6º DOMINGO DA PÁSCOA, C.

“Anunciai com gritos de alegria, proclamai até os extremos da terra: o Senhor libertou o seu povo, aleluia!”. (cf. Is 48,20).

Meus queridos Irmãos,

Este domingo vai nos antecipar as meditações próprias do domingo de Pentecostes sobre o Espírito Santo. João chama pelo “Paráclito”, ou seja, pelo “assistente judicial” no processo do cristão com o mundo, pois o “mundo” indiciou o Cristo e seus discípulos diante do Tribunal de Pôncio Pilatos. Nesta situação, precisamos do Advogado que vem de Deus mesmo e que toma o lugar do Cristo, já que seu testemunho vem da mesma fonte, que é o Pai. Graças a este Paráclito a despedida de Jesus não nos coloca numa situação de órfãos. Jesus anuncia para breve seu desaparecimento deste mundo; o mundo não mais o verá. Mas os fiéis o verão, pois eles estão nele, como ele está neles. Tudo isso, com a condição de guardar sua palavra, observar seu mandamento de amor: na prática da caridade, ele fica presente no meio de nós e seu Espírito nos assiste. E o próprio Pai nos ama.

Irmãos e Irmãs,

A Primeira Leitura(cf. At. 15,1-2.22-29) apresenta o Concílio de Jerusalém. Nesse primeiro Concílio é narrada a conversão de Cornélio(cf. At 10), a atividade de Paulo e Barnabé(cf. At 13-14): o delicado problema da jovem Igreja, da admissão dos pagãos, sem que passem pelo judaísmo, ou seja, sem que sejam circuncidados conforme prescrevia a antiga lei judaica. O Concílio dos Apóstolos vê com clareza que não a Lei, mas Cristo é que salva. Todavia, recomenda certas normas práticas para que não sejam feridas as sensibilidades específicas dos cristãos vindos do judaísmo; pois é para a fraternidade que Jesus nos salvou.

A  questão  de  cumprir  ou  não  os  ritos  da  Lei  de  Moisés  é  uma  questão ultrapassada, que hoje não preocupa nenhum cristão. Mas este episódio da primeira leitura vale, sobretudo, pelo seu valor exemplar. Nos leva o episódio a pensar, por exemplo, em rituais ultrapassados, em práticas de piedade vazias e estéreis, em fórmulas obsoletas, que exprimiram num certo contexto, mas já não exprimem o essencial da proposta cristã. O essencial  do  cristianismo  não  pode  ser  vivido  sem  o concretizar em formas determinadas, humanas e, por isso, condicionadas e finitas. Mas  é  necessário  distinguir  o  essencial  do acessório;  o  essencial  deve  ser preservado e o acessório deve ser constantemente atualizado.  É necessário ter presente que o essencial é Cristo e a sua proposta de salvação. Essa é que é a proposta revolucionária que temos para apresentar ao mundo. O resto são questões cuja importância não nos deve distrair do essencial. Devemos, também, ter consciência da presença do Espírito na caminhada da Igreja de Jesus.

É preciso aprender com a forma como os Apóstolos responderam aos desafios dos tempos: com audácia, com imaginação, com liberdade, com desprendimento e, acima de tudo, com a escuta do Espírito. É assim que a Igreja de Jesus deve enfrentar hoje os desafios do mundo.

Estimados amigos,

Vivemos um clima de despedida de Jesus. Mais do que despedidas, temos presentes vários ensinamentos. Jesus afirma que se manifesta a todos indistintamente e não somente aos apóstolos. Os judeus queriam o Messias político e repleto de politicagem. Jesus vem na contra-mão. Determina o fim do monopólio e das oligarquias e quer ser o salvador de todos, sem exceção, de todos, pagãos e crentes, de todos os seres humanos.

Jesus hoje nos ensina que a experiência de Deus é a experiência do amor. Do amor em íntima união com Deus, e isso só pode acontecer quando observamos e vivemos na prática os santos Evangelhos.

Hoje o Evangelho(cf. Jo 14,23-29) fala que nós devemos “guardar a Palavra”. O que é “guardar a Palavra”?  Guardar as palavras de Jesus é guardar a Palavra de Deus. Não se trata de coisa decorada, mas vivificada, vivida e colocada em prática. A Bíblia diria: gravada e fincada no coração.

Como está a nossa relação com a Palavra de Deus? Uns se escandalizam com ela. Outros a admiram. Outros, simplesmente, a rejeitam. Outros, ainda, são indiferentes. Muitos tentam adaptar a palavra de Deus. Outros a deturpam escancaradamente. Alguns são infiéis na divulgação e na vivência da Palavra santa.

Graças a Deus muitos vivem e guardam a PALAVRA DE DEUS, não a letra, mas o espírito que vivifica a vida. Deus monta morada e tenda em nosso meio pela vivência de sua palavra que é de salvação.

Meus queridos irmãos,

O que é guardar a palavra de Deus? É pura e simplesmente viver o AMOR E A PARTILHA. Só ama aquele que sabe acolher a Palavra de Deus e colocá-la em prática a serviço da solidariedade, da partilha e da paz!

Deus já havia feito uma aliança com o povo do Antigo Testamento. O Deus do Antigo Testamento é um Deus que dialoga, que fala, que se manifesta, que delega a palavra a outros, que faz dela um ensinamento, uma doutrina, uma lei. É um Deus que se torna vivo e presente pela Palavra da Salvação.

Assim, ontem e hoje, cada profeta recebe a palavra a seu modo, mas há nela sempre um encontro muito pessoal e um comportamento com Deus. A palavra do profeta passa a ser palavra de Deus, ou seja, o profeta fala em nome de Deus.

O profeta sempre transmite um recado de Deus e não uma decisão ou uma reflexão própria: “Ouvi, céus, escuta, terra, porque o Senhor fala: criei filhos e os fiz crescer, mas eles se rebelaram contra mim(cf Is 1,2)”.

            Muitas são as outras formas de ser colocada a Palavra de Deus, como por exemplo, ameaça, julgamento e castigo, norma, lei, mandamentos, fidelidade, amor. Em tudo devemos “deixar viver na observância da palavra de Deus” (cf Sl 119,17).

Palavra de Deus dinâmica, viva e concreta que deve ser vivida com amor e com grande carinho espiritual, em perfeita comunhão com Deus.

Falar do “caminho” de Jesus é falar de uma vida gasta em favor dos irmãos, numa doação total e radical, até à morte. Os discípulos são convidados a percorrer, com Jesus, esse mesmo “caminho”. Paradoxalmente, dessa entrega (dessa morte para si mesmo) nasce o Homem Novo, o homem na plenitude das suas possibilidades, o homem que desenvolveu até ao extremo todas as suas potencialidades.

Jesus gostava de dizer que nunca estava só. Vemo-l’O retirar-Se para a montanha, sozinho, mas para se juntar a seu Pai. E promete aos discípulos não os deixar órfãos porque lhes enviará o seu Espírito, o Espírito Santo, o Defensor. Na hora das grandes confidências, pouco tempo antes da sua paixão, Jesus anuncia aos seus discípulos que virá habitar neles com o seu Pai, na condição de permanecerem fiéis à sua palavra. Parece dizer: “se quereis que venhamos habitar em vós, aceitai permanecer fiéis a toda a mensagem que vos transmiti”. Não somente o Pai e o Filho querem habitar nos discípulos, mas o Espírito Santo também habitará neles para os ensinar e fazê-los recordar-se de tudo o que Jesus lhes disse. Sabemos que há duas formas de morte: a morte física e o esquecimento. Jesus veio anunciar aos seus discípulos que, após a sua morte, Ele ressuscitará, e o Espírito Santo ajudará os discípulos a não esquecer o que fez e disse: eles farão memória, recordando-se d’Ele, mas, sobretudo, proclamando-O vivo hoje até à sua vinda na glória.

Caros irmãos,

A Segunda Leitura(cf. Ap 21,10-14.22-23) nos apresenta o esplendor da nova Jerusalém. A nova Jerusalém, vista pelo visionário, é, como a Igreja, fundada sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas. Ela é totalmente diferente do mundo que conhecemos agora: ela é santa, repleta de presença de Deus e do Cordeiro. A esta realidade deve aspirar a História que fazemos. Por isso, é bom observarmos nessa Leitura os nomes das doze tribos de Israel e dos doze Apóstolos, símbolos do novo povo de Deus fundamentado nos apóstolos. A ausência do Templo – uma idéia cara ao Novo Testamento, já que o Cristo substituiu o Templo de Jerusalém pelo seu corpo ressuscitado(cf. Jo 2,18-22). Sua iluminação: a glória de Deus e o Cordeiro, a sua lâmpada. Não se deve explicar muito estas imagens. Importa captar o que elas querem sugerir, num espírito global. É uma cidade que tem doze portas com os nomes das doze tribos, para acolhê-las no dia em que elas forem reunidas dos quatro ventos, para existirem na paz messiânica, tendo por centro só e exclusivamente Deus e o cordeiro. É a cidade para viver na presença de Deus e de Cristo. E isto é a paz.

São João nos garante que as limitações impostas pela nossa finitude, as perseguições que temos de enfrentar por causa da verdade e da justiça, os sofrimentos que resultam dos nossos limites, não são a última palavra; nos espera, para além desta terra, a vida plena, face a face com Deus. Esta certeza tem de dar um sentido novo à nossa caminhada e alimentar a nossa esperança. A Igreja em marcha pela história não é, ainda, essa comunidade  messiânica da vida plena de que fala esta leitura; mas tem de apontar nesse sentido e procurar ser,  apesar  do  pecado  e  das  limitações  dos  homens,  um  anúncio  e  uma prefiguração dessa comunidade escatológica da salvação, que dá testemunho da utopia e que acende no mundo a luz de Deus. A humanidade necessita desse testemunho.

Caros irmãos,

As leituras desta celebração nos conduzem ao reconhecimento da identidade dos cristãos, o novo povo de Deus. Esse reconhecimento é dom do Espírito e nos chega progressivamente. No Evangelho, o Senhor promete que o Pai enviará o Espírito e este nos ensinará todas as coisas. A primeira leitura atesta um momento crucial, no qual o Espírito Santo ensina algo fundamental sobre a salvação dos cristãos e, consequentemente, sobre sua identidade: a não necessidade de circuncisão para a salvação. A segunda leitura ratifica, de certo modo, esse ensinamento do Espírito Santo quando atesta a composição dos cristãos na imagem das portas e alicerces da cidade: as doze tribos de Israel e os apóstolos. Os cristãos – portanto, a Igreja – têm como fundamento os apóstolos, mas seus membros vêm do judaísmo e da gentilidade, e formam um único povo de Deus, habitando uma cidade que não tem outro templo ou luz que não seja o próprio Deus e o Cordeiro.

Meus queridos Irmãos,

O Novo Testamento retoma a riqueza do Antigo Testamento no sentido de centrar na pessoa de Jesus de Nazaré, profeta e legislador, juiz e revelação de Deus, pois “A Palavra se fez carne e habitou entre nós!”(cf Jo 1,14).

Há uma fundamental diferença entre a Palavra dos Profetas e a Palavra de Jesus. No Antigo Testamento a Palavra era dirigida ao profeta, que falava em nome de Deus. Cristo, no Novo Testamento, é a palavra de Deus e fala com autoridade divina a ponto de identificar sua pessoa e sua palavra. Acolher a palavra de Deus é aceitar a pessoa de Jesus, crendo e fazendo de sua palavra CAMINHO, VERDADE E VIDA. O discípulo de Jesus não procura os próprios interesses, mas a realização do projeto de Jesus. O projeto de Jesus é a comunhão da criatura com o Criador. Deus se manifesta nessa comunhão, em que não somos meros espectadores, mas participantes: Deus em nós e nós em Deus!

Em miúdos, Deus todo Poderoso se fez tão próximo de nós, fazendo de nós, comunidade crente, o seu espaço de vida e de luz, não podemos deixar de louvá-lo e agradecê-lo por esta maravilha que ele operou.

Um dia os templos materiais desaparecerão: “Não vi nenhum templo nela, pois o seu templo é o Senhor, o Deus todo-poderoso e o Cordeiro”, conforme nos ensina a segunda leitura de hoje retirada do Livro do Apocalipse.

A cidade santa, Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, com a glória de Deus, representa a Igreja, toda ela impregnada da glória de Deus e do Cordeiro. Verdadeiramente o Cordeiro imolado e glorioso nos mereceu a graça de podermos participar desta maravilhosa realidade. Por isso graças e louvores sejam dadas a todo momento, ao Senhor da Vida e da História, Amém, Aleluia!

Padre Wagner Augusto Portugal

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