Padre Wagner Augusto Portugal
  • Home
Padre Wagner Augusto Portugal
BLOG
Categoria:

Páscoa

Páscoa

DESCENDIMENTO DA CRUZ

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Ele tomou sobre si nossas enfermidades e carregou os nossos sofrimentos.” (Is 53,4)

 

“Eis o homem!”

Ecoa desde há dois mil anos a infame apresentação que o pusilânime Pôncio Pilatos fez de Nosso Senhor, do balcão do pretório, enquanto a turba indecorosa, ululante, escarnecedora, mais uma vez preferia as trevas à Luz.

(…)

“Eis o homem!”

Estamos agora diante do lúgubre Calvário.

Aquele ambiente de desolação se estende por todo o mundo, alcança o céu, influencia a natureza.

“Ou um deus está morrendo, ou o mundo está se acabando”, teria exclamado, espantado, um astrônomo distante daquelas terras, alheio ao que acontecia em Jerusalém.

“Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele” (Is 53,3).

Estava ali, suspenso no madeiro da ignomínia, a vítima em holocausto pela remissão dos pecados do primeiro homem. Ali, naquele Lugar da Caveira, sobre a caveira do primeiro homem – conforme rezava a tradição -, onde brotara a árvore da vida, que resgataria das trevas a dignidade humana perante Deus, que tiraria do exílio o novo homem.

“Jerusalém, limpa o coração da maldade, a fim de que consigas a salvação” (Jr 4,14). É preciso que o sangue que jorra da árvore da vida escorra pelo monte, alcance Jerusalém e a lave da corrupção do mal que inebria o coração dos homens.

“Anunciam-se desastres sobre desastres” (Jr 4,20).

Jerusalém está desolada. O mundo todo está devastado. O universo fechou-se em luto. Do céu, repartido por raios, derrama-se o pranto da natureza, pela frialdade dos homens que levam à morte o seu Deus e Senhor.

“Jerusalém, Jerusalém, converte-te ao Senhor teu Deus!”

(…)

Estamos diante do lúgubre Calvário. É o altar do sacrifício. É onde o Cristo se entregou ao Pai, em holocausto, para a nossa redenção.

Estamos diante o altar onde o Deus humanado restitui-nos a graça, a vida eterna.

(…)

“Ouço gritos como os da mulher ao dar à luz, gritos de angústia quais os do primeiro parto. São os clamores da filha de Sião; geme e ergue as mãos: Desgraçada de mim! Desfaleço ante os algozes.” (Jr 4,31).

Esses gritos, porém, se ouve ao longe. É o arrependimento daqueles que lançaram às mãos malditas o corpo de nosso amado Jesus, que entregaram ao seu juízo a dignidade do Príncipe da Paz, Rei dos Séculos Futuros. É o grito da traição de quantos abandonam Nosso Senhor pelo pecado. É o grito dos celerados que promovem a violência, que corrompem a paz.

(…)

“Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele” (Is 53,3).

Vemos, hoje, esse rosto desfigurado, esse corpo chagado, esse estado deplorável em cada irmão desprezado pelos poderes públicos, em cada marginalizado pela sociedade, em cada criança abandonada pela sorte e pela caridade fraterna que pouco se pratica, em cada vítima da violência neste mundo em que o capitalismo e o hedonismo disputam a conversão de almas, afastando-as de Nosso Senhor, distraindo-as do caminho da salvação e seduzindo-as para a perdição eterna.

“Era desprezado…” e ainda o é pelos católicos que, por respeito humano, se calam diante das heresias que se dizem em todos os lugares e se omitem ante os sacrilégios e profanações que se cometem em nossas comunidades. Católicos relaxados que buscam se informar sobre tudo e sobre todos, menos conhecer a Doutrina – o Catecismo ao menos – e contestam veementes as decisões da Igreja e de seu Magistério.

Aquele que se julga capaz de discordar da autoridade do Papa no que diz respeito aos dogmas e à moral católica é um infame. Não é católico. É um seduzido por Lúcifer, no seio da Igreja, para corrompê-la. E temos muitos desses por aí, até no meio do clero, infelizmente, escandalizando muitos “cristos” de sua prepotência e ignorância. Rezemos pela conversão dessas pobres almas, pois por elas também verte o sangue redentor desta cruz.

“Era desprezado…” e ainda o é pelos pais que se sujeitam aos paparicos dos filhos mal-educados pela televisão, pela internet, pelas más companhias, soltos no mundo, à mercê da carne e do demônio.

“Era desprezado…” e ainda o é pelos governantes e homens públicos que se regalam com o poder diante de bocas famintas, vendo corpos esquálidos pela enfermidade e sem nenhuma assistência, omissos às vítimas das drogas, assistindo e por vezes promovendo a beligerância entre os povos, alheios a tudo o que assegura uma vida digna aos pobres, aos pequeninos acolhidos por Nosso Senhor.

“Era desprezado…” pois estava destinado a descer aos infernos para libertar os cativos do pecado de Adão. “Æstimatus sum cum descendentibus in lacum, factus sum sicut homo sine adjutório, inter mortuos líber” – “Chegou a ser homem como sem socorro, livre entre os mortos”, canta o Salmista (Sl 87).

“Christus factus est pro nobis obediens, usque ad mortem, mortem autem crucis” – “Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte, e morte de cruz” (Fl 2, 8).

 (…)

Meus irmãos,

Estamos diante do mais belo cenário da história da humanidade. Assistimos à representação do mais importante drama de amor de todos os tempos. “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,16-17).

E na contemplação desse quadro que aos céticos causa espanto, mas aos fiéis deve inflamar a devoção a Deus, deparamo-nos com uma síntese da vida do cristão.

O mandamento maior é o primeiro pelo qual, segundo os relatos do Evangelho, Nosso Senhor teria clamado do alto do patíbulo: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). É o amor ao próximo que nos lega como primeira de suas últimas lições. Ele perdoa seus algozes. Ele se compadece da humanidade pecadora e, não bastasse morrer por amor, ainda suplica a Deus por aqueles que o maltratam. E constatamos as palavras de Santo Agostinho, quando nos diz que “a Cruz não foi apenas lugar de sofrimento, mas cátedra de ensino”.

Na sua agonia, vítima dos mais cruéis opróbrios dos infames verdugos que o prenderam, o açoitaram, o maltrataram e, por fim, o pregaram na cruz, suas palavras ainda resvalam esperança. “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43), é a promessa de salvação para aquele pobre homem, sabe-se lá por que estava ali, crucificado ao lado de Jesus… É a esperança decorrente da confiança em Deus. Os pecados daquele pobre homem que se definhava ao lado de Jesus não foram tão sórdidos, a ponto de reconhecer a inocência do Redentor e confiar, humildemente, nele: “Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino” (Lc 23,42). Jesus, clamamos hoje, lembra-te de nós, míseros pecadores, compassivo, agora e na hora de nossa morte.

A caridade mais uma vez se esvai da Paixão de Cristo, fonte de misericórdia; caridade para com os seus, caridade para com todo o mundo. Primeiramente se dirige à sua mãe, a Virgem Dolorosa que ao pé da Cruz, em silêncio, contempla aquele martírio e medita sobre os desígnios de Deus. “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19,26). Quebrava o silêncio aquelas palavras de Jesus. Na pessoa do discípulo amado, João, aquele que O acompanhou até o último instante, estavam representados todos aqueles que acreditaram nEle e que O veriam em sua glória, assim como Pedro, Tiago e João assistiram no Tabor, “cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). E confirmavam esse comércio de seu amor as palavras dirigidas a João: “Eis aí tua mãe” (Jo 19,27). Maria nos é dada como mãe, mãe de seu Corpo Místico, mãe dos pecadores, mãe de todos aqueles que professam a mesma fé, que Cristo é o Filho de Deus que veio ao mundo para redimir as nossas culpas, nascido das entranhas puríssimas de uma Virgem predestinada, que naquele instante derradeiro tornava-se co-redentora da humanidade, medianeira de todas as graças.

E em meio a todo aquele tormento, Jesus nos rege a lição da oração, a oração no sofrimento, a oração na confiança nos desígnios de Deus, a oração nas adversidades, na escuridão da vida espiritual. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes” (Mt 27, 46b). Não era uma blasfêmia, mas uma oração confiante que se desprendia dos divinos lábios, assim como fizera tantas vezes junto de seus pais, José e Maria, nas sinagogas, nos momentos de recolhimento em que se unia ao Eterno Pai. É a paciência nas adversidades que o Salmista em oração nos ensina: “Fiquei mudo, em silêncio, privado da felicidade, mas a minha dor exacerbou-se” (Sl 38,2). Na oração, oferecia-se Jesus a Deus pela nossa salvação. Na oração, apresentemo-nos indefesos a Nosso Senhor para que ele faça de nós instrumentos para a evangelização, concedendo-nos a graça da piedade, do desapego, da compaixão, do abandono, do desejo interminável de poder contemplá-lo face a face um dia, a graça da perseverança final.

(…)

Na meditação da Paixão de Jesus, diante deste cenário, deparamo-nos com a figura da Pecadora, agarrada ao pé da Cruz, presa como à tábua de salvação. Sim! Jesus foi a salvação daquela mulher que doravante tornou-se “a penitente”: Maria Madalena. A beleza externa, as vestes insinuantes, as fragrâncias sedutoras, as jóias reluzentes… Nada mais tinha valor para aquela que não desejava outro amor, senão a misericórdia do seu Senhor. E é a essa vítima da sedução do demônio, da fragilidade da carne e da perversão do homem que Jesus suplica: “Sitio” – “Tenho sede” (19,28).

“Dá-me de beber” (Jo 4,7), foi a súplica do Mestre no poço de Jacó à Samaritana. Ele tinha sede do amor da humanidade, de todos os homens, prefigurada naquele mulher discriminada pela sua naturalidade. E é a ela que Jesus, cansado da viagem, pede que lhe sacie. Ele quer o amor de todos, indistintamente.

“Tenho sede” é a súplica de Jesus na Cruz, dirigindo-se à penitente.

Diz uma lenda que, ao ouvir a súplica, Maria Madalena correu até uma talha com água que estaria por perto e tentara matar a sede do Senhor, mas ele recusou a beber. E teria novamente insistido: “Tenho sede”. Lembrara, então a discípula que no palácio de Pilatos havia um licor considerado saboroso, vindo de Roma. Em disparada desceu Madalena do monte Calvário e foi conseguir, por meio de influências, um pouco daquela bebida considerada refrescante, querendo proporcionar alívio ao seu Mestre. E Jesus também recusou.

Ah, a dedicada mulher que acompanhava Jesus e seus discípulos desde a Galiléia não desanimou. Desta vez foi até o Templo para buscar uma taça de um vinho considerado puro e de tão seleta safra de uvas que era oferecido naquele lugar sagrada. Debalde retornou pressurosa, a tempo de saciar a sede de Jesus. Ele recusou tomar do saboroso líquido.

Sem saber o que fazer, quedou-se em convulsivo pranto ao pé da Cruz. Sentia-se incapaz de atender ao último pedido que lhe dirigia seu amado Jesus.

Mais uma vez o Senhor lhe pedia: “Tenho sede”.

E como numa inspiração sobrenatural, Madalena sentiu-se tocada pela graça e com as mãos concavadas, recolheu suas lágrimas e as ofereceu ao seu Redentor.

Tinha sede, Nosso Senhor, das lágrimas daquela mulher; ainda tem sede, Nosso Senhor, de nosso arrependimento.

Eis, caríssimos irmãos, neste passo o fruto da conversão: a misericórdia, o amor. Diz-nos a bem-aventurada Teresa de Calcutá que “’Tenho sede’ é uma palavra muito mais profunda do que se Jesus tivesse simplesmente dito ‘Amo-vos’”. Foi seu último pedido à humanidade pecadora antes de se entregar definitivamente ao Pai: “Tenho sede de vosso amor”.

(…)

“Tudo está consumado” ( Jo 19,30).

“Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)

Deixam-nos, suas últimas palavras de abandono à vontade do Pai, o exemplo da perseverança final em tudo, pois ele perseverou até à morte. E se isso o fez, foi tão somente por amor, sob a influência do sentimento da Trindade em que as aspirações são comuns. E com São Bernardo aprendemos, ainda melhor, a lição do amor. Diz-nos o abade de Claraval: “A medida para amar a Deus é amá-lo sem medida”.

Sim, meu caros irmãos, pois Deus nos amou de tal modo que nos deu seu filho para remir os nossos pecados e assegurar-nos a bem-aventurança eterna.

(…)

“Tudo está consumado”.

Cessaram-se os trovões, não se ouve nenhum ruído estranho, revolto. Apenas a chuva ainda insiste em prantos pela morte de Deus.

Avança a hora nona. Daqui a pouco cai a noite. Já será o dia da Páscoa.

Para Maria Santíssima e aqueles amigos que ali estavam o tempo não mais importava. Queriam ficar naquele monte, altar sagrado, em adoração perene.

Mas não podiam. Tudo já estava consumado.

(…)

E aquele instante de adoração se interrompe com a chegada de José de Arimatéia e Nicodemos.

Era a manifestação que faltava, daqueles que acompanhavam o Senhor à distância, durante toda a sua vida pública, mas por respeito humano não se manifestavam. Eram figuras proeminentes entre os judeus.

José de Arimatéia fazia parte do Conselho que condenou Jesus, mesmo tendo concordado com aquele desfecho. “Ele não havia concordado com a decisão dos outros nem com os atos deles. Originário de Arimatéia, cidade da Judéia, esperava ele o Reino de Deus”, relata-nos São Lucas (Lc 23,51). Já Nicodemos era fariseu, príncipe dos judeus. Certa vez procurou o Mestre à noite, às escondidas, e Jesus o preparou para aquilo que vira: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,14-15). Nicodemos estava convencido da divindade de Nosso Senhor.

E neste momento, em que os amigos de Jesus, quase todos, os seus seguidores se escondem na penumbra da covardia, esses dois homens não temem seus pares no Conselho infame que condenou o Senhor e vão até Pilatos reclamar o corpo do Divino Redentor.

(…)

Chegam os dois senhores ao monte Calvário, com as faixas, os lençóis e os ungüentos.

Aproximam-se de Maria e lhe pedem permissão para enterrar seu filho, nosso amado Jesus.

Diante da cruz são tomados por admiração e como o centurião exclamam no íntimo de seu coração: “Na verdade, este homem era um justo” (Lc 23,47).

(…)

Primeiro, retiram a TABULETA que não escarnecia os cristãos, nem afrontava os judeus. Era a simples revelação constatada, ainda que indeliberadamente, por Pilatos: “Jesus Nazareno Rei dos Judeus”. Estas palavras era uma profissão de fé incontestável, por isso, os dois bons homens não se contiveram e certamente depuseram-lhe um ósculo de devoção. Cumpriam-se as palavras de Zacarias: “Naquele dia, procurarei exterminar todo o povo que vier contra Jerusalém. Suscitarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de boa vontade e de prece, e eles voltarão os seus olhos para mim. Farão lamentações sobre aquele que traspassaram, como se fosse um filho único; chorá-lo-ão amargamente como se chora um primogênito! Naquele dia haverá um grande luto em Jerusalém, como o luto de Adadremon no vale de Magedo. A terra inteira celebrará esse luto, família por família; a família da casa de Davi à parte, com suas mulheres separadamente” (Zc 12,9-12).

(…)

Agora, retiram com muito cuidado a COROA DE ESPINHOS que está escalpelando a fronte do Redentor.

Ah, os espinhos!

Os espinhos que menos simbolizam o pecado, mas muito as suas conseqüências. A terra “te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra” (Gen 3,18). Esta foi a sentença de Deus, após a traição de Adão. “Os perversos sofrem com os espinhos” (Pv 22,5). Os espinhos é conseqüência da desobediência, por isso Nosso Senhor os tinha em sua fronte, ele carregava nossas culpas até a morte. “Ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniqüidades; o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às suas chagas” (Is 53,4-5). Jesus usou uma coroa de espinhos, para que pudéssemos merecer a coroa imperecível da glória, como nos assegura São Pedro em sua primeira carta (5,4), a coroa da vida (Tg 1,12), coroa da justiça (2Tm 4,8). “Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2,10)

(…)

“Ó vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte si es dolor sicut dolor meus” – “Ó vós todos os que passais pelo caminho, atendei e vede se há dor semelhante à dor que me atormenta” (Lm 1, 12).

Eis o corpo desfigurado!

Aos poucos vai-se notando quão ferido está pregado à Cruz.

Ai, meu Redentor! Miserável sou, por ser causa de tantos tormentos com meus pecados, reabrindo-lhes as chagas que, misericordiosas, me lavam com o Seu sangue sacrossanto.

Eis o corpo desfigurado de meu Senhor!

Contemplemo-lo, cheio de opróbrios, vítima das mais cruéis violências, desde as blasfêmias contra um Deus até as mais torpes bofetadas, agressões morais e físicas que a soldadesca indecorosa, instigada pelos pérfidos judeus, lançaram contra nosso amantíssimo Senhor.

“Attendite et videte…”

Avança a hora…

A noite se aproxima…

É preciso que retirem depressa o corpo de Nosso Senhor da Cruz.

Com muito cuidado retiram o prego que prende a MÃO DIREITA do Divino Redentor ao madeiro.

Ó mão bendita, que abençoou as multidões!

Ó mão sacrossanta, que tocou nas feridas dos enfermos e as curou!

Ó mão benfazeja, que acenou o caminho a seguir!

Ó mão paterna, que apontou o erro para que não mais fosse cometido!

Ó mão fraterna, que a estendeu ao próximo!

Retirai, pois, esse agudo cravo, para que possa retribuir, com esse ato de misericórdia, tantos benefícios!

(…)

Retirai, também, ó bons homens, o crave que prende a MÃO ESQUERDA de Jesus à Cruz.

Permite-me, Senhor, que eu esteja ao menos à tua esquerda, contemplando essa mão com a qual te amparavas no cajado enquanto guiavas o Teu redil.

Permite-me, Senhor, venerar essa mão que, oculta de tua destra, também acariciava a tantos que em Ti buscavam consolo.

Permite-me, Senhor, oscular essa mão chagada para que minha palavra jamais seja confundida ou causa de escândalo e sirva, tão somente, para cantar as Tuas glórias.

(…)

Retirai, por fim, o cravo que prende os PÉS de Nosso Senhor.

Retirai-o com cuidado, para que nossa aspereza não fira ainda mais o corpo já inerte de Jesus Cristo, machucado terrivelmente pela violência daqueles que não aceitam o seu Reino.

“Rodeia-me uma malta de cães, cerca-me um bando de malfeitores. Traspassaram minhas mãos e meus pés” (Sl 21,17).

Cães numerosos rodeiam o Calvário até nossos dias.

Cães de uma moral corrompida…

Cães de uma conduta infame, que se debruçam sobre suas misérias, ocultando-as, e obstam como podem o projeto de salvação para o qual devemos todos cooperar.

Desgraçados, aqueles que preferem mais as trevas à Luz. Não querem que estes braços voltem a abençoar, não permitirão que estes pés pisem novamente o pó dos caminhos humanos, levando a Boa Nova da paz e da esperança aos pobres e excluídos (Is 52,7). Preferem que Deus continue encerrado e controlado dentro de seus templos suntuosos, rejeitando o templo vivo somos cada um de nós, que é o Corpo Místico de Cristo (1Cor 6,19), pois pretendem continuar usando-o, manipulando-o, violentando-o, e massacrando-o a seu bel prazer.

(…)

Levai agora, José de Arimatéia e Nicodemos, o corpo sacrossanto de Jesus até Sua Mãe.

Ela o toma nos braços.

Maria que embalou o corpo frágil do Menino Jesus, antes de recliná-lo no presépio, agora o tem, frágil, maltratado, desfigurado, em seus braços antes de entregá-lo à sepultura.

“Dolores inferni circumdederunt me” – “Dores de inferno me cercaram” (Sl 17,6).

Relata-nos o célebre padre Antônio Vieira que “foram tão excessivos os tormentos da Virgem na Paixão de seu Filho, que diz S. Bernardo que, se se repartissem por todas as criaturas viventes, bastariam a tirar a vida a todas. Mais. Era tão grande o amor da Senhora, e o afeto temíssimo com que desejava não se apartar da presença e vista de seu Filho, que teria por grande benefício ou morrer, para que ele não morresse, como dizia Davi na morte de Absalão, e já que isto não pudesse ser, ao menos morrer juntamente com ele” (“Sermãos das Dores da Sacratíssima Virgem Maria”, 1642).

“Plorans ploravit in nocte…” – “Ela chora pela noite adentro, lágrimas lhe inundam as faces”

“Non est qui consoletur eam…” – “Ninguém mais a consola de quantos a amavam. Seus amigos todos a traíram, e se tornaram seus inimigos” (Lm 1,2).

(…)

“Nesta vida temem os homens a morte, e todos andam fugindo dela”, brada, ainda, das centúrias passadas o Crisóstomo Português.

Nesta vida temem os homens a morte, repito, porque temem ter que se apresentar ao Tribunal Divino e responder pelas atrocidades que tanto afligem o Coração Sagrado de Jesus.

(…)

Correi, infelizes. Correi pressurosos em busca do perdão de vossos pecados.

Celerados que renovam os flagelos a Nosso Senhor, emendai de vida enquanto há tempo, porque a “propriedade dos tormentos do inferno não só dura porque atormenta duramente, senão também porque, atormentando, endurece a quem atormenta, e matando, imortaliza para sempre matar. Nesta vida temem os homens a morte, e todos andam fugindo dela; no inferno, pelo contrário, todos desejam morrer, e a morte foge de todos” (VIEIRA op. cit.).

É o que vos espera, todos aqueles que abandonam sua Cruz no caminho e fogem do jugo de Nosso Senhor. Hipócritas, covardes, infelizes, preferem os regalos da vida mundana, da riqueza vil, das diversões, da sensualidade, dos prazeres anormais, da pederastia, de toda forma de incontinência, é o que vos espera: o inferno, pois “talis vita, finis ita”, diz o jargão latino – “Tal como se vive, se finda”. Vivestes longe de Deus, na sua ausência permanecerão após a morte. Desejarão, então, morrer, mas a morte fugirá de vós.

Diz-nos Santo Agostinho que foi “Deus quem se cansou, pois está nessa estrada há séculos, milênios… em busca da humanidade. Deus está em busca do homem. Onde Ele poderia parar, pousar, repousar? No poço de nosso coração, na alma de cada um de nós. Talvez cada um de nós já tenha vivido o essencial da experiência mística e espiritual: a descoberta de que não somos nós, mas Deus quem nos busca. Era Deus quem nos buscava esse tempo todo. É difícil deixar-se achar, deixar-se amar ‘tal como somos’. A estrada é longa até esse ponto da aceitação total.”

Iniciemos, caríssimos, agora, essa caminhada que nos conduzirá ao Pai.

Iniciemos, agora, essa caminhada, contritos, penitentes, com sinceros propósitos de emenda de vida, para que no dia em que formos chamados a juízo, possamos ouvir de nosso amantíssimo Jesus: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o Reino que foi preparado para vós” (Mt 25,34).

 

Padre Wagner Augusto Portugal

15 de abril de 2022
0 FacebookTwitterPinterestEmail
Páscoa

AS “SETE PALAVRAS DE CRISTO NA CRUZ”

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

“Ó admirável poder da Cruz! Ó inefável glória da Paixão! Nela se encontra o tribunal do Senhor, o julgamento do mundo, o poder do Crucificado!” (São Leão Magno, Papa e Doutor da Igreja).

 

Nosso Senhor Jesus Cristo, após cravado na Santa Cruz para sofrer a Paixão a fim de nos salvar proferiu sete Palavras que ficaram consignadas no coração da Igreja. Essas Palavras de Cristo na Cruz, objeto de meditação dos Santos Padres e Doutores, compõem um tesouro singular que o Senhor nos deixou no momento em que consumava o Mistério de nossa Redenção. Passemos então a conhecer e aprofundar-nos nessas eficazes Palavras que Senhor nos confiou. (cf. II Tim 3,16-17). 

1ª Palavra: “Pai, perdoai-lhes, por que não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

Na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, se efetiva o Mistério da Redenção do gênero humano, com efeito, “por sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado. Ele nos mereceu a vida nova no Espírito Santo. Sua graça restaura o que o pecado deteriorou em nós”. (Catecismo da Igreja Católica §1708)

A primeira Palavra que Cristo profere na Cruz, é a súplica do perdão: “Pai, perdoai-lhes, por que não sabem o que fazem”. Em meio à humanidade devastada pelo pecado, em meio ao povo enganado que pedia a morte do Cordeiro inocente, Cristo tem compaixão e pede o perdão para aqueles que o condenam.

Neste momento final, Cristo retoma o ensino que outrora tinha proferido: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem” (Mt 5,44). Dessa forma ele deixa claro a necessidade e a importância do perdão, necessidade essa consignada na oração que Ele mesmo ensinou a seus discípulos: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam” (Mt 6,12).

“Então Pedro se aproximou dele e disse: Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,21-22).

Que ensino grandioso Nosso Senhor nos deixa nesta primeira Palavra proferida na Cruz, em meio a toda dor e sofrimento em que se encontrava, por amor à humanidade, Ele não pensa em si, mas pede por aqueles que o persegue.

“Ó ternura do amor de Jesus Cristo para com os homens! Diz S. Agostinho que o Salvador, na mesma hora em que recebia injúrias de seus inimigos, procurava-lhes o perdão: não atendia tanto às injúrias que deles recebia e à morte a que o condenavam, como ao amor que o obrigava a morrer por eles. Mas, dirá alguém, por que foi que Jesus pediu ao Pai que lhes perdoasse, quando ele mesmo poderia perdoar- lhes as injúrias? Responde S. Bernardo que ele rogou ao Pai, “não porque não pudesse pessoalmente perdoar-lhes, mas para nos ensinar a orar pelos que nos perseguem”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.Vol II,  Ed.PDF, Fl. Castro, abril 2002,p.19)

E São Paulo, ao evangelizar os pagãos iria justamente transmitir esse ensinamento recebido do Senhor (cf. I Cor 11,23):

“Abençoai os que vos perseguem; abençoai-os, e não os praguejeis. Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor (Dt 32,35). Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Procedendo assim, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça (Pr 25,21s).Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem”. (Rom 12, 14.17.19-21)

Assim, nesta primeira Palavra de Cristo na Cruz, tomamos consciência da importância fundamental do perdão na vida do Cristão, pois “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão”. (Jo 4,20-21).

2ª Palavra: “Em verdade eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).

Quando Cristo profere a segunda Palavra na Cruz, observamos dois ladrões crucificados, um de cada lado. Nestes dois ladrões vemos a prefiguração de duas atitudes que podemos abraçar em nossa vida: a atitude do desespero em meio ao sofrimento, zombando da salvação e, por conseguinte do Salvador; e a atitude de reconhecimento e confissão do pecado, resignação em meio ao sofrimento presente, com vistas na esperança da glória futura.

Neste momento da Paixão, temos uma cena de ultrajes contra o Salvador:

 A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo: Salvou a outros, que se salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus! Do mesmo modo zombavam dele os soldados. Aproximavam-se dele, ofereciam-lhe vinagre e diziam: Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo.  Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: Este é o rei dos judeus. Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!  Mas o outro o repreendeu: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino! Jesus respondeu-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso. (Lc 23,35-43).

Que ensino grandioso recebemos de Nosso Senhor ao conceder ao penitente arrependido a Salvação eterna: hoje estarás comigo no paraíso! Com estas palavras salvíficas Jesus nos mostra que se nos arrependermos dos nossos pecados, O reconhecermos como nosso Salvador (cf. Jo 1,12) e O buscarmos diligentemente, sem dúvidas estaremos com Ele.

 

Ora, Nosso Senhor veio para “salvar o que estava perdido” (Mt 18,11), e como predisse o profeta Ezequiel (cf. Ez 18,21-22), aquele que se arrepende dos pecados os tem como que apagados pelo Senhor, estando liberto para uma nova vida, a vida da graça.

Sobre a grandiosidade desta palavra de Cristo, ensina com maestria e inspiração S. Afonso de Ligório:

“Em verdade eu te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Escreve um douto autor que com essa palavra o Senhor nesse mesmo dia, imediatamente depois de sua morte, se lhe mostrou sem véu, fazendo-o imensamente feliz, embora não lhe conferisse todas as delícias do céu antes de entrar nele. Arnoldo Carnotense, no seu Tratado das 7 palavras, considera todas as virtudes que o bom ladrão S. Dimas praticou na sua morte: “Ele crê, se arrepende, confessa, prega, ama, confia e ora”. Praticou a fé, dizendo: “Quando chegares no teu reino”, crendo que Jesus Cristo depois de sua morte havia de entrar vitorioso no reino de sua glória. “Teve por perto que havia de reinar quem ele via morrer”, diz S. Gregório. Exerceu a penitência, confessando seus pecados: “Nós padecemos justamente, pois recebemos o que merecemos”. Diz S. Agostinho: Não ousou dizer: lembra-te de mim, senão depois da confissão de sua iniqüidade e de depor o fardo de suas iniqüidades (Serm. 130 de templ.). E S. Atanásio: “Ó bem-aventurado ladrão, que roubaste o céu com essa confissão”. Outras belas virtudes praticou então esse santo penitente: a pregação, anunciando a inocência de Jesus: “Este, porém, nenhum mal praticou”. Exerceu o amor para com Deus, aceitando a morte com resignação em castigo de seus pecados: “Recebemos o que merecemos”. S. Cipriano, S. Jerônimo, S. Agostinho não duvidam por isso de chamá-lo mártir, porque os algozes, ao quebrarem-lhe as pernas, o fizeram com maior atrocidade, por ter louvado a inocência de Jesus, aceitando esse sofrimento por amor de seu Senhor.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.20)

Assim, diante destes fatos, fica-nos a lição da perseverança em meio às provações, do repudio que devemos ter ao pecado, do reconhecimento do Cristo como Nosso Senhor e da Salvação que ele nos traz. Com efeito nos diz São Paulo: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam. (ICor 2,9). Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada”. (Rom 8,18).

3ª Palavra: “Mulher, eis ai teu filho. Eis ai tua mãe” (Jo 19,26-27).

Na terceira Palavra de Cristo na Cruz, em meio a todo o sofrimento, Jesus mais uma vez, numa prova inequívoca de amor à humanidade, nos dá a graça de termos a Sua santa Mãe por nossa mãe! Vejamos o relato do Evangelho:

“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa”. (Jo 19,25-27).

 

Esta Palavra nos revela fatos muito importantes, é uma prova de que Nossa Senhora não possuía outros filhos, pois caso contrário não poderia estar desamparada neste momento, revela-nos que era viúva de São José, que também não se encontrava ao seu lado, como também o afirma S. Afonso de Ligório:

“Com isso deu a entender que José já era morto, porque se ele ainda vivesse não o teria separado de sua esposa” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.21).

Outra revelação magnífica dessa Palavra é a necessidade de tão boa Mãe a nos acompanhar em nossa caminhada rumo ao Salvador, ora todos os atos de Nosso Senhor Jesus Cristo, são atos salvíficos, assim, sendo, ao nos dar Sua Mãe como nossa Mãe, Jesus Cristo visava a nossa salvação. João neste momento, o discípulo amado, era a prefiguração de cada um de nós. E o que ele fez ao receber tamanha graça? Imediatamente “o discípulo a levou para a sua casa”. Todo verdadeiro Cristão deve ter por Mãe Nossa Senhora, que insistentemente só tem um único pedido a nos fazer: “Fazei tudo o que Ele vos disser !” (Jo 2,5)  

O Papa Leão XIII explica com precisão a graça da Maternidade Espiritual de Maria, que nos foi legada por Jesus:

“O mistério do imenso amor de Cristo a nós teve, “entre outras, uma luminosa manifestação quando Ele, perto de morrer, quis confiar ao seu discípulo João aquela mãe, sua própria Mãe, com aquele solene testamento: “Eis aí teu filho!” Ora, na pessoa de João, segundo o pensamento constante da Igreja, Cristo quis indicar o gênero humano, e, particularmente, todos aqueles que a Ele adeririam pela fé. E é justamente neste sentido que S. Anselmo de Cantuária exclama: “O’ Virgem, que privilégio pode ser tido em maior consideração do que esse pelo qual és a mãe daqueles para os quais Cristo se digna de ser pai e irmão?” (S. Anselmo de Cantuária., Oratio 47).Por sua parte, Maria generosamente aceitou e tem cumprido essa singular e pesada missão, cujo inícios foram consagrados no Cenáculo. Desde então ela ajudou admiravelmente os primeiros fiéis com a santidade do seu exemplo, com a autoridade dos seus conselhos, com a doçura dos seus incentivos, com a eficácia das Suas orações, tornando-se assim verdadeiramente mãe da Igreja e mestra e rainha dos Apóstolos, aos quais comunicou também aqueles divinos oráculos que ela “conservava ciosamente no seu coração””. (Papa Leão XIII. Carta Encíclica Adiutricem Populi, nº3, Roma, 25/09/1895).

Também Santo Afonso de Ligório, nos traz uma edificante reflexão sobre essa Palavra do Senhor, demonstrando o Amor de Cristo pela humanidade ao dar a Sua Mãe e o Amor da Mãe ao Filho ao suportar com Ele as dores da Paixão.

“Estava, pois, a aflita Mãe junto à cruz, e, assim como o Filho sacrificava a vida, sacrificava ela a sua dor pela salvação dos homens, participando com suma resignação de todas as penas e opróbrios que o Filho sofria ao expirar. Diz um autor que desabonam a constância de Maria os que a representam desfalecida aos pés da cruz: ela foi a mulher forte que não desmaia, não chora, como escreve S. Ambrósio: “Leio que estava em pé e não leio que chorava” (In cap. 23 Lc). A dor, que a Santíssima Virgem suportou na paixão do Filho, superou a todas as dores que pode padecer um coração humano. A dor, porém, de Maria não foi uma dor estéril, como a das outras mães vendo os sofrimentos de seus filhos; foi, pelo contrário, uma dor frutuosa: pelos merecimentos dessa dor e por sua caridade, diz S. Agostinho, assim como é ela mãe natural de nosso chefe Jesus Cristo, tornou-se então mãe espiritual dos fiéis membros de Jesus, cooperando com sua caridade para nosso nascimento e para fazer-nos filhos da Igreja (Lib. de sanc. virgin. c. 6). Escreve S. Bernardo que no monte Calvário estes dois grandes mártires, Jesus e Maria, se calavam: a grande dor que os oprimia tirava-lhes a faculdade de falar. (De Mar.). A Mãe contemplava o Filho agonizante na cruz, e o Filho, a Mãe agonizante ao pé da cruz, toda extenuada pela compaixão que sentir apor suas penas. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.21).

Assim, nessa Palavra de Cristo, somos agraciados com Sua Mãe, que doravante estará a nosso lado a nos conduzir a seu Filho amado.

 “Jesus é o Filho Único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: “Ela gerou seu Filho, do qual Deus fez “o primogênito entre uma multidão de irmãos” (Rm 8,29), isto é, entre os fiéis, em cujo nascimento e educação Ela coopera com amor materno”. (Catecismo da Igreja Católica § 501).

 

4ª Palavra: “Elói, Elói, lammá sabactáni?, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34-35)

            Nesta quarta Palavra de Cristo na Cruz, ele expressa a dor de carregar em seu corpo santo todo o pecado da humanidade, a fim de redimi-la, tal dor é expressa com o brado: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?

            É preciso compreender que Cristo sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não se valeu de sua divindade para suportar as dores e sofrimentos da Paixão, mas pelo contrario, os sentiu com maior dor pelo fato de ter um corpo santo (cf. Hb 4,15), sujeito a pagar pelos pecados de todos os homens. São Paulo e Santo Afonso de Ligório expressam com clareza o desprendimento de Jesus, ao assumir nossa condição miserável, a fim de redimi-la:

“Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens.E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”. (Fl 2,6-8).

“Cumpre saber que Jesus estava sobrecarregado de todos os pecados do mundo inteiro e por isso, ainda que pessoalmente fosse o mais santo de todos os homens, tendo de satisfazer por todos os pecados deles, era tido pelo pior pecador do mundo e como tal fez-se réu de todos e ofereceu-se para pagar por todos. E porque nós merecíamos ser abandonados eternamente no inferno, no desespero eterno, quis ele ser abandonado ou entregue a uma morte privada de todo o alívio, para assim livrar-nos da morte eterna”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).

Este sentimento de abandono, sentido por Cristo padecente na Cruz, nos mostra a dor do abandono que sente o pecador que se afasta de Deus. E todo esse sofrimento foi assumido pelo Cristo em nosso lugar:

 

“Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca (Is 53,9). Ele, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele, maltratado, não proferia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça. Carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro para que, mortos aos nossos pecados, vivamos para a justiça. Por fim, por suas chagas fomos curados (Is 53,5). (I Pd 2,22-24)

 

  1. Afonso de Ligório citando S. Leão Magno nos traz importantes reflexões acerca dessa Palavra de Jesus, vejamos:

 

“Escreve S. Leão que esse brado de Jesus não foi queixa, mas ensino (Serm. 17 de pas. c. 13). Ensino, porque com aquele brado queria dar-nos a entender quão grande é a malícia do pecado, que quase obrigava Deus a abandonar às penas, sem alívio, seu dileto Filho, somente por ter ele tomado sobre si a obrigação de satisfazer por nossos delitos. Jesus não foi então abandonado pela divindade, nem privado da glória que fora comunicada à sua bendita alma desde o primeiro instante de sua criação; foi, porém, privado de todo consolo sensível, com o qual costuma Deus confortar seus fiéis servos nos seus padecimentos e foi deixado em trevas, temores e amarguras, penas essas por nós merecidas. Esse abandono da presença sensível de Deus experimentou Jesus também no horto de Getsêmani: mas o que sofreu pregado na cruz foi maior e mais amargo”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).

 

O protestante Calvino, no seu comentário sobre o Evangelho de São João, profere uma blasfêmia ao afirmar que Cristo sofrera o pecado do desespero ao proferir essa Palavra. Explica S. Afonso de Ligório apoiado nos Santos Padres, que tal expressão de Nosso Senhor, expressa exatamente a dor dos sofrimentos provenientes da Paixão e jamais o desespero, que só acomete àqueles que voluntariamente pelo pecado se privam da amizade de Deus:

 

“Calvino, no seu comentário sobre S. João, disse uma blasfêmia (…) Como poderia satisfazer pelos nossos pecados com um pecado ainda maior, qual o do desespero? E como conciliar-se esse desespero de que sonha Calvino, com estas palavras que Jesus pronunciou depois: “Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito”?(Lc 23,46). A verdade é, segundo a explicação de S. Jerônimo e S. Crisóstomo e outros, que nossos Salvador lança essa exclamação de dor para nos patentear, não o seu desespero, mas o tormento que sofria tendo uma morte privada de todo o alívio.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.23).

 

Em fim, esta Palavra nos mostra a dor que nossos pecados acarretam para o Salvador, entretanto, demonstram mais uma vez a grandiosidade do amor e da misericórdia de Deus para com os homens, se fazendo verdadeiro homem para padecer em nosso lugar: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3,16)

 

“Ao abraçar em seu coração humano o amor do Pai pelos homens, Jesus “amou-os até o fim” (Jo 13,11), “pois ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Assim, no sofrimento e na morte, sua humanidade se tornou o instrumento livre e perfeito de seu amor divino, que quer a salvação dos homens.” (Catecismo da Igreja Católica § 609).

 

 

5ª Palavra: “Tenho sede” (Jo 19,28).

 

Na quinta Palavra de Cristo na Cruz, Ele expressa a debilidade de seu corpo em meio aos tormentos suportados até aquele instante, e exaurido pela perda de sangue e água durante todo esse martírio, diz: “Tenho sede”.

 

“Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir plenamente a Escritura, disse: Tenho sede”. (Jo 19,28)

 

A “Escritura” aludida pelo evangelista S. João, que deveria ser cumprida, é a que se encontra no Salmo de Davi:

 

“Puseram fel no meu alimento, na minha sede deram-me vinagre para beber”. (Sl 68,22).

 

Comentando sobre o cumprimento dessa Escritura, diz São Tomás de Aquino:

 

“Jesus não diz que tem sede para que seja consumada a profecia do Antigo Testamento; pelo contrário: a profecia é que foi escrita porque devia, um dia, ser vivida pelo Cristo” (S. Tomás de Aquino. Comentários de S. João, 19,28 in: AQUINO, Felipe. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Lorena-SP: Cléofas, 2005, p.60).

 

Essa “sede” de Jesus, não era um fator simplesmente biológico, decorrente das circunstâncias da Paixão. Essa “sede” de Jesus era algo mais profundo. É a sede de almas, a sede de levar a salvação a cada ser humano da face da terra. Essa Palavra de Jesus na Cruz nos remete ao momento em que Ele pede de beber à samaritana (cf. Jo 4,1-15) no poço de Jacó, como se pedisse a cada um de nós, a nossa vida, a nossa alma para lhe saciar a sede. Ele afirma para a samaritana que Ele é a água viva (cf. Jr 2,13), quem Dele beber não terá sede:

 

“Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva. (…) o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna”. (Jo 4, 10.14).

 

Santo Agostinho comenta essa passagem dizendo:

 

“Desejaria Ele beber, realmente, quando dizia à samaritana: Dai-me de beber? E quando diz sobre a Cruz: Tenho sede? Do que teria sede senão de nossas boas obras?” (S. Agostinho. Salmos 36, sermão 2,21.4 in: AQUINO, Felipe. Op.cit, p.62).

 

Também S. Afonso de Ligório ressalta essa sede de salvar toda a humanidade, sentida por Jesus pendente na Cruz:

 

“Grande foi a sede corporal que Jesus sofreu na cruz, já pelo sangue derramado no horto, já no pretório pela flagelação e coroação de espinhos, e mais ainda na mesma cruz onde de suas mãos e pés cravados escorriam rios de sangue como quatro fontes naturais. Sua sede espiritual foi, porém, muito maior, isto é, o desejo ardente que tinha de salvar todos os homens e de sofrer ainda mais por nós, como diz Blósio, em prova de seu amor (Mar. sp. p. 3 c. 18). S. Lourenço Justianiano escreve: “Esta sede nasce da fonte do amor” (De agon.c. 19)”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).

 

São Tomás de Aquino comentando essa Palavra de Jesus expressa a veracidade do sofrimento e essa sede de salvar o mundo que o Cristo sentiu na Paixão:

 

“Se Jesus diz: tenho sede! é, antes de tudo, porque morre de morte verdadeira, não da morte de um fantasma. Ainda aqui aparece o seu desejo ardente da salvação do gênero humano, conforme diz São Paulo: Deus, nosso Salvador, quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2,3-4). Jesus mesmo dissera: “o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Ora a veemência do desejo exprime-se, muitas vezes, pela sede, como diz o salmista: “Minha alma tem sede do Deus vivo” (S. Tomás de Aquino. Comentários de S. João, 19,28 in: AQUINO, Felipe. Op.cit, p.62).

 

Com essa Palavra Cristo, continua a mostrar seu incomensurável Amor pela humanidade, chegando a sentir sede física e espiritual, pela salvação das almas. Santa Catarina de Sena ilustra perfeitamente esse fato, ao dizer:

 

“É a fome e a sede do ansioso desejo que Jesus tinha de nossa salvação, que o faziam exclamar sobre o madeiro da cruz: Tenho sede! Como se dissesse: Tenho sede e desejo de vossa salvação, mais do que vos pode demonstrar o suplício corporal da sede. Sim, por que a sede do corpo é limitada, mas a sede do santo desejo não tem limites” (S. Catarina de Sena, Cartas, 8 in: AQUINO,Felipe. Op.cit, p.62).

 

 

6ª Palavra: “Está consumado”.

 

“Havendo Jesus tomado do vinagre, disse: Tudo está consumado” (J0 19,30)

 

Essa penúltima Palavra de Cristo na Cruz vem selar todas as profecias a seu respeito. Nestes momentos finais Cristo nos diz com essa Palavra que toda a vontade do Pai para nos salvar foi cumprida Nele e por Ele.

 

“Nesse momento, Jesus, antes de expirar, pôs diante dos olhos todos os sacrifícios da antiga lei (todos eles figuras do sacrifício da cruz), todas as súplicas dos antigos padres, todas as profecias realizadas na sua vida e na sua morte, todos os opróbrios e ludíbrios preditos que ele devia suportar, e vendo que tudo se havia realizado, disse: “Tudo está consumado””. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).

 

Com essa Palavra Jesus nos ensina a perseverar em nossa fé até o fim. Confiando Nele (cf. Fl 4,13) não devemos jamais olhar para trás (cf. Gen 19,26; Lc 9,62), mas, seguir sempre em direção ao alvo (cf. Fl 3,14), à nossa meta: a salvação que nos é ofertada gratuitamente por Deus.

 

  1. Afonso de Ligório citando Santo Agostinho explica com maestria este sentido profundo dessa Palavra de Jesus ao afirmar que:

 

“S. Agostinho escreve: “O que te ensinou pendente da cruz, não querendo dela descer, senão que fosses forte em teu Deus?” (In ps. 70). Jesus quis consumar o seu sacrifício com a morte, para nos persuadir de que Deus não recompensa com a glória senão aqueles que perseveram no bem até ao fim, como o faz sentir por S. Mateus: “Quem perseverar até ao fim será salvo” (Mt 10,22). Quando, pois, ou seja por motivo de nossas paixões ou das tentações do demônio ou das perseguições dos homens nos sentirmos molestados e levados a perder a paciência e a ofender a Deus, olhemos para Jesus crucificado que derrama todo o seu sangue por nossa salvação e pensemos que nós ainda não derramamos uma só gota por seu amor. É o que diz S. Paulo: “Pois ainda não tendes resistido até ao sangue combatendo contra o pecado” (Hb 12,4)”. (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.24).

 

O saudoso Santo Padre João Paulo II, em uma Carta escrita aos Sacerdotes por ocasião da Quinta – Feira Santa no ano de 1998, nos traz uma reflexão muito significativa acerca da consumação do sacrifício salvífico de Nosso Senhor Jesus Cristo, ele escreveu:

 

“O Evangelho de S. João, com palavras cheias de carinho e de mistério, refere a narração daquela primeira Quinta-Feira Santa, quando tomou lugar à mesa com os discípulos, no Cenáculo, o Senhor — « …Ele que amara os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles » (13,1). Até ao extremo: até à instituição da Eucaristia, antecipação de Sexta-Feira Santa, do sacrifício da cruz e do mistério pascal. Durante a Última Ceia, Cristo toma o pão nas mãos e pronuncia as primeiras palavras da consagração: « Isto é o meu Corpo que será entregue por vós ». Logo a seguir, proclama sobre o cálice com vinho as sucessivas palavras da consagração: « Este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados », e acrescenta: « Fazei isto em memória de Mim ». Cumpre-se assim, no Cenáculo, de modo incruento o Sacrifício da Nova Aliança, que será realizado com o derramamento de sangue no dia seguinte, quando Cristo disser sobre a cruz: « Consummatum est », « Tudo está consumado! » (Jo 19,30). Oferecido uma vez por todas sobre o Calvário, este Sacrifício é confiado aos Apóstolos, graças ao Espírito Santo, como o Santíssimo Sacramento da Igreja”. (Papa João Paulo II. Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta Feira Santa de 1998, Vaticano, 25/03/1998).

 

Assim, temos nessa Palavra de Jesus o cumprimento das Escrituras, e o ensino salvífico de perseverar até o fim, confiados sempre no Senhor.

 

“Como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos” (Rm 5,19). Por sua obediência até a morte, Jesus realizou a substituição do Servo Sofredor que “oferece sua vida em sacrifício expiatório”, “quando carregava o pecado das multidões”, “que ele justifica levando sobre si o pecado de muitos”. Jesus prestou reparação por nossas faltas e satisfez o Pai por nossos pecados”. (Catecismo da Igreja Católica § 615)

 

 

7ª Palavra: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

 

Consumada as Escrituras, Nosso Senhor Jesus Cristo livremente entrega o espírito ao Pai, realizando a redenção definitiva da humanidade. É a realização do sacrifício da Nova e Eterna Aliança.

 

“A morte de Cristo é ao mesmo tempo o sacrifício pascal, que realiza a redenção definitiva dos homens pelo “cordeiro que tira o pecado do mundo”, e o sacrifício da Nova Aliança, que reconduz o homem à comunhão com Deus, reconciliando-o com ele pelo “sangue derramado por muitos para remissão dos pecados”. (Catecismo da Igreja Católica § 613)

 

São Lucas escreve:

 

“Era quase à hora sexta e em toda a terra houve trevas até a hora nona. Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio. Jesus deu então um grande brado e disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, dizendo isso, expirou. Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse: Na verdade, este homem era um justo”. (Lc 23,44-47)

 

Este do véu do Templo de Jerusalém que se rasga vem simbolizar justamente o advento da Nova e Eterna Aliança: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição”. (Mt 5,17)

 

“O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do Legislador divino nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho. Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada nas tábuas de pedra, mas “no fundo do coração” (Jr 31,33) do Servo, o qual, pelo fato de “trazer fielmente o direito” (Is 42,3), se tornou “a Aliança do povo” (Is 42,6). Jesus cumpriu a Lei até o ponto de tomar sobre si “a maldição da Lei” in quod illi incurrerant “qui non permanent in omnibus, quae scripta sunt, ut faciant ea”, na qual incorrerreram aqueles que “não praticam todos os preceitos da mesma, pois “a morte de Cristo aconteceu para resgatar as transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança” (Hb 9, 15)”. (Catecismo da Igreja Católica § 580).

 

Outro fato singular dessa Palavra de Jesus foi a imediata conversão do centurião romano que acompanhava ao pé da Cruz (cf. Jo 3,14-15) a morte do Redentor: “Vendo o centurião o que acontecia, deu glória a Deus e disse: Na verdade, este homem era um justo” (Lc 23,47).

Com essa Palavra Jesus nos ensina a entregar-nos sempre, livre e totalmente ao Pai, que está sempre de braços abertos a nos esperar (cf. Lc 15,20). S. Afonso de Ligório apoiado nos Santos Padres ensina sobre essa Palavra:

 

“Escreve Eutíquio que Jesus proferiu estas palavras com grande voz, para dar a entender que ele era verdadeiramente o Filho de Deus, chamando a Deus seu Pai. S. Jerônimo escreve que ele deu este grande brado para demonstrar que não morria por necessidade, mas por própria vontade, emitindo um brado tão forte no momento mesmo em que estava para expirar. Isso combina com o que disse Jesus em vida, que ele de livre vontade sacrificava sua vida por nós,suas ovelhas, e não pela vontade ou malícia de seus inimigos. “Eu ponho minha alma por minhas ovelhas… ninguém ma pode tirar, eu mesmo a entrego de livre querer” (Jo 10,15). S. Atanásio ajunta que Jesus, recomendando-se ao Pai, recomendou-lhe justamente todos os fiéis que por seu intermédio deveriam receber a salvação, já que a cabeça com seus membros constituem um só corpo. E o santo conclui que Jesus então tinha em mente repetir o pedido feito antes: “Pai santo, conserva-os em teu nome, para que sejam um como nós” (Jo 17,11), e termina: “Pai, os que me destes quero que onde eu estiver estejam comigo” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.25).

 

Neste momento em que Cristo consuma o Santo Sacrifício para a redenção da humanidade, sua Cruz torna-se venerável para nós cristãos! Ela que fora objeto de maldição será doravante símbolo da salvação como nos ensina São Paulo:

 

“A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina”. (I Cor 1,18); “Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”. (Gal 6,14); “Espoliou os principados e potestades, e os expôs ao ridículo, triunfando deles pela cruz”. (Col 2,15).

 

O Sagrado Magistério da Igreja nos ensina que:

 

“Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis iustificationem meruit – Por sua santíssima Paixão no madeiro da cruz mereceu-nos a justificação”, ensina o Concílio de Trento, sublinhando o caráter único do sacrifício de Cristo como “princípio de salvação eterna”. E a Igreja venera a Cruz, cantando: crux, ave, spes unica – Salve, ó Cruz, única esperança”. (Catecismo da Igreja Católica § 617)

 

Iluminados por essa Santa Palavra do Senhor possamos confiar-nos sempre a Ele, fazendo assim como o Cristo, a vontade do Pai: “Davi punha toda a sua esperança no futuro Redentor, dizendo: “Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito; pois vós me remistes, Senhor Deus da verdade” (Sl 39,6). Quanto mais nós devemos confiar em Jesus Cristo, que já realizou a nossa redenção? Digamos-lhe, pois, com grande confiança: “Vós me remistes, Senhor, por isso em vossas mãos encomendo o meu espírito.” (LIGÓRIO, Afonso M. de. Op.cit, p.25).

 

Salve, ó Cruz, única esperança!

Crux, Ave, Spes Única

 

________________________

Referências Bibliográficas

 

AQUINO, Felipe. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Lorena-SP: Cléofas, 2005.

 

Bíblia Sagrada. 14º Ed. São Paulo: Ave Maria, 1998.

 

Catecismo da Igreja Católica – Edição típica Vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.

 

LIGÓRIO, Afonso M. de. A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Vol. II, Ed.PDF, Fl. Castro, abril 2002.

 

Papa João Paulo II. Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta Feira Santa de 1998, Vaticano, 25/03/1998.

 

Papa Leão XIII. Carta Encíclica Adiutricem Populi, Roma, 25/09/1895.

15 de abril de 2022
0 FacebookTwitterPinterestEmail
Páscoa

RAINHA DOS MÁRTIRES

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

INTRODUÇÃO

 

Um dos títulos mais expressivos dados à Virgem Maria é o de Rainha dos Mártires. Ele enseja reflexões profundas sobre a obra redentora de Cristo e a co-participação de Maria na mesma. Além disto, as lições da Senhora das Dores são valiosíssimas.

Santo Isidoro assevera que os mártires são testemunhas “porque sofreram para dar testemunho de Cristo e lutarem até à morte pela verdade”1. Segundo a teologia, o martírio inclui a morte ou padecimentos mortais que assemelham aquele que padece a Jesus Cristo, uma vez que o móvel de tal sofrimento é sobrenatural. O amor a Deus é a essência daquela atitude.

Grandes as tribulações que suportou Maria. A ela a Liturgia aplica as palavras de Jeremias: “A quem te compararei, ou a quem te assemelharei, ó filha de Jerusalém? A quem te igualarei, ó virgem, filha de Sião? É grande como o mar a tua tribulação; quem poderá curar-te”2?

A intensidade das dores desta Senhora foi na proporção mesma de sua imensa dileção para com seu divino Filho. Este era o Deus encarnado em seu seio materno, bem infinito a quem ela duplamente amava. É este Ser ao qual estava singularmente unida que ela contemplou entregue às maiores dores físicas e morais que a uma criatura foi dado experimentar.

Assim, com razão, ela é chamada Rainha dos Mártires. Seus padecimentos foram todos morais e seu verdugo implacável o seu terníssimo coração materno. Maria foi mártir não por paixão, mas por compaixão; não pela espada de um carrasco, mas pela pujante angústia interior, tão grande que, se não fora a graça divina, ela teria sido fulminada em cada transe doloroso pelo qual passou.

As dores morais são muito mais cruéis do que as corporais.

A história registra a capacidade incrível que as pessoas têm para, anos e anos, conviver com terríveis padecimentos físicos. A dor moral, porém, quando aguda, ou leva à loucura ou causa fulminante morte.

Uma vez que Deus quis associar Maria à obra salvadora, Ele lhe deu o suporte divino de sua força sobrenatural para que ela não desfalecesse.

O papa Bonifácio IV, quando incorporou ao cristianismo, a 13 de maio de 609, o antigo Panteão, o dedicou, apropositadamente, a Sancta Maria ad Martyres.

Ela por que muito padeceu, se tornou co-redentora da humanidade.

Os teólogos que tratam deste aspecto da mariologia são unânimes em frisar que os sofrimentos de Maria não eram absolutamente necessários à redenção. No sentido próprio da palavra só Cristo é o Redentor do mundo. Ele não precisa da cooperação de nenhuma criatura. Isto é ponto pacífico. Entretanto, há uma palavra de São Paulo sumamente expressiva: “Eu que agora me alegro nos sofrimentos por vós, e que completo na minha carne o que falta ao sofrimento de Cristo pelo seu corpo, que é Igreja”3. Não obstante a paixão do Salvador ser dum mérito infinito, e por isto completa, nada a lhe acrescentar os padeceres dos homens, o Apóstolo mostra que se coisa alguma faltou a Jesus sofrer no seu físico, no seu corpo místico, de que somos membros, há algo a ser completado pelo sofrimento. Deste modo, num sentido subordinado e participativo existe uma cooperação com o Salvador na redenção do mundo. É neste aspecto que, como ninguém, Maria co-participou. Suas tribulações não têm similar nos anais dos povos. Adite-se que ela é co-redentora também neste sentido de que, por desígnios imperscrutáveis de Deus, ela foi incluída no plano soteriológico. Dela, de fato, recebeu Cristo a natureza humana e dela se fez dependente em uma parte de sua vida. As atribulações desta Senhora, conseqüência inevitável de sua maternidade divina, se inserem então, de modo peculiar, no processo salvífico. O Todo-Poderoso, realmente, não iria permitir tantos desgostos sem motivos especiais. Seriam inteiramente ilógicos os dissabores e desares desta Mulher bendita se estes não tivessem uma destinação superior. O Pe. Faber declara: “Sendo, pois, simultâneas a Compaixão de Maria e a Paixão de Jesus, ou melhor dizendo, sendo aquela uma parte integrante desta, participa de seu caráter de sacrifícios e de expiação, e isto de modo e em grau singulares e incomunicáveis a qualquer padecimentos expiatórios dos santos. A Paixão foi o sacrifício de Jesus Cristo na Cruz e a Compaixão foi o sacrifício de Maria ao pé da Cruz, sua oferenda ao Eterno Pai, oferenda de uma criatura sem pecado, consumada para expiar culpas alheias”4.

A compaixão de Maria por vontade de Deus integrou a Paixão de Cristo. Suas aflições não foram um mero ornato nos passos atribulados de seu Filho. Não foram sem sentido. Se Deus as permitiu é porque, como soe acontecer na ordem universal, havia uma destinação sublime a tantos padeceres.

Pelo Evangelho se sabe de momentos cruciais para Maria, nos quais as fibras mais sensíveis de seu coração perceberam angústias horripilas.

Considerá-las é haurir preciosas lições.

 

PRIMEIRA DOR

 

Dor moral imensa, antecipação de todas as demais que deveria suportar é a que se abateu sobre Maria na apresentação de Jesus no templo. Com efeito, foi uma antecipação terrível de instantes lancinantes e cuja imprevisibilidade aguçou o sofrer da terna mãe. São Lucas narra o fato. Diz ele que, concluídos os dias da purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, ela e São José levaram o menino a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor. O velho Simeão, conduzido pelo Espírito Santo, foi ao templo e lá tomou Cristo nos braços e o exaltou como “luz para iluminar as nações e glória de Israel”5. Após abençoar José e Maria disse a esta: “Eis que este (Menino) está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição. E uma espada traspassará a tua alma, a fim de se descobrirem os pensamentos escondidos nos corações de muitos”6. Profecia terrível que obscurece para sempre a dita daquela mãe. Toda a tragédia messiânica se lhe antolha com rudeza singular. Ela sofre menos com a perspectiva de uma lâmina pontiaguda a lhe dilacerar o peito do que com a triste realidade sobre o seu dileto filho, signo paradoxal de vida e de morte. Daí por diante todas as vezes que ela contemplasse seu meigo Jesus as palavras cortantes do ancião hierosolimita seriam lembradas, furtando-lhe acremente as naturais alegrias que a infância oferece aos pais. Pondera Faber: “Daquela hora em diante, cada ato de Maria foi para ela um padecimento; cada gozo, uma fonte de amarguras. Não havia em sua alma um só recanto onde a aflição não penetrasse. Cada um de seus olhares para Jesus, cada movimento, cada palavra do Menino-Deus, suscitavam e exacerbavam sua amarga pena. O mero passar do tempo aumentava sua dor, porquanto apressava as lúgubres horas do Gethsemani, os tredos momentos do Calvário”7.

Importante, porém, é o fruto espiritual que se deve tirar de tanta angústia. O apreço que o cristão tiver pela graça divina, a qual custou inauditos tormentos a Jesus e a Maria, é como se revela gratidão por generosidade assim repleta de amor. Ao viver em plenitude esta vida divina, obtida à custa de exulcerações tão cheias de acridez, se valoriza o sangue de Cristo e o sacrifício incruento da Virgem Santa. Além disto, lembra Fulton Sheen: “Se Maria, sem pecado, aceita com alegria a espada que Lhe vem da Divindade sem mancha, qual de nós, pecadores, se lamentaria, quando o próprio Jesus nos permite sofrer pela remissão de suas faltas”8?

A primeira ferida fora aberta. O martírio apenas iniciara.

 

SEGUNDA DOR

 

Não demorou muito e o vaticínio sombrio de Simeão se desdobraria.

A José um anjo transmite uma ordem vinda do céu. São Mateus registra o fato. Nem bem os Reis magos haviam partido, após renderem suas homenagens ao divino infante, “eis que um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito, e fica lá até que eu te avise; porque Herodes vai procurar o menino para o matar. E ele, levantando se, tomou de noite o menino e sua mãe e retirou-se para o Egito. E lá esteve até à morte de Herodes”9.

Bem se pode aquilatar os sobressaltos da Virgem Santa ante a antevisão de um rei Todo-Poderoso a querer assassinar-lhe aquele que era as delicias de seu coração. As incertezas de um exílio, a penosa viagem para regiões desconhecidas foram, entre outras, preocupações a pungir-lhe o espírito. Durante o desconfortável percurso, o horror se apoderava constantemente dela. Qualquer ruído que poderia pressagiar a aproximação dos ímpios verdugos em busca de seu Jesus, proporcionava à mãe agoniada novos sobressaltos. As provações e privações que suportou em terra estranha fizeram deste episódio um dos mais horrendos vividos pela Sagrada Família.

Ante o mal Maria foge. Que belo ensinamento! A fuga de tudo que pode matar a vida da alma é tática espiritual de valia inestimável.

Herodes quer matar a criança. Maria a salva e repara com este gesto os assassinatos de tantos inocentes, ceifados barbaramente pela ignominia do aborto, crime execrando. Mãos satânicas de quem o pratica, desalmadas como as dos soldados de Herodes que trucidam e massacram. Corações de pedra que movidos pela cupidez, pela obsessão do poder cometem os maiores desvarios. Espezinham impiamente o mandamento sagrado: “Não matarás”. Maria sofre para defender a vida de Jesus e é um convite vivo às mães para que nunca se façam cúmplices de um assassinato, através do aborto criminoso.

Muito atormentada a Mãe ao fugir com um Bebê nos braços. Entretanto, “se fosse necessário, mil vezes Ela fugiria para o Egito, mil vezes suportaria temores, para impedir que uma só alma cometesse qualquer pecado, tudo por amor de Seu Filho, por amor de Deus”10. Aí está um outro pensamento para uma profunda reflexão dos que cultuam as dores da Mãe sofredora.

 

TERCEIRA DOR

 

Agora Jesus tem doze anos e “crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos homens”11. É então que a Providência reserva a Maria outra dramática ocorrência. Está também no Evangelho.

Todos os anos José e Maria iam a Jerusalém por ocasião da Páscoa. Ao regressarem da cidade santa o Menino Jesus lá ficou. Era costume caminharem os homens e as mulheres em grupo separados. Foi natural que os pais não dessem falta do filho amado. ao perceberem sua ausência, imediatamente, voltam a Jerusalém e, durante três dias, se põem a procurá-lo. Encontram-no no templo entre os doutores.

As palavras de Maria revelam o que fora o pesar daquelas horrentes horas: “Filho, porque procedeste assim conosco? Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição”12.

Foram, de fato, de esquisita acridão aqueles dias horroríficos. No Egito, apesar dos pesares, ela tinha Cristo junto a si e isto mitigava-lhe um pouco as angústias. Doridos foram, porém, os instantes sem Ele e, na verdade, sem saber onde ele estava. Maria perguntava a si mesma se não teria sido incúria sua aquela triste perda. Por entre ansiedade horrífica vasculhou a capital, onde os transeuntes indiferentes em nada dulcificavam sua agonia. Sua alma foi envolta por caliginosas trevas. Estar longe daquele que era seu amor supremo significava um martírio de incalculável proporções. Nada a podia confortar.

Qual a razão daquela acerba aflição?

Para ensinar aos homens a buscarem a Cristo sempre que o perderem pelo pecado.

Reflete Fulton Sheen: “Mostra-nos Ela que, quando perdemos a Deus, não devemos limitar-nos a esperar que Ele volte. Devemos ir procurá-lo, e é ela que, para a alegria de nossa alma, sabe onde o pode encontrar”13.

É ela que conduz o pecador arrependido ao templo para, através da absolvição, reaver a presença de Deus dentro de si. É ela que leva o sacerdote ao pecador moribundo e o faz reconciliar de novo com Cristo Salvador. É ela, pelo que sofreu nesta busca de seu Filho, que mereceu a conversão de tantos espíritos rebeldes e reparou a indiferença de muitos que vivem longe do redil do Bom Pastor.

Muito importa ao devoto de Maria mentalizar realidades tão consoladoras. Ela revela que há sempre um caminho para reencontrar Cristo longe do qual prolifera a tristeza e a angústia existencial.

 

QUARTA DOR

 

O quarto ato do drama pungente de Maria foi seu encontro com Cristo na Rua da Amargura. Ela, que estaria junto à cruz como atesta São João14, “o seguia na grande multidão de povo e de mulheres” conforme nos relata São Lucas15. Espetáculo dantesco: a mais terna das mães a ver seu filho dileto retalhado de feridas, levando pesado lenho às costas rumo ao local onde iria ser impiedosamente crucificado. Ouve estarrecida injúrias, insultos, blasfêmias. Contempla-O escarrado, ensangüentado a caminhar envolto em horríferas tribulações. Chocante para a mãe atribulada vislumbrar a cabeça de seu dileto filho coroada de penetrantes e agudos espinhos. Ela o percebe débil a cair diversas vezes por terra. Nada, contudo, pode fazer por ele. Nunca uma mãe fora submetida a tamanho vexame. Admirável, entretanto, a fortaleza daquela mulher extraordinária.

Adite-se que, enquanto Jesus com sua palavra divina deslumbrou as multidões e arrastou admiradores ou enquanto ele deixava manifestar fulgores do céu, por meio de seus portentosos milagres, Maria, a humilde Madona, como que temerosa de atrair sobre si algo da glória do filho, ocultava-se inteiramente. Agora, porém, que Jesus se despojará de seu poder e é perseguido, desprezado, caluniado e é conduzido como vil criminoso rumo ao patíbulo, eis Maria presente, humilhando-se e com ele se sacrificando. Muitos cristãos seguem a Cristo em suas pregações e prodígios. Gostam de estar nos cimos iluminados do Tabor. Amam os resplendores da glória das palmas e triunfos do dia de Ramos em Jerusalém. Aí, contudo, encerram sua religiosidade. Seu bruxoleante amor não os leva ao Pretório, à Rua da Amargura ou ao Gólgota. Não prezam a renúncia, o sacrifício. Estão presos às veleidades de suas paixões. Insensatez total! O cristianismo não é isto! As palavras de Cristo foram claras: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua e siga-me”16. Dizeres que reforçam estes outros: “E o que não toma a sua cruz e me segue, não é digno de mim”17.

Maria seguindo a Cristo nas sangrentas sendas que levam ao Calvário é uma admoestação aos cristãos e um convite para que eles se revistam do espírito de Cristo e vivam uma existência de sacrifício, sob pena de não conseguirem a salvação de suas almas.

Exemplo sublime de humildade! Com esta atitude ela fulmina a soberba e o egoísmo de tantos que só procuram a própria exaltação, muitas vezes, às custas do sofrer alheio.

Fulton Sheen aborda outro aspecto não menos importante: “Se uma mãe absolutamente santa como Maria, que merecia a poupassem a todo mal, pode, pela providência de seu filho levar uma cruz, como é que nós ‑ que tão longe nos encontramos de sua pureza ‑ podemos escapar às nossas”18?

Além disto, o encontro de Maria com seu Filho na via dolorosa é uma reparação de todos os encontros dos cristãos com o pecado nos muitos desencontros com Deus e seus sagrados preceitos.

 

QUINTA DOR

 

A espada de Simeão dará no Calvário o seu golpe mais cruel. São João historiou a cena, após descrever a crucificação do Redentor: “Entretanto estavam de pé junto à cruz de Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena”.19 Sem ponderação o que padeceu a Senhora durante as três horas de agonia de Cristo. Não foi apenas assistir um carrasco a executar uma iníqua sentença, senão presenciar os requintes da malvadez nos últimos limites da insensibilidade humana. Feridas abertas, a tentania terrifica, a febre ardente, a sede hórrida atormentavam o filho e ela impotente impossibilitada de lhe propiciar qualquer refrigério. Quais línguas de cadente fogo percorriam o corpo chagado de Jesus e a mãe percebia o quanto Ele padecia. Como se não bastassem as tribulações físicas, a irrisão, as gargalhadas, os ultrajes somavam-se àquele sofrer imenso do Filho dileto. As sete palavras de Cristo foram outras tantas feridas para o coração de Maria, que nelas percebia outras facetas do enorme sofrimento. Os inimigos de Jesus quais negros abutres sugavam as carnes divinas e estraçalhavam a angustiada alma do Homem-Deus. Maria não caiu fulminada porque a onipotência divina a sustentava admiravelmente. Foge a qualquer tentativa humana descrever com propriedade momento tão plangente. É impossível ao espírito do homem penetrar amargor tão profundo. Pobre mãe! Era preciso que, assim como Eva perdera a humana linhagem deleitando seus olhos na árvore paradisíaca e colhendo dela o fruto de perdição, ela ajudasse a salvação do gênero humano sofrendo terrível martírio ante a visão do Filho pendente da árvore da cruz, experimentando no seu intimo o fruto santo, mas repleto de acridão de um sofrer tão grande.

O amor exige correspondência. Se Cristo padeceu e morreu numa cruz e a seu lado tanto foi atormentada sua Mãe, tudo isto por causa da dileção que votavam aos homens, cumpre retribuir a estes afetos com toda a generosidade e gratidão. Amor com amor se paga, diz o brocardo popular.

O cristão que trabalha pela sua santificação e luta tenazmente contra o mal está valorizando o que o Salvador e sua Mãe fizeram por ele.

A cruz de Cristo é a partilha do cristão.

Os olhares amorosos para o Crucificado insuflam coragem na pugna cotidiana para fazer da paixão de Jesus e da compaixão de Maria a redenção de todo o mundo.

 

SEXTA DOR

 

Cristo desfalecido é tirado da cruz por Nicodemos e José de Arimatéia20. Oh instante lancinante! Maria que nada pudera fazer até então por seu amado filho, percebe, de fato,  ao vivo que só restava a ela curtir o oceano de dor, cujas vagas lhe inundavam o ser. De perto vê agora o corpo de seu Jesus coberto de equimoses. Era uma chaga dorida todo ele, maltratado e estraçalhado. Transe angustiante e de indescritível amargura! Aquele que era o mais belo dos filhos do homens aí está desfigurado e marcado com o ferrete da ignomínia, totalmente deformado. Diante de um quadro assim penoso e triste se compreende melhor quão indesejável é o pecado. Foram as transgressões humanas à lei divina que reduziram Cristo a este lastimável estado. Aí a causa de todo aquele tormento para Maria. A fim de recuperar a formosura das almas, Jesus foi deste modo reduzido a um frangalho humano, afeiado e triturado.

Donde, se as prevaricações dos homens exigiram estes sacrifícios, é mister que se tenha na devida conta a graça santificante. Tão só deste modo se demonstra a Maria e ao divino Redentor uma real gratidão por tudo.

Escreveu belamente Fulton Sheen que “nesse instante, transforma-se ela na mãe de todos os filhos pródigos do mundo, preparando-os — pelos misteriosos ungüentos de sua intercessão –– para o dia longínquo, em que a vida e a ressurreição correrão em suas veias, quando eles avançarem nas asas da manhã”21.

Desolada mãe que ainda não verá o fim de seus tormentos! Se sem medidas era sua tristeza por ver o lamentável estado de seu amantíssimo Jesus, todavia ela ainda o tinha perto de si. Mais um pouco e nem este pequeno consolo ela o terá. A antevisão do sepultamento de Cristo a atribula mais ainda.

Admirável, porém, sua fortaleza interior.

Ela irá até o fim nestas trilhas tenebrosas da dor para continuar dando sua contribuição de co-redentora à regeneração da humanidade, lembrando aos homens a cota de sacrifício que Deus exige de cada um no processo salvífico pessoal.

 

SÉTIMA DOR

 

A soledade imergiria a mãe dorida num pélago ainda mais profundo. Diz São João: “Ora no lugar em que Jesus foi crucificado, havia um horto e no horto um sepulcro novo em que ninguém ainda tinha sido sepultado. Portanto, por ser o dia de Parasceve dos Judeus, visto que o sepulcro estava perto, depositaram aí Jesus”22. Naquela hora, ao ouvir o golpe da pedra sepulcral fechando o túmulo, o coração desfibrado de Maria foi inundado numa mágoa sem par. A saudade, com todas as suas garras pontiagudas, estraçalharam ainda mais o ânimo daquela Madona sofredora.

A soledade é o tormento mais cruel para as almas aflitas e tomadas por constante padecer. Qualquer casa, quando a morte a deixou vazia, é fria e massacrante pelo ar lúgubre que nela reina. Em cada canto uma lembrança. Foi ao regressar à sua habitação, no silêncio da noite, que todo o pesar da solidão se abateu sobre a Mãe angustiada. Sua imaginação, exaltada pelos eventos daquele dia, lhe trazia à memória as cenas sangrentas do martírio do Filho. Com detalhes ela revivia detalhadamente os aspectos de tudo que com Ele ocorrera.

Três dias de pranto e dor que consumaram o sofrer daquela Senhora e lhe deram definitivamente o título de Rainha dos Mártires.

Abandonada à sua dor, ela, contudo, não se revolta e renova sua aceitação dos desígnios divinos e sua inteira submissão à vontade de Deus. Perdoa os inimigos e algozes de seu Filho e acata inteiramente os misteriosos decretos do Onipotente.

Ensinamentos valiosos a serem assimilados pelos devotos de Maria. Ela ouvira há pouco Jesus dizer: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”23. Segue então os gestos de Cristo e anistia completamente todos que maltrataram tão duramente o seu Filho.

Pelos caminhos da vida, batidos por tantas agruras, é aos pés da mãe sofredora que o cristão depara, sempre, alívio e conforto. Pelo muito que padeceu, Maria pode aquilatar o amargor da lágrima de cada um e lhe propicia o lenitivo e o bálsamo. Ela confere a quem a suplica ânimo e inspira sentimentos de perdão cordial ante a calúnia, a perseguição, as afrontas.

Nos instantes de solidão, a lembrança do padecimento da Mãe celeste a sofrer os rigores de sua soledade, após o sepultamento de seu Filho até sua gloriosa ressurreição dos mortos, é luz que guia, impedindo qualquer desânimo. Ela está sempre a dizer a cada um que, por mais impetuosa que seja a borrasca, brilhará o sol a qualquer momento. O amanhã será melhor!  Além de todos os dissabores deste exílio está o fulgente dia da eternidade bem-aventurada. Basta que se imite a Virgem Mártir que não desfaleceu e não teve o mínimo rasgo de desespero. Não sucumbiu à dor e, por isto, conheceu depois o júbilo pascal.

 

CONCLUSÃO

 

A devoção à Mãe das Dores, Rainha dos Mártires, sobre ser um culto de gratidão, significa estar matriculado na escola de uma Mestra admirável, que ensina preciosas lições que formam o cristão e lhe retemperam o ânimo.

A resignação com que ela suportou, por amor a seus filhos espirituais, tamanhos sofrimentos, é realmente digna de imitação.

Ela patenteia que a tribulação e a dor são caminho real por onde as almas piedosas sobem ao cume da perfeição e entram nas regiões beatificantes da mais profunda comunhão com Deus.

Honrar Nossa Senhora das Dores implica num imediato e radical aborrecimento do maior de todos os males que é o pecado, morte da alma e causa dos dissabores que ela experimentou.

A exemplo de Maria cumpre cooperar na obra da salvação empreendida por Cristo, levando os corações empedermidos a aceitarem as graças que jorraram das cinco chagas sagradas do Redentor.

Venerar a Rainha dos Mártires é receber especial fortaleza, energia celestial para os embates da existência até à vitória final.

O muito que ela sofreu insufla, por outra, confiança na sua dileção materna. Não apenas ela compreende as decepções humanas, como ainda, lá do céu, continua sua tarefa de co-redentora dos filhos que ainda atravessam o exílio terreno.

Declara o Pe. Faber: “Crescer na devoção a Maria é penhor seguro de progredir em toda a espécie das boas obras. Não há tempo melhor empregado, nem meio mais infalível de se assegurar a bem-aveturança. Mas a devoção, em resumo, não nasce tanto da veneração como do amor, por mais que esteja unido a este. Nada, contudo, mais adequado para excitar nosso amor à Santíssima Virgem como suas dores”24.

Assim, refletir sobre elas é ver crescer a dileção para como esta Mãe sofredora e aspirar um dia estar com ela por toda a eternidade, a fim de render-lhe um pleito perene por tudo quanto padeceu pela regeneração dos homens. Na Jerusalém celeste ela é a Senhora da Glória, a espera daqueles que ela ajudou tanto a regenerar.

Como, porém, per crucem ad lucem –- é pela cruz que se chega à luz sempiterna, cultuar a Senhora das Dores significa estar sempre junto à cruz redentora, jamais deixando a cruz que a cada um Deus reservou nesta peregrinação, cujo fim é uma ventura perene, merecida pelos sofrimentos de Jesus e pela compaixão de Maria.

 

NOTAS

 

1 Santo Isidoro, Etym. 7 c 11.

2 Lamentações 2,13.

3 1 Colossenses 1,24.

4 Frederico G. Faber, Al pie de la Cruz, Madrid, Hijos de Gregório del Amo, S. L. Libreros Editores, 1952, p. 435.

5 Lucas 2,32.

6 Idem, ibidem 34.

7 F. Faber, op. cit., p. 100.

8 Fulton Sheen, O Primeiro Amor do Mundo, Porto, Editora Educação Nacional, 1954, p. 315.

9 Mateus 2,13 ss.

10 Fulton Sheen, op. cit., p. 318.

11 Lucas 2,52.

12 Idem, ibidem 48.

13 Fulton Sheen, op. cit., p. 325.

14 São João 19,25.

15 São Lucas 23,27.

16 Mateus 16,24; Marcos 8,34.

17 Mateus 10,38.

18 Fulton Sheen, op. cit., p. 329.

19 São João 19,25.

20 Idem, ibidem 38 ss.

21 Fulton Sheen, op. cit., p. 340.

22 João 19,41.

23 Lucas 23,34.

24 F. Faber, op. cit., p. 83.

13 de abril de 2022
0 FacebookTwitterPinterestEmail
Páscoa

Sermão do Encontro

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

Meus queridos irmãos e irmãs,

Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Reunimos-nos nesta noite de terça-feira da Semana Santa para (contemplarmos) revivermos um encontro singular: (o) de Nosso Senhor e Redentor Jesus Cristo com a sua Mãe Santíssima, Nossa Senhora.

Aqui (nesta noite memorável, simbolicamente) se encontram (toda) a humanidade pecadora (com suas maselas e dores)  diante do Redentor e da Co-Redentora.

Aqui, (também) nos encontramos com nossos pecados, com nossas dificuldades, com nossas (misérias e angústias) contingenciamentos para celebrarmos o encontro do Filho com a Mãe.

1.Encontros e Desencontros.

Jesus passou a sua infância e a maior parte de sua juventude no silêncio da humilde cidade de Nazaré na convivência de seu pai adotivo São José e de sua Mãe, a Virgem Maria.

Poucos o conheciam, pois ele levava uma vida semelhante à dos outros moradores de Nazaré.

Mas, consciente da missão que recebera do Pai, Jesus se põe na direção dos homens e das mulheres e com eles estabelece diversos tipos de encontro: Encontro com as multidões; encontro com os pequenos grupos e encontro individual com as pessoas.

Houve encontros prazenteiros, onde Jesus sentiu a boa vontade de seus ouvintes: um coração sensível aberto à graça e a disponibilidade para servir a Deus nos irmãos.

Mas houve também encontros difíceis.

Isso acontecia quando os ouvintes não aceitavam as palavras de Jesus nem seu projeto (de salvação) nem sua pessoa.

Encontros desse tipo (foram aqueles que Jesus manteve com as autoridades daquele tempo. Elas, além de não acatarem sua doutrina e o caminha de salvação proposto, procuravam, a todo momento, motivos para o matar.)  são os que Jesus realizou com as autoridades de seu tempo que procuravam de todo modo e maneira um jeito para matá-lo.

  • Encontro de Jesus com as autoridades.

 ( O Evangelho está repleto desses encontros, nos quais os Senhores da Lei, a semelhança de um detetive, estavam a todo tempo, vigiando na busca de um deslize, de uma contradição para o levar a morte, para o eliminar da terra dos vivos:

– Senhor é lícito pagar tributo a César?

– Essa mulher foi surpreendida em adultério e pela lei de Moisés deve ser morta a pedradas. O que o Senhor diz?

– Moisés autorizou a dar carta de divórcio. Qual a sua opinião?

– É lícito Senhor, curar em dia de sábado?

– Essa mulher teve vários maridos, conforme prescreve a Lei de Moisés. Na, ressurreição dos mortos, com qual ela ficará?

– Porque seus discípulos não respeitam o sábado?

E, assim, procuravam a todo tempo, desestabiliza-lo, hostiliza-lo para encontrar motivos para eliminá-lo da terra dos vivos.)

As autoridades civis, militares e mesmo religiosas sentiam-se incomodadas com a pregação de Jesus de Nazaré.

Viam que ele era uma ameaça para o comodismo e o modo de viver deles. (Pois impunham grandes fardos nos ombros das pessoas, mas eles mesmos ficam alheios a eles. Tinham vida de aparência. Eram como sepulcros caiados: belos por fora e podres por dentro. Quando oravam se vestiam o faziam com grande pompa, para que fossem vistos e elogiados.)

Eles cuidavam de seus próprios interesses, oprimiam o povo e dele tiram proveito.

As autoridades civis trabalhavam em benefício do poder central e opressor de Roma.

As autoridades militares legitimavam um estado de ocupação.

As autoridades religiosas não aceitavam Jesus porque Ele operava curas nos dias de sábado e inaugurava um novo mandamento: o mandamento do AMOR.

Jesus não concordava com estas atitudes.

Não é esse o plano de Deus.

O Plano de Deus é em primeiro lugar estabelecer a justiça e a paz no mundo. Em segundo lugar Deus quer se desenvolva a prática do amor.

Por fim Deus quer que se realize a partilha entre todas as pessoas. Repetir

Portanto, o projeto de Jesus não coincidia com o projeto deles, por isso queriam (o) matar a Jesus.

Assim preparavam-lhe armadilhas, colocavam o povo contra Jesus e planejavam a sua morte.

  • Encontro de Jesus com o povo.

(Mesmo que) Os grandes deste mundo o desprezavam ( ao Cristo,) mas os simples, os humildes, os marginalizados, acorriam a ele.( as pessoas simples, pobres, espoliadas acorriam a Jesus.)

Jesus sempre tinha uma palavra de conforto e de paz para os pequenos e humildes:

– Felizes os pobres, porque, deles é o reino de Deus.

– Vinde a mim os angustiados e tristes e eu os aliviarei.

– Não andeis tristes e preocupados. Olhem os passarinhos, não trabalham, nem plantam, quem os alimenta?

– Aprendei de mim. Sou manso e humilde de coração.

Para Jesus eram reservados encontros muito significativos: encontro de Jesus com os doentes para que fossem curados.

As pessoas que tinham os seus corações machucados eram reconfortados com o encontro com o Cristo.

Os homens e mulheres que possuíam mentes confusas acorriam ao Cristo para buscar a sua orientação.

Os pecadores, que eram aqueles excluídos da sociedade, corriam ao encontro do Cristo para que seus pecados fossem perdoados.

E recebiam o conforto e a paz que vem do Cristo.

E todos recebiam o conforto e a paz, que vem de Jesus. Repetir

Aqueles que estavam sedentos da Palavra de Deus aplicavam seus ouvidos e a atenção para às palavras do Mestre.

Outros que queriam se encontrar com o Cristo eram aqueles que necessitavam de tocar no Cristo, pois de seu “corpo saia uma energia que curava a todos”. (Cf. Lc 6,19).

Esses encontros eram gratificantes para Jesus, porque ele via uma multidão disposta a receber a salvação que Ele oferecia gratuitamente. Não às coisas do mundo para receber a recompensa eterna do céu.

1.3 – Encontro de Jesus com a mulher samaritana (Cf. Jo 4,42).

Jesus teve um encontro particular com a samaritana.

Era o momento da graça de Deus.

A samaritana custa a entender aquele judeu que fala com ela à beira do poço.

É Jesus que lhe propõe a libertação, desde que ela aceite converter-se.

Há um longo e rico diálogo que leva a conscientização.

 Jesus jamais força a pessoa a aceitar a sua proposta. Repetir

Com educação, adaptando-se à ouvinte, Jesus lhe faz bem no fundo da alma.

A samaritana faz revisão de sua vida passada, de seus pecados e quer o encontro com o Cristo.

Reconhece que está toda torta: vivia na superficialidade e se tornara objeto que passa de um homem para outro – porque teve sete maridos.

Desse encontro renasce a alegria, a esperança de dias úteis, a certeza de vida fecunda.

  • – Encontro de Jesus com um leproso (Cf. Mc 1,40-44).

 Os leprosos eram obrigados a viver isolados da comunidade dos chamados “sadios”!

Zanzando pela periferia das cidades, eles gritavam para ninguém se aproximar, que eles eram impuros.

Todos os abandonavam. Eram objeto do desprezo de todos. Quem encostasse num leproso, conforme a lei da época, era considerado impuro.

Eis que chega um leproso suplicando que Jesus o cure de sua lepra. Jesus quebra o esquema dos judeus: vai fazer o que os judeus não permitiam pelo rigorismo de um entendimento errado da Lei do Antigo Testamento.

Jesus encurta a distância: deixa o doente chegar perto.  

Para Jesus, impuro não é quem tem doença de pele, mas quem fabrica a maldade em sue coração. Repetir.

A verdadeira impureza vem de dentro; não se vê. O homem deseja ardentemente ficar curado.

Jesus vai ao encontro de sua fé.

Que assim seja, Jesus estende a mão e toca no homem cheio de lepra. É um doce encontro libertador!

Lição magna e forte para nós que costumamos classificar as pessoas em “bons”,  “médios” e “maus”.

Ou conforme a simpatia e a antipatia que inspiram.

Ou ainda de acordo com o modo como se apresentam: se estão bem arrumados, roupa bonita, perfumados, lhes damos um tipo de tratamento; pelo contrário se estão com roupas sujas, ( transpirando álcool) fedendo pinga, cabelos ensebados, maltrapilhos, então fingimos não (os )ver…

1.5 – Encontro de Jesus e a pecadora. (Cf. Lc 7,36-50)

             O Encontro de Jesus e a pecadora é o encontro com gera o amor.

Jesus foi convidado por um certo fariseu para tomar uma refeição em sal casa.

Neste encontro apareceu uma certa mulher, muito conhecida na cidade como pecadora pública.

Esta mulher levou um frasco de alabastro com perfume e começou, chorando aos pés de Jesus, a ungir o mesmo com o perfume.

O fariseu que havia convidado o Senhor para a refeição ficou apavorado e um pouco perplexo de Jesus acolher aquela mulher que era pecadora pública.

E Jesus numa parábola conhecida disse: “Certo credor tinha dois devedores.

Um lhe devia quinhentas moedas de prata, e o outro lhe devia cinqüenta.

Como não tivessem como que pagar, o homem perdoou a ambos.

Qual deles o amará mais?

Simão respondeu: Acho que é aquele a quem ele perdoou mais.

Então Jesus voltou-se para a mulher e disse a Simão: Está vendo esta mulher?

Quando entrei em sua casa, você não me ofereceu água para lavar os pés; ela, porém, banhou meus pés com lágrimas, e os enxugou com os cabelos.

Você não me deu um beijo de saudação; ela, porém, desde que entrei, não parou de beijar meus pés.

Você não derramou óleo na minha cabeça; ela, porém, ungiu meus pés com perfume. Por essa razão, eu declaro a você: os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados, porque ela demonstrou muito amor.

Aquele a quem foi perdoado pouco, demonstra pouco amor”.(Cf. Lc 7, 41-47).

(Aqui meus queridos irmãos. Tocamos no mais profundo e a mais difícil exigência do Evangelho. O perdão. Pedoar não é fácil. Não é fácil para mim, que sou padre, não é fácil para qualquer cristão. Cristo mesmo disse: perdoar a quem nos perdoa é fácil. Mas perdoar a quem sequer sabe que eu existo, é muito difícil.

Aqui, vai também, uma outra reflexão: o perdão, meus queridos irmão, só beneficia a quem perdoa. O perdoado, muitas vezes está ai, dançando e feliz, nem sabe que eu, que vocês estão remoendo a ofensa, carregando um pesado fardo, relembrando a ofensa recebida. O perdão alivia e traz a paz. Perdoar é o maior ato de amor.

Perdoar é devolver ao outro o direito de ser feliz. Repetir.

Só aquele que assumiu Jesus Cristo, para quem perdoar era uma festa, pode olhar dentro de si e dizer: Meu Pai, em teu nome, com teus olhos e com teu modo de ser, perdôo e esqueço aquela ofensa: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.”

Meus irmãos, muitas vezes queremos que o Cristo venha ao nosso encontro somente por uma situação ritual ou exterior.

Devemos nos converter e ter os mesmos sentimentos de Cristo e da Igreja: perdoar a todos.

Encontrar-se com os pecadores para que eles retornem a Casa do Pai, aonde há muitas moradas e que tudo, tudo é perdoado para aqueles que se arrependem de seus pecados.

Nesse encontro de Jesus e a pecadora está o encontro de Jesus com todos quantos querem a sua misericórdia, a sua paz e a sua benevolência.

Misericórdia, Senhor, Misericórdia, Misericórdia . Repetir.

  • – Encontro de Jesus e Zaqueu (Cf. Lc 19, 1-10).

O Encontro de Jesus e de Zaqueu significa que o Rico também pode se salvar.( salvar-se.)

(A riqueza não condena ninguém, mas sim o apego a bens que hoje existem e amanhã são poeira e nada. Ajuntem, diz Jesus, bens que não comem a traça, nem são destruídos pelo tempo. Buscai o reino de Deus e tudo o mais lhe será dado por acréscimo. Viver isso e salvar-se).

Contemplemos o encontro de Jesus com ZAQUEU.

Jesus, naquele tempo tinha entrado em Jericó, e estava atravessando a cidade.

Havia em Jericó um homem de nome Zaqueu.

Zaqueu era chefe dos cobradores de impostos e, por conseguinte, era um homem muito rico.

Zaqueu tinha um grande desejo: encontrar-se com o Cristo, ver como era Jesus, mas não o conseguia, por causa da multidão, porque Zaqueu era de estatura pequena.

Assim, Zaqueu saiu na frente e subiu na figueira para ver Jesus passar.

Quando Jesus chegou ao lugar, teve compaixão de Zaqueu, olho para ele e disse: Zaqueu, desça de pressa da figueira porque hoje eu irei ficar em sua casa.

Zaqueu desceu rapidamente e recebeu Jesus com alegria em sua casa. Mas, todos admirados com a atitude de Jesus de ir ao encontro do chefe dos cobradores de impostos recriminavam a Jesus de estar com ele, Zaqueu o pecador.

Hoje queremos contemplar o encontro de Jesus com todos os pecadores do mundo e vamos pedir a graça que teve Zaqueu, de doou a metade de seus bens aos pobres e afirmou que se roubou alguém estaria devolvendo quatro vezes o valor.

Assim Jesus anunciou que a salvação naquele dia entrava na casa de Zaqueu, porque de fato o Filho do Homem veio procurar e salvara o que estava perdido.

Que Deus ilumine a tantos quantos estejam perdidos na vida e procuram o Cristo para recostar os seus sofrimentos, as suas feridas, as suas dores físicas e espirituais.

Que, hoje, também, a Salvação entre em minha casa. Repetir

1.7. – O Encontro de Jesus com o cego Bartimeu (Cf. Mc 10,46-52)

Jesus saiu de Jericó com os seus discípulos e uma grande multidão que o acompanhava.

Na beira do caminho havia um cego que se chamava Bartimeu, cujo nome significa, filho de Timeu.

Ele estava sentado pedindo esmolas.

Bartimeu quando ouviu dizer que era Jesus Nazareno que estava passando pelo caminho, começou a gritar com todas as suas forças: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!”.

Muitos o repreenderam  e mandaram que ele ficasse calado.

Mas ele continuou a gritar, mais alto, ainda: Filho de Davi, tem piedade de mim.

Jesus, então parou e disse: Chamem o cego.

Eles chamaram o cego Bartimeu e disseram: Coragem, levanta-te porque Jesus está chamando você”.

Bartimeu, o cego, largou o manto, deu um pulo e foi até Jesus.

Então Jesus lhe perguntou: O que queres que eu faça por você?

O cego respondeu: Mestre, eu quero ver de novo. Jesus disse: Podes ir, a sua fé curou você, Bartimeu.

No mesmo instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus  pelo Caminho.

Que nós possamos ser como Bartimeu, que foi um verdadeiro discípulo.

Sem ver acreditou que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, aquele que tem poder para curar toda a falta de visão, toda a cegueira.

Digamos juntos: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim. Repetir.

1.8. – O Encontro de Jesus com Marta e Maria (Cf. Lc 10,38-42)

Jesus, quando caminhava entrou num povoado, e foi (descansar em casa de Marta e Maria. Elas o receberam, como sempre o faziam) se encontrar com uma mulher, de nome Marta que o recebeu em sua casa.

Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés de Jesus, e ficou escutando a sua palavra.

Marta estava ocupada com muitos afazeres da casa, para atender melhor a Jesus.

Aproximou-se ela de Jesus e lhe falou: Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!

Jesus lhe disse: Marta, Marta! Você se preocupa demais  e andas muito agitada com muitas coisas.Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.

Que Deus nos encaminhe para este Encontro doce com a Palavra de Deus. Saber ouvir a palavra salvadora de Jesus e o que ele tem para dizer a cada um de nós: convertei-nos e crede no Evangelho.

Senhor, nós cremos no seu Evangelho! Repetir.

 – Encontro de Jesus com os discípulos.

Jesus encontra-se constantemente com os seus discípulos.

Hoje Jesus encontra-se com todos os batizados que estão nesta praça. Praticamente Jesus convive com eles.

Dentre os discípulos Jesus escolhe a doze, a quem dá o nome de apóstolos e com estes mantém um contato mais permanente, depositando neles sua confiança, instruindo-os sobre a boa-nova que eles deverão viver e comunicar.

Próximo à Paixão, Jesus tem um encontro com alguém de sua companhia diária: Judas, o Iscariote.

Indesejável encontro! Encontro de traição: “Judas, com um beijo, entregas o Filho do Homem?”

Realmente não há encontro. Foi o desencontro.

As carinhosas palavras do Mestre não atingem o discípulo rebelde.

Não há diálogo, não há tempo para reflexão. Jesus é agarrado pelos soldados. Cada qual segue sua estrada: Jesus é conduzido para a morte consciente; Judas, para o desespero.

Entre os Apóstolos, um se destaca pelo seu ardente amor a Jesus.

No Jardim das Oliveiras ele tenta defender o Mestre, utilizando a destreza e a violência: É Pedro. Jesus diz que a violência não faz parte de seu projeto: “Guarda a espada(…) o meu reino não é deste mundo. Se fosse, eu teria uma multidão para me defender”.

Mas Pedro vai fraquejar.

Seu entusiasmo esfria quando vê Jesus amarrado, sendo arrastado diante dos tribunais: “Não conheço este homem!”.

Mentiroso, Pedro tira o corpo fora.

Jesus o tinha avisado: “Antes que o galo cante, me negarás três vezes”.

O galo cantou e Pedro caiu em si.

Acabava de negar o Amigo, o Companheiro das Caminhadas, o Senhor.

O olhar de Jesus e o olhar de Pedro cruzam-se.

O olhar de Jesus quer passar um recado: “Pedro, sempre há uma chance para quem reconhece os seus próprios erros e muda de vida, quer a conversão”.

Pedro abaixa os olhos.

Todo seu ser queima por dentro.

Ele não podia fazer isso, trair o Mestre!

Arrepende-se profundamente e derrama lágrimas amargas.

Pedro, o discípulo impetuoso, jamais se esquecerá da ternura desse olhar renovador!

Perdão, meu Jesus. Perdão Deus clemente, perdão, Deus amor. Repetir.

1.10.  – Encontro de Jesus com Maria.

A Caminho do Calvário, um encontro especialíssimo que revivemos nesta noite santa: Jesus encontra-se com Maria.

            O filho querido caminha em direção ao lugar do sacrifício, e no caminho encontra-se com a mãe dolorosa.

Encontro doloroso, mas para ele confortador!

Contemplemos. Como teria sido doloroso para a Mãe ver seu Filho, que durante a vida toda só fez o bem, só deu exemplo de misericórdia e perdão. E agora, o vê ensangüentado, carregando uma imensa Cruz, única e exclusivamente, porque o entregaram a morte por inveja e pela rejeição da doutrina do amor.

Encontro de fé. Maria, apesar de toda dor, reconhece naquele condenado, a pessoa de seu Filho amado e vê naquele incompreensível  martírio a vontade do Pai, que por amor de nós, entregou seu Filho a morte.

Presença feliz da mãe, certeza da mão amiga, garantia da solidariedade para enfrentar a sua missão que é a Paixão, Morte e Ressurreição.

Maria, a mãe, faz o que pode.

O momento não é para celebrações e muito menos para abraços.

Encontro trágico e os encarregados de assassinar o Nazareno têm pressa de levá-lo para o Patíbulo da Cruz, por isso é necessário afastar as “pessoas incômodas”.

Maria se retira em prantos.

Afinal, aquele jovem desfigurado que vai ali carregando a Cruz é o seu filho.

Maria não o perde de vista.

E no meio do alvoroço de soldados e povo, entre caçoadas e lágrimas, Maria acompanha o seu filho até o fim.

Na mente e no coração da Virgem Santíssima repassa o nascimento, a infância e os anos de juventude do filho no doce lar de Nazaré.

Relembra Maria, também, os encontros e desencontros dos homens com Jesus durante a sua vida pública: quantos o procuravam para melhor conhecer e amar?; Quantos se dispõem a crer no amor a Deus e aos irmãos?; Quantos querem segui-lo e testemunhar a sua presença e oração no mundo? Ele continua a nos dizer: “Fazei tudo o que Ele mandar. Repetir

 

          Entretanto: Outros se afastam de seu projeto de amor e de partilha e o consideram um inoportuno.

Há quem o agride e fere, ao agredir e maltratar os irmãos.

Muitos querem elimina-lo, sempre que matam alguém dentre seus fiéis seguidores.

E eu vos pergunto nesta noite: De que lado nós estamos? Qual é a qualidade de nossos encontros com o Cristo? Em nossa família, como se realiza o encontro: do marido e a mulher?; de pais e filhos?; de irmãos entre si.

Que tipo de pessoas não aceitamos em nossa convivência e em nossa comunidade paroquial? Pobres, doentes, bêbados, aidéticos e drogados?

Que o encontro de Nossa Senhora das Dores, a Mater Dolorosa, com seu filho Jesus nos ensine e mova os nossos corações a realizar verdadeiros encontros com Deus e com os irmãos:

  • Encontros sinceros;
  • Encontros de mútua ajuda;
  • Encontros de perdão;
  • Encontros de paz;

E afaste de nós, por amor:

  • Encontros que rebaixam as pessoas;
  • Encontros que exploram;
  • Encontros para tramar a ruína dos outros;
  • Encontros para falar mal;
  • Encontros onde reina a falsidade e o ódio;
  • Encontros para destruir.

Virgem Santíssima, Mãe das Dores, queremos contemplar o seu olhar para o Cristo e o olhar do Cristo para a senhora. Senhora Santíssima, queremos aprender de ti o modo de melhor tratar as pessoas.

Ensina-nos a acolher cada um do jeito que ele é, sem olhar para a sua condição social, sua raça, sua cor, seus defeitos e suas aparências.

Concede-nos o olhar generoso e amoroso de acolher a Deus no irmão e na irmã, mesmo naqueles que nos perseguem.

Virgem Santíssima, Mãe das Dores, preparai e abri nossos corações para recebermos com amor as pessoas de nossa família: o esposo, a esposa, o pai, a mãe, os irmãos.

Ajudai-nos a receber com fé o que nos fala a Igreja através do Papa, do Arcebispo e de nossos sacerdotes.

Alicerçados no amor, queremos estabelecer com todos uma convivência harmoniosa, de modo a cumprirmos na terra o projeto de amor e de fraternidade que nos deixou teu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor!

Fixemos nosso olhar sobre Maria.

Fixemos nosso olhar sobre o Cristo.

Que eles olhem por nós para que possamos agora fazer o encontro verdadeiro daqui na terra.

Se aqui estiverem os membros de sua família vá ao seu encontro e lhe dê um abraço amoroso e carinhoso e diga: Viva o Encontro de Jesus.

Bendito Encontro de Maria, que nós nunca nos desanimemos diante da fadiga do dia e nos faça a todos seguidores do amor e da paz que brotam do olhar do Cristo por cada um de nós!

Que ao contemplarmos tantos encontros de Jesus, não nos esqueçamos jamais do encontro de Jesus com sua Mãe Santíssima, mas que dessa contemplação saibamos reconhecer CRISTO JESUS na pessoa do irmão sofredor, nos marginalizados, nos esquecidos, nos não amados.

Acompanhemos JESUS no caminho da cruz e sejamos, também alento e alívio, para o irmão que sofre, como o foi MARIA para Jesus no caminho do Calvário.

Amém.

 

Padre Wagner Augusto Portugal.

12 de abril de 2022
0 FacebookTwitterPinterestEmail
Páscoa

Sermão do Depósito

escrito por Padre Wagner Augusto Portugal

A primeira Semana Santa, pelo plano de Deus, foi a semana mais importante da vida de Jesus Cristo. Esta nossa Semana Santa, da mesma forma, deverá ser a semana mais importante da vida de cada um de nós.  Em sintonia com a Campanha da Fraternidade 2021, que tem como Tema: “Fraternidade e Educação” e como Lema: “Fala com sabedoria, ensina com amor”(Cf. Pr 31,26). Deve ser uma semana de oração e reflexão, da compreensão dos mistérios da paixão de Jesus Cristo, do conhecimento da mensagem de Deus para seu povo.

Devemos relembrar que toda a paixão de Cristo ocorre em Jerusalém e seus arredores.

No tempo cronológico a Semana Santa foi  provavelmente no ano 30 d.C., durante a semana da Páscoa dos judeus, entre o 9º e o 16º do mês judaico de Nisã (março/abril). Jerusalém lotada de peregrinos.

O contexto daquele momento com as condições políticas: a nação judaica estava sujeita a Roma. Seu governador era Pôncio Pilatos; os judeus eram legislados pelo sumo-sacerdote Caifás e pelo conselho dos 70 anciãos. Na Galiléia, região do norte da palestina, Herodes era o rei;

Acontecimentos relevantes para a vivência da Semana Santa: Jesus de Nazaré, que por três anos pregou o Reino de Deus, operou milagres, e finalmente tinha sido proclamado o Filho de Deus, crescia em popularidade de tal forma que os sacerdotes judaicos viram nele séria ameaça a sua autoridade sobre o povo. A recente ressurreição de Lázaro fez com que muitas pessoas acreditassem em Jesus. Os líderes judaicos, sob a direção dos Sumos Sacerdotes e Doutores da Lei, haviam planejado matar Lázaro e Jesus por incitar motins, e então acabar com a revolta que pudesse estar surgindo. Entretanto, como nação sujeita, subjugada, não poderiam condenar ninguém à morte. Apenas o imperador romano possuía tal autoridade. Agora, com a Páscoa dos judeus, havia uma deixa. Sob estas circunstâncias começa a Semana Santa.

 

SEGUNDA-FEIRA SANTA DA PRISÃO OU DO DEPÓSITO DO SENHOR JESUS:

 

“Eis, Senhor, dois caminhos muito opostos e contraditórios: o caminho da fidelidade e o caminho da traição: a fidelidade amorosa de Maria de Betânia, a traição horrível de Judas. Como quereria, ó Senhor, possuir para Vós um coração como o de Maria. Como quereria que em mim estivesse inteiramente morto e destruído o traidor!… Como tenho necessidade de vigiar e orar para que o inimigo não venha semear no meu coração o gérmen venenoso da traição! Fazei, Senhor, que eu Vos seja fiel, fiel a todo custo, fiel nas coisas grandes e pequenas, a fim de que as raposas dos pequenos apegos não possam invadir nem devastar a vinha do meu coração” (Intimidade Divina).

“Julgai, Senhor, os que me fazem mal, e combatei os que me injuriam. Tomai as armas e o escudo e correi em meu auxílio, Senhor, minha força e salvação. Arrancai a espada e investi contra os que  me perseguem; dizei à minha alma: eu sou a tua salvação – Julgai, Senhor”(cf. Sl 34,1-2).

Os eventos dos próximos 3 ou 4 dias não estão claramente divididos nos Evangelhos, mas o caminho é demonstrado pelas ações de Nosso Senhor na segunda-feira. Sua atividade neste período foi intensa. Não nos foi relatado todas as ações. Ele era protegido pelo povo nas suas disputas com as autoridades. Nosso Senhor viria a Jerusalém pela manhã, ficaria três dias ali, ensinando e discursando no Templo, à noite sairia da cidade, e se retiraria ao monte das Oliveiras (onde estavam Bethânia e Getsêmani). Vindo cedo à Jerusalém, Nosso Senhor encontrou uma figueira que tinha folhas mas não frutos – um símbolo do judaísmo, cuja religião possui muitas folhagens e práticas, mas sem espírito interior e sem frutos.

 

          A Prisão de Jesus:

“Depois dessas palavras, Jesus saiu com os seus discípulos para além da torrente de Cedron, onde havia um jardim, no qual entrou com os seus discípulos. 2. Judas, o traidor, conhecia também aquele lugar, porque Jesus ia frequentemente para lá com os seus discípulos. 3. Tomou então Judas a coorte e os guardas de serviço dos pontífices e dos fariseus, e chegaram ali com lanternas, tochas e armas. 4. Como Jesus soubesse tudo o que havia de lhe acontecer, adiantou-se e perguntou-lhes: “A quem buscais?”. 5. Responderam: “A Jesus de Nazaré.” – “Sou eu” – disse-lhes. (Também Judas, o traidor, estava com eles.) 6. Quando lhes disse “Sou eu”, recuaram e caíram por terra. 7. Perguntou-lhes ele, pela segunda vez: “A quem buscais?”. Disseram: “A Jesus de Nazaré”. 8. Replicou Jesus: “Já vos disse que sou eu. Se é, pois, a mim que buscais, deixai ir estes”. 9. Assim se cumpriu a palavra que disse: Dos que me deste não perdi nenhum (Jo 17,12). 10. Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou dela e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. (O servo chamava-se Malco) 11. Mas Jesus disse a Pedro: “Enfia a tua espada na bainha! Não hei de beber eu o cálice que o Pai me deu?”. 12. Então a coorte, o tribuno e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o ataram. 13. Conduziram-no primeiro a Anás, por ser sogro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano. (= Mt 26,57-75 = Mc 14,53-72 = Lc 22,54-71) 14. Caifás fora quem dera aos judeus o conselho: “Convém que um só homem morra em lugar do povo”.(cf. Jo 18,1-14)

 

Quem traiu Jesus?

Judas Iscariotes é quem traiu Jesus. Ele é um dos Doze: “Em todas as listas dos Doze é acrescentada ao seu nome a observação de que ele foi o traidor de Jesus (Mt 10, 4; Mc 3, 19; Lc 6, 16). João acrescenta que ele era um diabo – talvez aqui no sentido de ‘adversário’ ou ‘ informador’ (Jo 6, 71, mas cf. Jo 13, 27) – e um ladrão, atribuindo-lhe a infeliz e hipócrita objeção à unção de Jesus em Betânia (Jo 12, 4-6), ao passo que Mt 26, 8 e Mc 14, 4 atribuem a objeção aos ‘discípulos’ (Mt) e a ‘alguns’(Mc). Os evangelhos sinóticos registram a visita de Judas aos grão-sacerdotes e o acordo sobre a traição e o preço a ser pago (Mt 26, 14-16; Mc 14, 10s; Lc 22, 3-6). Entretanto, a soma de trinta moedas de prata só é mencionada por Mt, derivando provavelmente de Zc 11, 12” (Pe. John L. Mackenzie, S.J, Dicionário Bíblico).

O atrevimento e a ingratidão de Judas Iscariotes foram tão grandes, e seu coração já estava tão mergulhado nas trevas, que o mesmo tomou a frente, tornou-se o guia dos inimigos do Salvador: “…eis que chegou uma multidão. À frente estava o chamado Judas, um dos Doze…” (Lc 22, 47), e: “…Judas, que se tornou o guia daqueles que prenderam a Jesus” (At 1, 16).

Caros irmãos: grande foi a estupidez de Judas Iscariotes em trair o Amado Senhor. Ele viveu três anos na companhia do Salvador: andava, comia, rezava, ouviu inúmeras pregações do Mestre, porém, jogou tudo fora e acabou se condenando: “Judas se condenou, porque se atreveu a pecar confiando na clemência de Jesus Cristo” (São João Crisóstomo).

Hoje, infelizmente, milhões de pessoas seguem a ingratidão e a estupidez desse infeliz Apóstolo. Quantos católicos batizados e crismados abandonaram a Cristo Jesus para seguir o mundo, o demônio e a própria carne. Esses receberam graças e mais graças de Nosso Senhor, receberam também uma fiel e piedosa formação, mas a exemplo de Judas Iscariotes jogaram tudo fora, vivendo agora na lama do pecado: “Com efeito, se, depois de fugir às imundícies do mundo pelo conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, de novo são seduzidos e se deixam vencer por elas, o seu último estado se torna pior do que o primeiro. Assim, melhor lhes fora não terem conhecido o caminho da justiça do que, após tê-lo conhecido, desviarem-se do santo mandamento que lhes foi confiado. Cumpriu-se neles a verdade do provérbio: O cão voltou ao seu próprio vômito, e: A porca lavada tornou a revolver-se na lama” (2 Pd 2, 20-22).

Infeliz do católico que abandona a amizade com Jesus para viver nas trevas, esse jamais entrará na Pátria Eterna: “O laço com que o demônio arrasta quase todos os cristãos que se condenam é, sem dúvida, esse engano com que os seduz, dizendo-lhes: ‘Pecai livremente, porque, apesar de todos os pecados, haveis de salvar-vos” (Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a Morte, Consideração XVII, Ponto I).

Judas Iscariotes viveu três anos ao lado de Cristo Jesus, e depois tornou-se o guia dos inimigos do Salvador, isto é, caminhou à frente daqueles que estavam prestes a prenderem Nosso Senhor.

Também existem milhões de ex-católicos, que antes adoravam Jesus Sacramentado, veneravam a Virgem Maria, defendiam o Papa, etc., e agora, encabeçam em muitas igrejolas o coro daqueles que caluniam sem cessar a Santa Igreja. Esses são os Judas de hoje!

A multidão encabeçada por Judas não vinha de mãos abanando, mas bem armada, até perece que Nosso Senhor era um grande malfeitor: “…grande multidão com espadas e paus” (Mt 26, 47).

Como já foi comentado, milhões de ex-católicos que receberam uma ótima formação dentro da Igreja, hoje, caminham furiosamente contra a Esposa de Nosso Senhor, a Igreja Católica; esses usam as “espadas” da língua e os “paus” da perseguição para tentarem destruir a Única Esposa de Cristo.

Existem também os Judas que vivem dentro da Igreja, de mitra e sem mitra; estes, com mentiras e hipocrisia nos lábios, perseguem continuamente a Cristo Jesus: “Aludimos, Veneráveis Irmãos, a muitos membros do laicato católico e também, coisa ainda mais para lastimar, a não poucos do clero que, fingindo amor à Igreja e sem nenhum sólido conhecimento de filosofia e teologia, mas, embebidos antes das teorias envenenadas dos inimigos da Igreja, blasonam, postergando todo o comedimento, de reformadores da mesma Igreja; e cerrando ousadamente fileiras se atiram sobre tudo o que há de mais santo na obra de Cristo, sem pouparem sequer a mesma pessoa do divino Redentor que, com audácia sacrílega, rebaixam à caveira de um puro e simples homem” (Pio X, Carta Encíclica “Pascendi Dominici Gregis”, Introdução), e: “Meus queridos amigos – neste momento, só posso dizer: orai por mim, para que eu possa aprender a amar o Senhor mais e mais. Orai por mim, para que eu possa aprender a amar Seu rebanho mais e mais – em outras palavras, a santa Igreja, cada um de vós e todos vós juntos. Orai por mim, para que eu possa não fugir com medo dos lobos” (Bento XVI, Sermão na Missa de entronização, 24 de abril de 2005, Praça de São Pedro).

Por que será que Judas, o traidor, se previne tanto para prender o Manso Cordeiro? Ele vivera com Ele por três anos e conhecia muito bem a mansidão do Senhor: “…aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29), e conhecia também os milagres que Cristo havia realizado: “Mas Judas já de nada se lembra, nada enxerga; esta é a primeira astúcia do Demônio para arrastar os pecadores, torna-os cegos para que nada vejam, em nada reparem. Como estamos vendo que os maiores pecadores, estando no fim da vida, ou por uma doença incurável, ou por uma idade avançada, já quase com os pés na sepultura, todavia desprezam todo o conselho, resistem à toda admoestação caridosa, e sempre se lisonjeando de irem dilatando a vida, morrem sem receber os Sacramentos e vão se apresentar ao Tribunal de Deus, sem terem reparado os escândalos” (Sacerdote da Congregação da Missão).

Em São João 18, 3-8 diz que Nosso Senhor saiu ao encontro de Judas e dos outros inimigos: “Judas, então, levando a coorte e guardas destacados pelos chefes dos sacerdotes e pelos fariseus, aí chega, com lanternas, archotes e armas. Sabendo Jesus tudo o que lhe aconteceria, adiantou-se e lhes disse: ‘A quem procurais?’ Responderam: ‘Jesus, o Nazareno’. Disse-lhes: ‘Sou eu’. Judas, que o estava traindo, estava também com eles. Quando Jesus lhes disse ‘ Sou eu’, recuaram e caíram por terra. ‘Perguntou-lhes, então, novamente: ‘A quem procurais?’ Disseram: ‘Jesus, o Nazareno’. Jesus respondeu: ‘Eu vos disse que sou eu…”

Nosso Senhor não se intimidou diante dos inimigos. Nem o número de soldados, nem as lanças, nem os paus assustaram a Cristo Jesus. Ele é o Senhor do céu e da terra, por isso, as serpentes  perecíveis não Lhe causaram medo.

Ele adiantou-se e lhes perguntou: “A quem procurais?” Os inimigos disseram que estavam à procura de Jesus. Ele disse-lhes: “Sou eu”. E todos caíram por terra.

Está claro que o Imaculado Cordeiro, porque quis, é que se entregou às mãos dos inimigos. O “Sou eu”, foi o bastante para que todos os inimigos caíssem tontos por terra, e assim, as serpentes sentiram o cheiro do pó: “Os perseguidores, que vinham com o traidor para prender Jesus, encontraram O que buscavam e ouviram-nO dizer Sou eu. Por que não O prenderam , mas retrocederam e caíram? Porque assim o quis quem podia fazer o que queria. Se não o tivesse permitido, nunca teriam realizado o intento de O prenderem, mas também Ele não teria cumprido a Sua missão. Eles buscavam com ódio O que queriam matar; Jesus, pelo contrário, buscava-nos com amor querendo morrer. E assim, depois de manifestar o Seu poder àqueles que sem poderem fazê-lo queriam prendê-lO, prendê-lo-ão e deste modo cumprirá o Seu desejo por meio daqueles que o ignoravam” (Santo Agostinho, In Ioann. Evang., 112, 3).

Nunca ninguém derrubara os inimigos somente com a voz como fez Nosso Senhor: Nem Alexandre, nem César com todo seu poder, nem Pompeu, nem Anibal com todas as suas astúcias, puderam jamais produzir efeitos semelhantes a este: Sou eu! E uma corte inteira, com os Escribas, Fariseus e com os anciãos do povo, todos se acharam de repente prostrados por terra. Verdade é que Sansão derrotou a mais de mil, foi porém não com uma palavra, mas com os esforços de seus braços, servindo-se da queixada de um jumento. Sangar derrotou a seiscentos, mas foi com o instrumento da sua lavoura. Igualmente Davi derrotou em um dia a oitocentos Filisteus, mas foi com o  poder de suas armas. Só pertencia a Jesus, só pertencia ao Unigênito Filho de Deus, só pertencia Àquele que com uma palavra criara o mundo, e com uma única palavra o teria podido destruir, mostrar nesta hora todo seu poder, prostrando assim a seus inimigos com as palavras: Sou eu!

Caro irmão, seja fiel a Nosso Senhor e viva de acordo com a Sua Santa Vontade. Não seja ingrato e não traia Aquele Senhor que cuida de ti continuamente. Lembre-se de que a vida passa e que existe um julgamento após a morte, e nesse terrível Dia, Cristo Jesus lhe dirá: Sou eu, a quem ofendestes  tantas vezes. Sou eu, contra quem vos tendes levantado. Sou eu, a quem tendes desprezado. Sou eu, sim, sou eu, que venho agora fazer justiça à minha Majestade infinita ofendida.

Nosso Senhor não se intimidou diante dos soldados, mas disse-lhes abertamente: “Sou eu… Eu vos disse que sou eu…” (Jo 18, 5. 8).

Sejamos também corajosos, não tenhamos medo de professar a nossa fé em Jesus Cristo, falemos a todos e abertamente que Ele é o Nosso Salvador, mesmo quando o ambiente é difícil: “Cada cristão deve dar testemunho – não só com o exemplo, mas também com a palavra – da mensagem evangélica. E para isso devemos aproveitar todas as oportunidades – sabendo também provocá-las prudentemente – que se apresentam no convívio com os nossos familiares, amigos, colegas de profissão, vizinhos; com pessoas com quem nos relacionamos, mesmo que seja por pouco tempo, durante uma viagem…” (Pe. Francisco Fernández-Carvajal).

Quando formos interrogados se somos católicos, não nos recuemos nem nos intimidemos, mas falemos com convicção e coragem: “Estive, estou e estarei sempre com Cristo. Eis a minha fé, pela qual darei minha vida, se assim for preciso. Cortai, pois, batei, queimai; dou todos os membros do meu corpo, para confessar a meu Deus e Senhor” (São Teodoro, mártir, ao Juiz).

Em Mt 26, 48-49 diz: “O seu traidor dera-lhes um sinal, dizendo: ‘É aquele que eu beijar; prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: ‘Salve, Rabi!’ e o beijou”.

É lamentável a atitude de Judas Iscariotes, a sua frieza e maldade são espantosas; com certeza esse infeliz que recebeu tanto de Nosso Senhor não caiu de uma vez, mas foi escorregando aos poucos até mergulhar desgraçadamente na traição: “Uma casa não desaba por um movimento momentâneo. Na maioria dos casos, esse desastre é consequência de um antigo defeito de construção. Mas, por vezes, o que motiva a penetração da água é o prolongado desleixo dos moradores: a princípio, a água infiltra-se gota a gota e vai insensivelmente roendo o madeiramento e apodrecendo a armação; com o decorrer do tempo, o pequeno orifício vai ganhando proporções cada vez maiores, ocasionando fendas e desmoronamentos consideráveis; por fim, a chuva penetra na casa como um rio caudaloso” (Cassiano, Colações, 6).

Caros irmãos, examine diariamente a sua consciência com o termômetro da sinceridade, para saber se você está sendo fiel a Jesus Cristo. Muitos começam bem, mas com o passar do tempo vão se relaxando, cometendo pequenos erros, depois cometem grandes e já não se preocupam mais em corrigi-los, e assim, de erro em erro acabam por abandonar a Nosso Senhor: “Perseverar é responder positivamente às pequenas e constantes chamadas que o Senhor faz ao longo de uma vida, ainda que não faltem obstáculos e dificuldades…” (Pe. Francisco Fernández-Carvajal).

Judas Iscariotes é falso, mau e frio. Esse traidor saúda Jesus chamando-O de Mestre, beija-O e depois O entrega nas mãos dos inimigos: “A turba perversa e desenfreada, que nessa fatal noite procurava a Jesus no jardim das Oliveiras, devia naturalmente ser precedida, guiada pelo mais perverso, pelo mais infame dos homens; e como Caim na antiga lei se tornou detestável convidando o irmão a passeio para lhe tirar a vida, assim e muito mais detestável se tornou Judas entregando o filho de Deus à morte com um fingido beijo de amizade” (São Cipriano).

 

Prezados irmãos,

O Redentor, sabendo que Judas se aproximava, acompanhado dos Judeus e dos soldados, levanta-se, banhado ainda no suor da agonia mortal. Com o rosto pálido, mas com o coração todo abrasado em amor, vai-lhes ao encontro para se lhes entregar nas mãos, e vendo-os chegados perto, diz: Quem quaeritis? — “A quem buscais?” — Afigura-te, minha alma, que neste momento Jesus te pergunta também: Dize-me, a quem buscas? Ah, meu Senhor, a quem poderei buscar senão a Vós, que descestes do céu à terra para me buscar e não me ver perdido?

Comprehenderunt Iesum, et ligaverunt eum — “Eles prenderam a Jesus e o ligaram”. Ó céus, um Deus ligado! Que diríamos, se víssemos um rei preso e ligado pelos seus servos? E que dizemos agora vendo um Deus entregue às mãos da gentalha? Ó cordas bem-aventuradas! Vós que ligastes o meu Redentor, ah! Liga-me a Ele, mas liga-me de tal modo que nunca mais me possa separar de seu amor. — Considera, minha alma, como um lhe liga as mãos, outro o injuria, mais outro o empurra, e o Cordeiro inocente se deixa ligar e empurrar quanto quiserem. Não procura fugir das mãos deles, não chama por auxílio, não se queixa de tantas injúrias, nem mesmo pergunta por que é tratado assim. Eis, pois, realizada a profecia de Isaías: Oblatus est quia ipse voluit, et non aperuit os suum; sicut ovis ad occisionem ducetur (2) — “Foi oferecido, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; ele será levado como uma ovelha ao matadouro”.

Mas onde é que se acham os seus discípulos? Que fazem? Já não podendo livrá-Lo das mãos de seus inimigos, ao menos que o tivessem acompanhado para defenderem a inocência de Jesus perante os juízes, ou sequer para o consolarem com a sua presença! Mas não; o Evangelho diz: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (3) — “Então os seus discípulos desamparando-O, fugiram todos”. Qual não devia ser a tristeza de Jesus, vendo que até os seus discípulos queridos fugiam e O desamparavam? Mas, ó céus, então o Senhor viu ao mesmo tempo todas aquelas almas que, sendo por Ele mais favorecidas, haviam de abandoná-Lo depois e de Lhe virar as costas.

Ligado como um malfeitor, o nosso Salvador entra em Jerusalém, onde poucos dias antes fora aclamado com tantas honras e louvores. Passa a desoras pelas ruas, entre lanternas e tochas, e tão grande é o alarido e tumulto, que todos deviam pensar que se levava qualquer grande criminoso. A gente chega à janela e pergunta: quem é que foi preso? e respondem-lhe: Jesus, o Nazareno, que foi desmascarado como sendo um sedutor, um impostor, um falso profeta e réu de morte. — Quais não deviam ser então em todo o povo os sofrimentos de desprezo e indignação, quando viram Jesus Cristo, acolhido primeiro como o Messias, preso por ordem dos juízes, como impostor!

Ah! Como se trocou então a veneração em ódio, como se arrependeu cada um de O ter honrado, envergonhando-se de ter honrado um malfeitor, como se fosse o Messias! — Eis, pois, a que estado se reduziu o Filho de Deus para nos mostrar o nada das honras e dos aplausos do mundo! E como é que eu, apesar de ver um Deus tão humilhado e injuriado por meu amor, como é que eu hei de viver tão amante dos bens fugazes da terra, ambicionar as honras, as dignidades, as preeminências, e não saber sofrer o mínimo desprezo? Ai de mim, pecador e soberbo!

Donde, ó meu Senhor, me pode vir tamanho orgulho, depois que mereci tantas vezes o inferno? Meu Jesus, suplico-Vos pelos merecimentos dos desprezos que sofrestes, dai-me a graça de Vos imitar. Proponho com o vosso auxílio reprimir de hoje em diante todo o ressentimento e receber com paciência, alegria e contentamento todas as humilhações, todas as injúrias e todas as afrontas que me possam ser feitas. Proponho, além disso, para Vos agradar, fazer todo bem possível a quem me despreza; ao menos falarei sempre bem dele e rogarei por ele. Vós, ó meu Senhor, pelas dores de Maria Santíssima, fortalecei estes meus propósitos e dai-me a graça de Vos ser fiel.

 

Prezados irmãos,

Não se faça a minha vontade…  São tantas as cenas em que Cristo fala com seu Pai, que se torna impossível determo-nos em todas. Mas penso que não podemos deixar de considerar as horas, tão intensas, que precedem a sua Paixão e Morte, quando se prepara para consumar o Sacrifício que nos devolverá ao Amor divino. Na intimidade do Cenáculo, seu coração transborda: dirige-se suplicante ao Pai, anuncia a vinda do Espírito Santo, anima os seus íntimos a manterem um contínuo fervor de caridade e de fé. Esse inflamado recolhimento do Redentor continua em Getsêmani, ao perceber a iminência da Paixão, com as humilhações e as dores que se aproximam, essa Cruz dura em que se suspendem os malfeitores, e que Ele desejou ardentemente. Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. E logo a seguir: Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua.

Se formos conscientes de que somos filhos de Deus, de que a nossa vocação cristã exige seguir os passos do Mestre, a contemplação da sua oração e agonia no horto das Oliveiras deve levar-nos ao diálogo com Deus Pai. “Ao orar, Jesus já nos ensina a orar”[14]; e além de ser o nosso modelo, convoca-nos à oração, tal como a Pedro, Tiago e João, quando os levou consigo e lhes pediu que vigiassem com Ele: Orai, para não entrardes em tentação. – E Pedro adormeceu. – E os demais Apóstolos. – E adormeceste tu, meu pequeno amigo, e eu fui também outro Pedro dorminhoco.

O Papa Bento XVI, em uma audiência que dedicou à oração de Jesus em Getsêmani, referia-se à capacidade que os cristãos têm, quando procuram uma intimidade cada vez maior com Deus, de trazer para esta terra uma antecipação do céu: “cada dia na oração do Pai-Nosso nós pedimos ao Senhor: ‘Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu’ (Mt 6, 10). Isto é, reconhecemos que há uma vontade de Deus conosco e para nós, uma vontade de Deus sobre a nossa vida, que deve tornar-se cada dia mais a referência da nossa vontade e do nosso ser; além disso, reconhecemos que é no ‘céu’ que se cumpre a vontade de Deus, e que a ‘terra’ só se torna ‘céu’, lugar da presença do amor, da bondade, da verdade e da beleza divina, se nela se cumprir a vontade de Deus. Na prece de Jesus ao Pai, naquela noite terrível e admirável do Getsêmani, a ‘terra’ tornou-se ‘céu’; a ‘terra’ da sua vontade humana, abalada pelo pavor e pela angústia, foi assumida pela sua vontade divina, de maneira que a vontade de Deus se cumpriu sobre a terra. E isto é importante inclusive na nossa oração: devemos aprender a confiar-nos mais à Providência divina, pedir a Deus a força para sairmos de nós mesmos e renovarmos o nosso ‘sim’, para lhe repetirmos: ‘Seja feita a vossa vontade’, para conformarmos a nossa vontade com a sua”.

Jesus, só e triste, sofria e empapava a terra com o seu sangue. De joelhos sobre a terra dura, persevera em oração… Chora por ti… e por mim: esmaga-O o peso dos pecados dos homens.

Dirige-te a Nossa Senhora e pede-lhe que te faça a dádiva – prova do seu carinho por ti – da contrição, da compunção pelos teus pecados, e pelos pecados de todos os homens e mulheres de todos os tempos, com dor de Amor. E, com essa disposição, atreve-te a acrescentar: – Mãe, Vida, Esperança minha, guiai-me com a vossa mão…, e se há agora em mim alguma coisa que desagrade a meu Pai-Deus, concedei-me que o perceba e que, os dois juntos, a arranquemos. Continua sem medo: – Ó clementíssima, ó piedosa, ó doce Virgem Santa Maria!, rogai por mim, para que, cumprindo a amabilíssima Vontade do vosso Filho, seja digno de alcançar e gozar das promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Caros irmãos:

“Ó amor! Ó amor divino! Só vós pudestes ligar um Deus e conduzi-Lo a morte por amor dos homens!” E apesar disso, estes mesmos homens lhe são ingratos e o ofendem.

O Divino Redentor quis sujeitar-se a ignominia de ser encadeado, para nos merecer a graça de sacudirmos as cadeias que nos prendem ao pecado, e que se chamam as más ocasiões. Se estas cadeias não forem quebradas de uma só vez, nunca serão quebradas. Quantos há que estão agora ardendo no inferno, por terem dito: Amanhã, amanhã! Não vale dizer que até hoje não houve nada de mal; porque é pouco a pouco que o demônio leva as almas incautas até a borda do precipício, e então basta o choque mais leve para as fazer cair. É uma máxima comum dos mestres da vida espiritual, que, especialmente em se tratando da impureza, não há outro meio senão a fuga das ocasiões e o rompimento de todo o afeto.

Meu irmão, se por desgraça estiveres preso por alguma daqueles cadeias de morte, escuta o que te diz Jesus Cristo: Solve vincula colli tui, captiva filia Sion – “Desata as cadeias o teu pescoço, cativa filha de Sião” . Pobre alma, rompe os laços que te prendem ao inferno, chega-te a mim, e permite que, partilhando contigo as minhas cadeias, te obrigue a amar-Vos sempre.

Rezemos, neste dia: “Ó meu mansíssimo Jesus! Vendo-Vos encadeado por meu amor, que posso eu temer, já que estais de certo modo impossibilitado de levantar o braço para me ferir? Não quereis castigar-me, contanto que eu me resolva a sacudir o jugo das minhas paixões e unir-me a Vós. Sim, meu Senhor, quero recuperar a minha liberdade; e pesa-me sobre todas as coisas ter outrora abusado da minha liberdade e de Vos ter ofendido. Vós Vos deixas-te ligar por meu amor, e eu quero ser ligado pelo vosso amor. Ó felizes cadeias, ó formosas ligaduras de salvação, que unis as almas ao Coração de Jesus: Apoderai-vos do meu pobre coração e liga-o de tal modo, que nunca mais se possa separar desse amantíssimo Coração – Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria, pela dor que sentistes em ver vosso Jesus, amarrado como um malfeitor, obtende-me a santa perseverança.

 

Padre Wagner Augusto Portugal.

11 de abril de 2022
0 FacebookTwitterPinterestEmail

Sobre o autor

Sobre o autor

Sou Wagner Augusto Portugal. Graduado em Direito Civil, Mestre em Direito Canônico e doutorando na mesma área de estudo, com 24 anos de experiência em Direito Público e Direito Canônico.

Postagens recentes

  • 5º DOMINGO DA PÁSCOA, C.

    15 de maio de 2022
  • Atualidade da mensagem de Nossa Senhora de Fátima

    13 de maio de 2022
  • QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA, C.

    8 de maio de 2022

Categorias

  • Evangelho (212)
  • Formação Católica (232)
    • Sem categoria (12)
  • Liturgia (1)
  • Páscoa (5)
  • Podcast (220)
  • Programas Diários (228)
  • Reflexão (242)
  • Sermão Semanal (33)

Siga nas redes sociais

Facebook Instagram Linkedin

Sobre

Sobre

Sou Padre Wagner Portugal. Graduado em Direito Civil, Mestre em Direito Canônico e doutorando na mesma área de estudo, com 24 anos de experiência em Direito Público e Direito Canônico.

Categorias

  • Evangelho (212)
  • Formação Católica (222)
  • Liturgia (1)
  • Páscoa (5)
  • Podcast (220)
  • Programas Diários (228)
  • Reflexão (242)
  • Sem categoria (12)
  • Sermão Semanal (33)

Postagens Populares

  • 1

    Quarto Domingo do Tempo do Advento – C

    17 de dezembro de 2021
  • 2

    4º. Domingo do Advento e é tempo de uma boa e completa confissão

    17 de dezembro de 2021
  • 3

    Programa – 05/11/21

    5 de novembro de 2021
  • Linkedin
  • Youtube

@2021 - Padre Wagner Augusto Portugal - Todos os direitos reservados.