FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR – B

A Festa da Transfiguração celebra o mistério de Jesus Cristo. Para nós, mineiros, é a festa do Senhor Bom Jesus. O Bom Jesus que ilumina a vida de todos os cristãos. Por isso, manifesta-se o Cristo e toda a sua divindade, a sua glória sobre o mundo, como nosso salvador. É esse o sentido do Evangelho que lemos no dia de hoje; é nesse sentido que São Marcos procura iluminar-nos à sombra da cruz de Jesus, um cruz dolorosa, entretanto, triunfante. Aquele símbolo de ignomínia para os gentios, de maldição para os judeus, torna-se um sinal de bênção. Eis que na cruz morre o Filho de Deus e, nessa mesma cruz, brota a vida plena para todas as criaturas, para a humanidade redimida por ela.

A Transfiguração tem um significado muito singular: revelar aos apóstolos que a passagem pela morte era temporária e a ela sucederia o fato impensável da ressurreição. Isso porque Jesus de Nazaré era o Filho de Deus e tinha o “poder de dar e retomar a vida” (Jo 10,18).

Mas, o que é a Transfiguração? Não é uma aparição, podemos dizer inicialmente. Podemos, contudo, afirmar tratar-se de um parecer sob outra forma, senão a forma costumeira que Jesus aparecia aos seus discípulos. Ele não apareceu no Tabor, mas tomou outra figura. Como o fenômeno é inteiramente desconhecido no Antigo Testamento, não há uma palavra própria para descrevê-lo ao entendimento humano. Assim, os Evangelistas foram buscar uma nova terminologia usada na linguagem pagã, quando falavam de deuses que não assumiam a forma humana. E usam um termo que a língua nossa, a língua de Camões, também guardou do grego: metamorfose, isto é, assunção de outra forma. Desta maneira, temos uma outra forma quando a água assume a forma de gelo, ou quando a lagarta se transforma em borboleta.

No Monte Tabor, não temos um outro Jesus; é o mesmo Jesus de Nazaré que assume uma forma divina. Embora não possamos dizer que Deus tenha uma outra forma, o Evangelista teve de ater-se ao linguajar e à compreensão humana. Ainda que o Antigo Testamento não conte com transfigurações em sua linguagem, os termos com que se descreve a de Jesus são todos desconhecidos ao descrever a divindade: luz resplandecente, vestes brancas, alto de um monte, nuvem da qual sai uma voz.

 

Meus irmãos,

A Transfiguração ocorreu em um monte, local para os judeus de contato com a Divindade. As vestes brancas simbolizam a eternidade, o pertencer ao céu e ser santo como Deus é santo. Por isso, o anjo da ressurreição estará vestido de vestes brancas. A Santa Igreja conservou a figura da veste branca e a impõe ao recém-batizado, para simbolizar a pertença à família de Deus e expressar que o sagrado Batismo devolveu à criatura a santidade que a coloca em comunhão com Deus, conforme nos ensinou São Paulo: “Passais por uma transformação espiritual de vossa mentalidade e vos revestis do homem novo, criado segundo Deus na justiça e verdadeira santidade” (Ef 4,24). Tudo isso levando-se para a santidade e para a comunhão íntima com Deus e com a comunidade.

Outro símbolo da Transfiguração é a luz. Deus mora na luz inacessível, conforme nos ensina a IV Oração Eucarística, tão rica de significados teológicos. São João nos ensina: “Deus é Luz” (1Jo 1,5). Jesus de Nazaré definiu-se como sendo a encarnação da luz (Jo 1,7s; 3,19; 12,46).

A nuvem, simboliza a presença de Deus, como a manifestação no Monte Sinai (Ex 19,16) e a aliança entre Deus e o povo. Isaías cantava que a nuvem é o carro de Deus (Is 19,1; Sl 104, 3). Quando Jesus subir ao céu, em certo momento, será envolto por uma nuvem (At 1,9). Ora, o Tabor tem muito do significado do Sinai. Cristo estava para dar à luz um novo povo, uma nova e definitiva aliança, um novo Testamento por meio do sangue derramado na cruz. Como vimos, a Transfiguração tem todo um sentido pascal. E a Páscoa tem um sentido de recriação.

Para o angélico Santo Tomás de Aquino, o Tabor tem a presença do Espírito Santo: “A Trindade inteira apareceu: o Pai, na voz; o Filho, no homem; o Espírito, na nuvem luminosa”. A voz do Pai, saída da nuvem, é o centro do episódio: “Este é meu filho bem-amado. Escutai o que Ele diz!” (Mc 9, 8). Aqui está uma clara afirmação da filiação divina de Jesus, de sua autoridade de Filho de Deus, de sua natureza divina. Por isso Ele tem palavras de vida eterna.

Para nos transfigurarmos, devemos nos revestirmos de Cristo para sermos como Ele é.

É muito importante termos presente que a festa de hoje nos sinaliza que, pelo caminho do sofrimento e da cruz, chegaremos à ressurreição. São Pedro nos representa a todos, quando pretendemos viver e anunciar a alegria da ressurreição, sem passar pela generosa entrega e pela morte. Também nós preferimos montar a nossa tenda na montanha. Mas é preciso ter a experiência mística e coletiva da missão, do anúncio do Evangelho. Não podemos ficar na “fresca” da contemplação da Montanha, mas descer para o dia a dia da vida missionária.

 

Caros irmãos,

Na primeira leitura(Dn 7,9-10.13-14) Daniel, em visão noturna, vê a história do ponto de vista de Deus. Sucedem-se os impérios e os opressores, mas o projeto de Deus não falha. Ele é o último juiz, que avaliará as ações dos homens e intervirá para resgatar o seu povo. Aos reinos terrenos contrapõe-se o Reino que o Ancião confia a um misterioso “filho de homem” que vem sobre as nuvens. Trata-se de um verdadeiro homem, mas de origem divina. Nesta leitura se trata da sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem vem inaugurar um reino que, embora se insira no tempo, “não é deste mundo” (Jo 18, 36). Ele triunfará sobre as potências terrenas, conduzindo a história à sua realização escatológica. Jesus irá identificar-se muitas vezes com esta figura bíblica na sua pregação e particularmente diante do Sinédrio, que o condenará à morte.

Na segunda leitura(2Pd 1,16-19) São Pedro e os seus companheiros reconhecem-se portadores de uma graça maior que a dos profetas, porque ouviram a voz celeste que proclamava Filho muito amado do Pai, Jesus, seu mestre. Mas a Palavra do Antigo Testamento continua a ser “uma lâmpada que brilha num lugar escuro” (v. 19), até ao dia sem fim, quando Cristo vier na sua glória. Jesus transfigurado sustenta a nossa fé e acende em nós o desejo da esperança nesta caminhada. A “estrela da manhã” já brilha no coração de quem espera vigilante.

No Evangelho(Mc 9,2-10) a Transfiguração confirma a fé dos Apóstolos, manifestada por Pedro em Cesareia de Filipe, e ajuda-os a ultrapassar a sua oposição à perspetiva da paixão anunciada por Jesus. Quem quiser Seu discípulo, terá de participar nos seus sofrimentos (Mt 16, 21-27. A Transfiguração é um primeiro resplendor da glória divina do Filho, chamado a ser Servo sofredor para salvação dos homens. Na oração, Jesus transfigura-se e deixa entrever a sua identidade sobrenatural. Moisés e Elias são protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, mas idêntico na motivação: a fidelidade absoluta a Deus. A luz da Transfiguração clarifica interiormente o seu caminho terreno. Quando a visão parece estar a terminar, Pedro como que tenta parar o tempo. É, então, envolvido com os companheiros pela nuvem. É a nuvem da presença de Deus, do mistério que se revela permanecendo incognoscível. Mas Pedro, Tiago e João recebem dele a luz mais resplandecente: a voz divina proclama a identidade Jesus, Filho e Servo sofredor (cf Is 42, 1).

 

Caros irmãos,

Nesta reflexão sobre a Transfiguração, torna-se oportuno atermo-nos a alguns aspectos. Primeiro, o discípulo reza unindo a oração à realidade do dia-a-dia, principalmente pedindo a força de Deus para vencer os obstáculos, pedindo as forças que vêm de Deus. Depois, somos convidados a dar espaço e oportunidade a novas experiências. Para isso é preciso rezar e amar, conforme nos ensina São João Maria Vianney no silêncio do confessionário e na acolhida da partilha de seu ministério.

A experiência do Monte Tabor, a Transfiguração do Senhor, deu força aos apóstolos para aguentarem a experiência amarga do Monte Calvário. São Marcos relatou a história para fortalecer a fé vacilante dos membros de sua comunidade, quarenta anos depois do acontecido. O texto os convidou a renovar a fé em Jesus e na sua Palavra. O texto, ainda hoje, convida-nos a essa mesma atitude, conforme o convite de Deus Pai: “Este é o meu Filho amado. Escutem o que ele diz!” O convite de ontem vale hoje também para nós. Mais do que um convite é uma convocação para a missão e para o engajamento na realidade concreta da missão.

Contemplando hoje a face de Jesus transfigurado e escutando o que ele diz, encontraremos força para passar suportar os sofrimentos e dificuldades da vida, até o dia em que poderemos contemplá-Lo na glória do Pai, realização definitiva da aliança e das promessas.

Que Deus nos ajude e que as palavras finais do saudoso amigo Dom Lucas nos interpele: “Que eu possa sempre ver o rosto sereno e radioso do meu Cristo”. E eu completo: sempre na realidade da oração e do amor no irmão que vive e convive conosco no cotidiano. Amém!

Você também pode gostar