Terceiro Domingo da Páscoa

 

A ressurreição, muitas vezes, traz-nos sentimentos de medo, de surpresa, de dúvida e de alegria. O medo é o que mais inibe o povo. A capacidade de se surpreender rejuvenesce; mas a de ser surpreendido nos assusta. A dúvida é o meio caminho andado em direção à verdade; mas a alegria já se antecede à conseqüência, pela certeza do encontro que já se tem no íntimo. Esse final é o encontro com o Cristo, convencendo-nos de que, verdadeiramente, Cristo ressuscitou e continua mesmo inteiro, que seu nome glorioso perdoa os pecados de todos que seremos testemunhas destes fatos.

Meus caros irmãos,

Na Primeira Leitura(At 3,13-15.17-19) ouvimos São Pedro, antes covarde, agora anunciando com coragem diante de todo o povo: “Matastes o Príncipe da vida, mas Deus o ressuscitou dentre os mortos: disso nós somos testemunhas. Em virtude da fé em seu nome, foi que esse mesmo nome consolidou este homem, que vedes e conheceis. Foi a fé em Jesus que lhe deu essa cura perfeita, à vista de todos vós” (At 3,15-16). Pedro exortava a

assembléia apontando-lhes o coxo que se desvencilhara de sua imperfeição.

Numa interpretação mística que se aplica à nossa vida espiritual, Pedro nos condena: “Matastes o Príncipe da vida”(At 3,15). Sim, matamo-Lo todas as vezes em que somos infiéis à graça, matamo-Lo com nossas reincidências ao pecado, matamo-Lo todas as vezes em que voltamos as costas para a cruz, ou escondemo-la, por respeito humano, envergonhados do sangue que dela verte por nossa causa, por nossa culpa.

Ah! Quão miseráveis somos por não procurarmos compreender o projeto de Deus e assumirmos o papel que nos compete! Quão desonestos somos quando, a exemplo dos leprosos que não voltaram do caminho para agradecer ao Senhor Jesus pela sua cura! Quão infelizes somos quando, distantes das sendas da perfeição, abate-nos um vazio cruel e debruçamos sobre nossas próprias fraquezas, esquecendo, ou fazendo-se de esquecido, por covardia!

Mas “Deus o ressuscitou dentro os mortos”, para comprovar-nos a missão d’Ele e, mais ainda, de Sua divindade. E “disso nós somos testemunhas”, pela renovação do sacrifício incruento do Calvário em nossos altares, pelas graças constantes com que nos envolve e nos

impele a buscá-Lo sempre mais. “Manet nobiscum, Domine!” – “Fica conosco, Senhor!”, esta é a súplica que nos move os lábios quando sentimos, “em virtude da fé em Seu nome”. Eis-nos curados de nossas enfermidades, nossas feridas cicatrizes, nossos membros revigorados, nossa alma unida em aspirações sublimes a Deus.

São Pedro deixa claro o que aconteceu a Jesus: ele era santo e justo, mas foi condenado pelos judeus. Pedro chama a Jesus de “o autor da vida” a quem impuseram a morte, mas Deus o ressuscitou. Os judeus preferem um malfeitor, pois não conseguem, por ignorância, reconhecer que Jesus é o autor da vida. Jesus, nunca esteve sujeito ao poder dos judeus, mas ao poder de Deus, que “faz maravilhas por seu servo”(Sl 4).

Deus quis o sofrimento de seu Filho por causa de sua fidelidade, que revela e explica o agir fiel do Servo Jesus, como filho obediente, à luz da lógica da aliança, da fidelidade e da filiação divina. Jesus

se mantem fiel na hora do sofrimento e na humanidade que assumiu; em meio aos sofrimentos, permaneceu fiel, reafirmando a sua filiação divina e aliança.

Meus caros irmãos,

O capítulo 24 do Evangelho de São Lucas, que lemos hoje, fala das provas da ressurreição de Cristo.

A primeira prova é o sepulcro vazio. A segunda é a voz do anjo que fala às mulheres. A terceira é a voz do próprio Cristo aos discípulos de Emaús, que se revela na fração do pão. Finalmente, a quarta prova da ressurreição de Cristo é a aparição d’Ele próprio aos Apóstolos, reunidos em oração comum, com outros companheiros, no cenáculo, onde se joga com todos os sentidos do corpo e qualidades da pessoa humana.

Ao final do relato do Evangelho de hoje, Jesus aparece a onze de Seus Apóstolos.

Qual a finalidade d’Ele aparecer aos seus discípulos?

Essa finalidade é tríplice. Primeiro, Jesus afirma que está vivo e continua, Ele mesmo, em toda a Sua humanidade. O próprio Senhor Jesus pede que os seus apóstolos experimentem a verdade de que o Cristo está vivo: “vede minhas mãos e meus pés” (os olhos), “apalpai-me” (o tato); e, mais além, “comeu à vista deles” (o gosto). A glória da ressurreição transfigurou, mas não obscureceu sua humanidade.

A segundafinalidade é abrir a mente dos discípulos à compreensão das Sagradas Escrituras; a experiência do ver, tocar, degustar passa ao ouvir/anunciar.  Nada é por acaso. Jesus explica que tudo aconteceu por desígnio do Pai, acerca da missão de Sua no mundo. Agora, as Escrituras vão iluminar e fundamentar a fé dos cristãos na missão de evangelização. Jesus se torna a chave interpretativa do Antigo e do Novo Testamentos e de toda a revelação divina. Abrindo o coração dos discípulos, o Mestre afasta de seus apóstolos e discípulos o medo do fracasso, ao perguntar-lhes: “Por que estais perturbados?”. Não mais há mais motivo para perturbação, pois Cristo está vivo, Ele caminha com o Seu povo, Ele está conosco.

A missão é a terceira finalidade dessa manifestação aos apóstolos. Ser no mundo testemunhas da ressurreição é a missão, portanto, que Ele confere aos seus, legado apostólico que compete a nós pelo batismo, feitos cristãos. Testemunhamo-Lo pela vida fraterna que os primeiros cristãos experimentaram nos primeiros anos, ainda na Igreja Primitiva, e que é a sociedade perfeita que tem o Cristo como luz e sua mensagem – os Evangelhos – como direcionamento no caminho rumo ao céu.

O evangelista São Lucas põe o testemunho no anúncio da conversão e do perdão, como chave de uma vida sempre pascal. A Páscoa requer sempre isso, viver a vida nova de passagem do pecado para a graça, sempre firmes na esperança de sermos perdoados pelo Deus rico e compassivo em misericórdia. Fé no perdão que a Ressurreição fecunda em nossa vida com as sementes da imortalidade.

Irmãos e irmãs,

Os apóstolos demoraram para crerem na ressurreição. Foram necessárias a graça natural de Deus e as provas, a partir da abertura que Jesus fez com a sua presença gloriosa no meio deles. Por conseguinte, os apóstolos, ao pregarem a Ressureição do Cristo, uniram-se ao perdão dos pecados e à conversão. Por isso, todos nós devemos viver o Tempo Pascal, dentro deste espírito de abertura, a renovação de nosso batismo, procurando uma vida sempre nova de santificação, atentos à vontade de Deus. Por isso, os Evangelistas acrescentam que o perdão é para todos, indistintamente, para todos aqueles que querem ter os seus pecados perdoados. Não há povo, nem há uma classe social privilegiada que não possa ter os seus pecados perdoados, por mais absurdos que sejam.

A graça do perdão é universal, veio para todos. A condição imposta para receber o perdão de Deus é acreditar que Cristo é o Senhor, o Filho de Deus, o Salvador. Arrependidos de todos os pecados, o penitente estará reconciliado com Cristo, com a Igreja e com a comunidade de fé. Por isso, somos chamados, conforme exorta o próprio Cristo no Evangelho de hoje, a sermos “testemunhas de tudo isso” (Lc 24,48).

Ser testemunhas do Cristo é proclamar a sua ressurreição, garantir a sua divindade, difundir e defender a fé pela palavra e pela ação, como verdadeiras testemunhas do Salvador, para confessar com valentia o Seu Santo Nome e para nunca sentir vergonha em relação à Cruz. A isso todos somos conclamados, em palavras e em obras, se preciso for, até pelo martírio.

Anunciar o Cristo, vivenciar o perdão dos pecados e sermos anunciadores de uma vida cristã que passe pela acolhida do diferente, na busca da santidade pessoal que seja a santidade do outro, na construção da comunidade de irmãos, esta é a missão que nos confere o Batismo, que nos assegura a crença na ressurreição.

Caros irmãos,

No Evangelho(Lc 24,35-48) Jesus relaciona os acontecimentos de sua paixão com a totalidade das Escrituras: lei de Moisés, salmos e profetas, as três grandes unidades da Bíblia dos hebreus, chamada de harizá. Fazer harizá significa, literalmente, “enfileirar contas”, como quem tece um colar. Criam os judeus que, quando os textos da Bíblia eram harmonizados assim como as contas de um colar, a experiência da aliança estabelecida no monte fumegante se reeditava.

Com a ressurreição de Jesus, a aliança foi restaurada e as Escrituras encontraram nele a fidelidade, a unidade e o seu sentido último: “Senhor Jesus, revelai-nos o sentido da Escritura, fazei o nosso coração arder, quando nos falardes”(Cf. Lc 24,32)

Meus irmãos,

São João, na segunda Leitura de hoje(1Jo 2,1-5a), interpela-nos que, para sermos testemunhas do Cristo, devemos viver a nossa fé a partir do que se conhece, do que se anuncia: “Quem diz conhecer o Senhor e não vive a sua mensagem é mentiroso e a verdade não está nele” (1Jo 2,1-5). Portanto, não adianta proclamar que Jesus ressuscitou, mas continuar vivendo como se não tivéssemos responsabilidade com o projeto do Reino que ele anunciou e viveu. No amor fraterno da comunidade cristã, o mundo enxerga o Ressuscitado, o Cristo vivo. Essa é a nossa certeza e essa deve ser o nosso compromisso, de sermos testemunhas do ressuscitado. Aleluia!

A primeira carta de São João é uma exortação carinhosa aos discípulos para que não desanimem diante dos pecados, pois podem contar com Jesus, o nosso defensor e o nosso mediador, que deu a vida para libertar toda a humanidade do pecado e mal.

Para que os discípulos não pequem, o apóstolo escreve sua carta, para que vivam os mandamentos, conheçam a Deus e façam brilhar o amor de Deus pelo mundo.

Viver os mandamentos não é uma pura e simples decoreba, da boca para fora, mas vivência existencial, modo de viver, por isso devemos sempre vivermos alicerçados na Palavra de Deus, buscando manifestar o amor de Deus pelo mundo.

O amor de Deus pelo mundo é alicerçado por Jesus, aquele que Deus a vida como vítima de expiação pelos nossos pecados, aquele que, vivendo a aliança na perfeita obediência e fidelidade, realizou um sacrifício agradável a Deus, coerente e feliz. Por isso, temos em Jesus o inteiro perdão dos pecados.

Prezados irmãos,

A pregação de São Pedro era movida por uma vivência de fé no Senhor ressuscitado, por isso ele agia e falava a respeito de Jesus. Nossas ações e pregações eclesiais devem ser um transbordamento da experiência de fé e consequência da vida espiritual. O ativismo e o imaginário de produção fazem das comunidades de fé “empresas”, como se tivessem metas quantitativas a cumprir. Nossa pastoral pode se assemelhar a um grão de mostarda (Mc 4,30-32) ou a um fermento na massa (Mt 13,33). A Palavra de Deus vai se realizando entre nós conforme nossa disposição para amar.

Quantas vezes nos sentimos mal pelo pecado e não olhamos para a bondade infinita de Deus? Quantos medos de Deus guardamos? Alguns desses dramas interiores são respondidos com a leitura da primeira carta de João. Não precisamos fugir ou nos esconder de Deus, mesmo em situação de pecado. “Deus é amor” (1Jo 4,8.16); portanto, ele nos ama e nos acolhe sempre, irrestritamente, para que também amemos uns aos outros.

Como comunidade de fé, somos chamados a fazer uma experiência de encontro com Jesus Ressuscitado. A comunidade reunida para celebrar a ressurreição de Jesus amadurece a fé na experiência litúrgica. O Senhor continua a nos explicar as Escrituras e a nos enviar para testemunhar sua Palavra. A liturgia celebrada se completa na vivência dela no cotidiano da vida. O que ouvimos das Escrituras e rezamos na celebração tem de se tornar práxis na rotina de cada pessoa. Assim, a ressurreição não é mera abstração, mas realidade visibilizada nas histórias de cada um que se encontra com o Senhor.

Caros irmãos,

Jesus ressuscitado reentrou no mundo de Deus; mas não desapareceu da nossa vida e não se alheou da vida da sua comunidade. Através da imagem do “comer juntos”, São Lucas garante-nos que o Ressuscitado continua a “sentar-se à mesa” com os seus discípulos, a estabelecer laços com eles, a partilhar as suas inquietações, anseios, dificuldades e esperanças, sempre solidário com a sua comunidade. Podemos descobrir este Jesus ressuscitado que se senta à mesa com os homens sempre que a comunidade se reúne à mesa da Eucaristia, para partilhar esse pão que Jesus deixou e que nos faz tomar consciência da nossa comunhão com Ele e com os irmãos.

Jesus é o arauto da misericórdia e da paz. Por isso quem segue a Jesus acredita na sua ressurreição que é antecipação da nossa ressurreição. Cristianismo não cabe reencarnação que é a negação da ressurreição de Cristo. Nosso Senhor Jesus lembra aos discípulos: “vós sois as testemunhas de todas estas coisas”. O testemunho que Cristo nos pede passa, mais do que pelas palavras, pelos nossos gestos. Jesus vem, hoje, ao encontro dos homens e oferece-lhes a salvação através dos nossos gestos de acolhimento, de partilha, de serviço, de amor sem limites. São esses gestos que testemunham, diante dos nossos irmãos, que Cristo está vivo e que Ele continua a sua obra de libertação dos homens e do mundo.

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