Palavra de Cristo, somos agraciados com Sua Mãe, que doravante estará a nosso lado a nos conduzir a seu Filho amado.

 “Jesus é o Filho Único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: “Ela gerou seu Filho, do qual Deus fez “o primogênito entre uma multidão de irmãos” (Rm 8,29), isto é, entre os fiéis, em cujo nascimento e educação Ela coopera com amor materno”. (Catecismo da Igreja Católica § 501).

 

4ª Palavra: “Elói, Elói, lammá sabactáni?, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34-35)

            Nesta quarta Palavra de Cristo na Cruz, ele expressa a dor de carregar em seu corpo santo todo o pecado da humanidade, a fim de redimi-la, tal dor é expressa com o brado: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?

            É preciso compreender que Cristo sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não se valeu de sua divindade para suportar as dores e sofrimentos da Paixão, mas pelo contrario, os sentiu com maior dor pelo fato de ter um corpo santo (cf. Hb 4,15), sujeito a pagar pelos pecados de todos os homens. São Paulo e Santo Afonso de Ligório expressam com clareza o desprendimento de Jesus, ao assumir nossa condição miserável, a fim de redimi-la:

“Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens.E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”. (Fl 2,6-8).

“Cumpre saber que Jesus estava sobrecarregado de todos os pecados do mundo inteiro e por isso, ainda que pessoalmente fosse o mais santo de todos os homens, tendo de satisfazer por todos os pecados deles, era tido pelo pior pecador do mundo e como tal fez-se réu de todos e ofereceu-se para pagar por todos. E porque nós merecíamos ser abandonados eternamente no inferno, no desespero eterno, quis ele ser abandonado ou entregue a uma morte privada de todo o alívio, para assim livrar-nos da morte eterna”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).

Este sentimento de abandono, sentido por Cristo padecente na Cruz, nos mostra a dor do abandono que sente o pecador que se afasta de Deus. E todo esse sofrimento foi assumido pelo Cristo em nosso lugar:

 

“Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca (Is 53,9). Ele, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele, maltratado, não proferia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça. Carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a justiça. Por fim, por suas chagas fomos curados (Is 53,5). (I Pd 2,22-24)

 

  1. Afonso de Ligório citando S. Leão Magno nos traz importantes reflexões acerca dessa Palavra de Jesus, vejamos:

 

“Escreve S. Leão que esse brado de Jesus não foi queixa, mas ensino (Serm. 17 de pas. c. 13). Ensino, porque com aquele brado queria dar-nos a entender quão grande é a malícia do pecado, que quase obrigava Deus a abandonar às penas, sem alívio, seu dileto Filho, somente por ter ele tomado sobre si a obrigação de satisfazer por nossos delitos. Jesus não foi então abandonado pela divindade, nem privado da glória que fora comunicada à sua bendita alma desde o primeiro instante de sua criação; foi, porém, privado de todo consolo sensível, com o qual costuma Deus confortar seus fiéis servos nos seus padecimentos e foi deixado em trevas, temores e amarguras, penas essas por nós merecidas. Esse abandono da presença sensível de Deus experimentou Jesus também no horto de Getsêmani: mas o que sofreu pregado na cruz foi maior e mais amargo”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).

 

O protestante Calvino, no seu comentário sobre o Evangelho de São João, profere uma blasfêmia ao afirmar que Cristo sofrera o pecado do desespero ao proferir essa Palavra. Explica S. Afonso de Ligório apoiado nos Santos Padres, que tal expressão de Nosso Senhor, expressa exatamente a dor dos sofrimentos provenientes da Paixão e jamais o desespero, que só acomete àqueles que voluntariamente pelo pecado se privam da amizade de Deus:

 

“Calvino, no seu comentário sobre S. João, disse uma blasfêmia (…) Como poderia satisfazer pelos nossos pecados com um pecado ainda maior, qual o do desespero? E como conciliar-se esse desespero de que sonha Calvino, com estas palavras que Jesus pronunciou depois: “Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito”?(Lc 23,46). A verdade é, segundo a explicação de S. Jerônimo e S. Crisóstomo e outros, que nossos Salvador lança essa exclamação de dor para nos patentear, não o seu desespero, mas o tormento que sofria tendo uma morte privada de todo o alívio.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).

 

Em fim, esta Palavra nos mostra a dor que nossos pecados acarretam para o Salvador, entretanto, demonstram mais uma vez a grandiosidade do amor e da misericórdia de Deus para com os homens, se fazendo verdadeiro homem para padecer em nosso lugar: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3,16)

 

“Ao abraçar em seu coração humano o amor do Pai pelos homens, Jesus “amou-os até o fim” (Jo 13,11), “pois ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Assim, no sofrimento e na morte, sua humanidade se tornou o instrumento livre e perfeito de seu amor divino, que quer a salvação dos homens.” (Catecismo da Igreja Católica § 609).

 

 

5ª Palavra: “Tenho sede” (Jo 19,28).

 

Na quinta Palavra de Cristo na Cruz, Ele expressa a debilidade de seu corpo em meio aos tormentos suportados até aquele instante, e exaurido pela perda de sangue e água durante todo esse martírio, diz: “Tenho sede”.

 

“Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir plenamente a Escritura, disse: Tenho sede”. (Jo 19,28)

 

A “Escritura” aludida pelo evangelista S. João, que deveria ser cumprida, é a que se encontra no Salmo de Davi:

 

“Puseram fel no meu alimento, na minha sede deram-me vinagre para beber”. (Sl 68,22).

 

Comentando sobre o cumprimento dessa Escritura, diz São Tomás de Aquino:

 

“Jesus não diz que tem sede para que seja consumada a profecia do Antigo Testamento; pelo contrário: a profecia é que foi escrita porque devia, um dia, ser vivida pelo Cristo” (S. Tomás de Aquino. Comentários de S. João, 19,28 in: AQUINO, Felipe. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Lorena-SP: Cléofas, 2005, p.60).

 

Essa “sede” de Jesus, não era um fator simplesmente biológico, decorrente das circunstâncias da Paixão. Essa “sede” de Jesus era algo mais profundo. É a sede de almas, a sede de levar a salvação a cada ser humano da face da terra. Essa Palavra de Jesus na Cruz nos remete ao momento em que Ele pede de beber à samaritana (cf. Jo 4,1-15) no poço de Jacó, como se pedisse a cada um de nós, a nossa vida, a nossa alma para lhe saciar a sede. Ele afirma para a samaritana que Ele é a água viva (cf. Jr 2,13), quem Dele beber não terá sede:

 

“Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva. (…) o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna”. (Jo 4, 10.14).

 

Santo Agostinho comenta essa passagem dizendo:

 

“Desejaria Ele beber, realmente, quando dizia à samaritana: Dai-me de beber? E quando diz sobre a Cruz: Tenho sede? Do que teria sede senão de nossas boas obras?” (S. Agostinho. Salmos 36, sermão 2,21.4 in: AQUINO, Felipe. Op.cit, p.62).

 

Também S. Afonso de Ligório ressalta essa sede de salvar toda a humanidade, sentida por Jesus pendente na Cruz:

 

“Grande foi a sede corporal que Jesus sofreu na cruz, já pelo sangue derramado no horto, já no pretório pela flagelação e coroação de espinhos, e mais ainda na mesma cruz onde de suas mãos e pés cravados escorriam rios de sangue como quatro fontes naturais. Sua sede espiritual foi, porém, muito maior, isto é, o desejo ardente que tinha de salvar todos os homens e de sofrer ainda mais por nós, como diz Blósio, em prova de seu amor (Mar. sp. p. 3 c. 18). S. Lourenço Justianiano escreve: “Esta sede nasce da fonte do amor” (De agon.c. 19)”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).

 

São Tomás de Aquino comentando essa Palavra de Jesus expressa a veracidade do sofrimento e essa sede de salvar o mundo que o Cristo sentiu na Paixão:

 

“Se Jesus diz: tenho sede! é, antes de tudo, porque morre de morte verdadeira, não da morte de um fantasma. Ainda aqui aparece o seu desejo ardente da salvação do gênero humano, conforme diz São Paulo: Deus, nosso Salvador, quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2,3-4). Jesus mesmo dissera: “o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Ora a veemência do desejo exprime-se, muitas vezes, pela sede, como diz o salmista: “Minha alma tem sede do Deus vivo” (S. Tomás de Aquino. Comentários de S. João, 19,28 in: AQUINO, Felipe. Op.cit, p.62).

 

Com essa Palavra Cristo, continua a mostrar seu incomensurável Amor pela humanidade, chegando a sentir sede física e espiritual, pela salvação das almas. Santa Catarina de Sena ilustra perfeitamente esse fato, ao dizer:

 

“É a fome e a sede do ansioso desejo que Jesus tinha de nossa salvação, que o faziam exclamar sobre o madeiro da cruz: Tenho sede! Como se dissesse: Tenho sede e desejo de vossa salvação, mais do que vos pode demonstrar o suplício corporal da sede. Sim, por que a sede do corpo é limitada, mas a sede do santo desejo não tem limites” (S. Catarina de Sena, Cartas, 8 in: AQUINO,Felipe. Op.cit, p.62).

 

 

6ª Palavra: “Está consumado”.

 

“Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: Tudo está consumado” (J0 19,30)

 

Essa penúltima Palavra de Cristo na Cruz vem selar todas as profecias a seu respeito. Nestes momentos finais Cristo nos diz com essa Palavra que toda a vontade do Pai para nos salvar foi cumprida Nele e por Ele.

 

“Nesse momento, Jesus, antes de expirar, pôs diante dos olhos todos os sacrifícios da antiga lei (todos eles figuras do sacrifício da cruz), todas as súplicas dos antigos padres, todas as profecias realizadas na sua vida e na sua morte, todos os opróbrios e ludíbrios preditos que ele devia suportar, e vendo que tudo se havia realizado, disse: “Tudo está consumado””. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).

 

Com essa Palavra Jesus nos ensina a perseverar em nossa fé até o fim. Confiando Nele (cf. Fl 4,13) não devemos jamais olhar para trás (cf. Gen 19,26; Lc 9,62), mas, seguir sempre em direção ao alvo (cf. Fl 3,14), à nossa meta: a salvação que nos é ofertada gratuitamente por Deus.

 

  1. Afonso de Ligório citando Santo Agostinho explica com maestria este sentido profundo dessa Palavra de Jesus ao afirmar que:

 

“S. Agostinho escreve: “O que te ensinou pendente da cruz, não querendo dela descer, senão que fosses forte em teu Deus?” (In ps. 70). Jesus quis consumar o seu sacrifício com a morte, para nos persuadir de que Deus não recompensa com a glória senão aqueles que perseveram no bem até ao fim, como o faz sentir por S. Mateus: “Quem perseverar até ao fim será salvo” (Mt 10,22). Quando, pois, ou seja por motivo de nossas paixões ou das tentações do demônio ou das perseguições dos homens nos sentirmos molestados e levados a perder a paciência e a ofender a Deus, olhemos para Jesus crucificado que derrama todo o seu sangue por nossa salvação e pensemos que nós ainda não derramamos uma só gota por seu amor. É o que diz S. Paulo: “Pois ainda não tendes resistido até ao sangue combatendo contra o pecado” (Hb 12,4)”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).

 

O saudoso Santo Padre João Paulo II, em uma Carta escrita aos Sacerdotes por ocasião da Quinta – Feira Santa no ano de 1998, nos traz uma reflexão muito significativa acerca da consumação do sacrifício salvífico de Nosso Senhor Jesus Cristo, ele escreveu:

 

“O Evangelho de S. João, com palavras cheias de carinho e de mistério, refere a narração daquela primeira Quinta-Feira Santa, quando tomou lugar à mesa com os discípulos, no Cenáculo, o Senhor — « …Ele que amara os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles » (13,1). Até ao extremo: até à instituição da Eucaristia, antecipação de Sexta-Feira Santa, do sacrifício da cruz e do mistério pascal. Durante a Última Ceia, Cristo toma o pão nas mãos e pronuncia as primeiras palavras da consagração: « Isto é o meu Corpo que será entregue por vós ». Logo a seguir, proclama sobre o cálice com vinho as sucessivas palavras da consagração: « Este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados », e acrescenta: « Fazei isto em memória de Mim ». Cumpre-se assim, no Cenáculo, de modo incruento o Sacrifício da Nova Aliança, que será realizado com o derramamento de sangue no dia seguinte, quando Cristo disser sobre a cruz: « Consummatum est », « Tudo está consumado! » (Jo 19,30). Oferecido uma vez por todas sobre o Calvário, este Sacrifício é confiado aos Apóstolos, graças ao Espírito Santo, como o Santíssimo Sacramento da Igreja”. (Papa João Paulo II. Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta Feira Santa de 1998, Vaticano, 25/03/1998).

 

Assim, temos nessa Palavra de Jesus o cumprimento das Escrituras, e o ensino salvífico de perseverar até o fim, confiados sempre no Senhor.

 

“Como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos” (Rm 5,19). Por sua obediência até a morte, Jesus realizou a substituição do Servo Sofredor que “oferece sua vida em sacrifício expiatório”, “quando carregava o pecado das multidões”, “que ele justifica levando sobre si o pecado de muitos”. Jesus prestou reparação por nossas faltas e satisfez o Pai por nossos pecados”. (Catecismo da Igreja Católica § 615)

 

 

7ª Palavra: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

 

Consumada as Escrituras, Nosso Senhor Jesus Cristo livremente entrega o espírito ao Pai, realizando a redenção definitiva da humanidade. É a realização do sacrifício da Nova e Eterna Aliança.

 

“A morte de Cristo é ao mesmo tempo o sacrifício pascal, que realiza a redenção definitiva dos homens pelo “cordeiro que tira o pecado do mundo”, e o sacrifício da Nova Aliança, que reconduz o homem à comunhão com Deus, reconciliando-o com ele pelo “sangue derramado por muitos para remissão dos pecados”. (Catecismo da Igreja Católica § 613)

 

São Lucas escreve:

 

“Era quase à hora sexta e em toda a terra houve trevas até a hora nona. Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio. Jesus deu então um grande brado e disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, dizendo isso, expirou. Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse: Na verdade, este homem era um justo”. (Lc 23,44-47)

 

Este do véu do Templo de Jerusalém que se rasga vem simbolizar justamente o advento da Nova e Eterna Aliança: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição”. (Mt 5,17)

 

“O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do Legislador divino nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho. Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada nas tábuas de pedra, mas “no fundo do coração” (Jr 31,33) do Servo, o qual, pelo fato de “trazer fielmente o direito” (Is 42,3), se tornou “a Aliança do povo” (Is 42,6). Jesus cumpriu a Lei até o ponto de tomar sobre si “a maldição da Lei” in quod illi incurrerant “qui non permanent in omnibus, quae scripta sunt, ut faciant ea”, na qual incorrerreram aqueles que “não praticam todos os preceitos da mesma, pois “a morte de Cristo aconteceu para resgatar as transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança” (Hb 9, 15)”. (Catecismo da Igreja Católica § 580).

 

Outro fato singular dessa Palavra de Jesus foi a imediata conversão do centurião romano que acompanhava ao pé da Cruz (cf. Jo 3,14-15) a morte do Redentor: “Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse: Na verdade, este homem era um justo” (Lc 23,47).

Com essa Palavra Jesus nos ensina a entregar-nos sempre, livre e totalmente ao Pai, que está sempre de braços abertos a nos esperar (cf. Lc 15,20). S. Afonso de Ligório apoiado nos Santos Padres ensina sobre essa Palavra:

 

“Escreve Eutíquio que Jesus proferiu estas palavras com grande voz, para dar a entender que ele era verdadeiramente o Filho de Deus, chamando a Deus seu Pai. S. Jerônimo escreve que ele deu este grande brado para demonstrar que não morria por necessidade, mas por própria vontade, emitindo um brado tão forte no momento mesmo em que estava para expirar. Isso combina com o que disse Jesus em vida, que ele de livre vontade sacrificava sua vida por nós,suas ovelhas, e não pela vontade ou malícia de seus inimigos. “Eu ponho minha alma por minhas ovelhas… ninguém ma pode tirar, eu mesmo a entrego de livre querer” (Jo 10,15). S. Atanásio ajunta que Jesus, recomendando-se ao Pai, recomendou-lhe justamente todos os fiéis que por seu intermédio deveriam receber a salvação, já que a cabeça com seus membros constituem um só corpo. E o santo conclui que Jesus então tinha em mente repetir o pedido feito antes: “Pai santo, conserva-os em teu nome, para que sejam um como nós” (Jo 17,11), e termina: “Pai, os que me destes quero que onde eu estiver estejam comigo” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.25).

 

Neste momento em que Cristo consuma o Santo Sacrifício para a redenção da humanidade, sua Cruz torna-se venerável para nós cristãos! Ela que fora objeto de maldição será doravante símbolo da salvação como nos ensina São Paulo:

 

“A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina”. (I Cor 1,18); “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”. (Gal 6,14); “Espoliou os principados e potestades, e os expôs ao ridículo, triunfando deles pela cruz”. (Col 2,15).

 

O Sagrado Magistério da Igreja nos ensina que:

 

“Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis iustificationem meruit – Por sua santíssima Paixão no madeiro da cruz mereceu-nos a justificação”, ensina o Concílio de Trento, sublinhando o caráter único do sacrifício de Cristo como “princípio de salvação eterna”. E a Igreja venera a Cruz, cantando: crux, ave, spes unica – Salve, ó Cruz, única esperança”. (Catecismo da Igreja Católica § 617)

 

Iluminados por essa Santa Palavra do Senhor possamos confiar-nos sempre a Ele, fazendo assim como o Cristo, a vontade do Pai: “Davi punha toda a sua esperança no futuro Redentor, dizendo: “Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito; pois vós me remistes, Senhor Deus da verdade” (Sl 39,6). Quanto mais nós devemos confiar em Jesus Cristo, que já realizou a nossa redenção? Digamos-lhe, pois, com grande confiança: “Vós me remistes, Senhor, por isso em vossas mãos encomendo o meu espírito.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.25).

 

Salve, ó Cruz, única esperança!

Crux, Ave, Spes Única

 

________________________

Referências Bibliográficas

 

AQUINO, Felipe. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Lorena-SP: Cléofas, 2005.

 

Bíblia Sagrada. 14º Ed. São Paulo: Ave Maria, 1998.

 

Catecismo da Igreja Católica – Edição típica Vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.

 

LIGÓRIO, Afonso M. de. A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vol. II, Ed.PDF, Fl. Castro, abril 2002.

 

Papa João Paulo II. Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta Feira Santa de 1998, Vaticano, 25/03/1998.

 

Papa Leão XIII. Carta Encíclica Adiutricem Populi, Roma, 25/09/1895.

15 de abril de 2022
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Sou Wagner Augusto Portugal. Graduado em Direito Civil, Mestre em Direito Canônico e doutorando na mesma área de estudo, com 24 anos de experiência em Direito Público e Direito Canônico.

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