Segundo Domingo da Páscoa

Meus queridos irmãos e minhas queridas irmãs em Jesus Ressuscitado!

Aleluia, Jesus, o Ressuscitado, está em nosso meio! Aleluia!

O Tempo Pascal pode ser resumido na seguinte frase: “a esperança venceu o medo”. A esperança cristã pela vitória da vida sobre a morte é o resumo da liturgia deste segundo domingo da Páscoa.

Vivemos um tempo propício para o renascer, crescer, produzir frutos e viver, a partir do impulso da vitória de Jesus sobre todos os sinais de morte da história humana. Depois de ter celebrado os mistérios de Cristo presentes na Páscoa, importa viver esse período como desdobramento do mesmo mistério da fé cristã. Por isso, somos convidados a refletir sobre a fé vitoriosa no amor de Cristo.

As duas primeiras leituras de hoje nos convidam a uma reflexão sobre o amor fraterno, à luz da Páscoa, ou seja, da vitória do Ressuscitado. Em sua primeira carta, São João(1Jo 5,1-6) explica que em Jesus se manifesta o amor de Deus; mais, que Deus é amor – “Deus charitas est”, aliás, tema com o qual o Sumo Pontífice Bento XVI ofereceu-nos a primeira encíclica de seu Pontificado, sobre o amor de Deus pela humanidade, promulgada a 25 de janeiro de 2006.

Deus nos amou primeiro

e nós também devemos amá-Lo. Mas como não O vemos, devemos amá-Lo no irmão que vemos, no irmão excluído, no irmão pobre que está na sarjeta, no irmão que não tem casa, não tem comida, não tem remédio, não tem plano de saúde, não tem previdência social, que vive na sarjeta ou está contaminado pelos entorpecentes, nos que estão presos nas penitenciárias e, também, pelos que são vítimas da infame violência promovida pelo tráfico e pela falta de políticas de segurança. Esses nossos irmãos são filhos de Deus, porque acreditam em Jesus Cristo. Ora, quem ama o Pai deve amar também seus filhos e filhas. Amando seus filhos, nossos irmãos, viveremos na observância de seus mandamentos – o mandamento do amor, que Cristo nos deixou e pede que sigamos e coloquemos em prática.

A caridade fraterna, o mandamento do amor, não é um peso, mas, antes, uma doce alegria. Sua prática atesta a vitória sobre o mundo, a vitória daquele que crê em Jesus Cristo que, pelo sangue de sua cruz e pelo Espírito que nos deu – e também pela

água do Batismo, que significa tudo isso –, vence o processo contra o mundo.

Caros irmãos,

A Primeira Leitura(At 4,32-35) nos fala da comunidade. É muito impactante, principalmente nos dias de hoje, a solidariedade que a leitura nos ensina: “Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum”(At 4,32). A comunidade cristã é uma família unida, onde os irmãos têm “um só coração e uma só alma”. Tal fato resulta da adesão a Jesus: seria um absurdo aderir a Jesus e ao seu projeto e, depois, conduzir a vida de acordo com mecanismos de divisão, de afastamento, de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência. A primitiva comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e do Espírito, é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e definitiva. A fé dos discípulos, a sua união e, mais do que tudo, essa “ilógica” e “absurda” partilha dos

bens eram a “prova provada” de que Cristo estava vivo e a atuar no mundo, oferecendo aos homens um mundo novo. A Cristo ressuscitado, os habitantes de Jerusalém não podiam ver; mas o que eles podiam ver era a espantosa transformação operada no coração dos discípulos, capazes de superar o egoísmo, o orgulho e a auto-suficiência e de viver no amor, na partilha, no dom. Viver de acordo com os valores de Jesus é a melhor forma de anunciar e de testemunhar que Jesus está vivo.

A transformação pascal era promovida pelo testemunho apostólico do Senhor Jesus. Esse testemunho gerava em todos, comunitariamente, a experiência coletiva da partilha de bens em favor das necessidades. Assim, os cristãos daquele tempo realizavam a sua fé por meio de gestos concretos de confiança em Deus e nos irmãos, desapegando-se de suas posses em favor do bem comum. Que grande sinal de poder estava sendo realizado: gerando mais vida para terem feito a experiência da vida de Jesus ressuscitado!

São Lucas faz questão de demonstrar o efeito dessa vida comunitária: “E os fiéis eram estimados por todos”. Assim, a comunidade fundada na Páscoa de Jesus agia por atração, e não por proselitismo. O seu viver internamente irradiava a força da ressurreição para os outros”.

Meus irmãos,

A primeira comunidade reunida é relatada sempre no segundo domingo da Páscoa. Este domingo, chamado de domingo da “Pascoela”, ou “Domingo in albis” – por causa dos paramentos brancos e das vestes batismais que eram usadas durante todo o Tempo Pascal pelos batizados na Vigília Pascal, este domingo, por doce desígnio do sempre lembrado por São João Paulo II, é chamado também de DOMINGO DA DIVINA MISERICÓRDIA. Nesta celebração, recordamos o salmista: “Louvai o Senhor, porque ele é bom e eterna é a sua misericórdia” (Sl 118,1). O próprio Evangelho nos relembra a misericórdia de Deus para com a humanidade (Jo 20,23), que teve o seu ponto alto na paixão, morte e ressurreição pela nossa salvação, para a nossa vida plena em Deus. E, evidentemente, neste dia o Papa Francisco nos convida a entrar no espírito do ano santo extraordinário da Misericórdia, a ser aberto, oficialmente em 08 de dezembro.

Mas o Evangelho(Jo 20,19-31), relatando-nos a incredulidade de Tomé, nos fala que a fé vai além dos sentidos, a fé ultrapassa qualquer inteligência ou qualquer esquema pré-fabricado. A partir do momento em que aderimos a Jesus Cristo, devemos crer com grande entusiasmo, com grande fé, esperança e amor, porque Deus tanto amou o mundo que mandou seu Filho para que morresse pelos nossos pecados, e mais, ressuscitando ao terceiro dia para inaugurar a vida eterna.

Meus irmãos,

O Cristo que esteve entre os discípulos, comendo e caminhando com eles, ensinando-os e sustentando-os sempre com sua presença, é o mesmo que está no meio da comunidade até o fim dos tempos. É o mesmo, mas não mais perceptível pelos sentidos. “Felizes os que não vêem e crêem” (Jo 20,29), é a nós que Jesus se refere, a todos os que, sem negar o valor aos sentidos e ao entendimento, vão além e aceitam o campo da fé. Pedro dirá: “Sem vê-lo, o amais; sem vê-lo, nele tendes fé. Isso será para vós uma fonte de alegria” (1Pd 1,8).

A comunidade de ontem e de hoje ama Jesus, o Senhor Ressuscitado; crê e sabe que ele está realmente presente, ainda que os olhos não o vejam e as mãos não o toquem. A dúvida e a incredulidade de Tomé são símbolo da dúvida e incredulidade que acompanham nossa mente.

Mas junto com a incredulidade de Tomé vem a sua belíssima profissão de fé: “MEU SENHOR E MEU DEUS” (Jo 20,28), Pois essa deve ser a nossa profissão de fé nesta Páscoa: “MEU SENHOR E MEU DEUS, EU CREIO, MAS AUMENTAI A MINHA FÉ!”

Caros irmãos,

Tomé recebe o testemunho da comunidade: “Vimos o Senhor!” Mas ele apresenta suas dificuldades de acolher o testemunho. Quer ver, tocar os sinais da paixão. Nega-se a crer sem ter suas exigências atendidas. Note-se que Tomé não demonstra ter um comportamento anômalo ao da comunidade. Ela também teve dificuldades(portas fechadas, medo). A ela também Jesus mostra as mãos e o lado. Mas, na primeira parte do relato, Tomé estava distanciado da comunidade. Não poderia experimentar o que os outros vivenciaram. Seu distanciamento, ou melhor, seu isolamento enfraqueceu a sua fé na ressurreição. Tomé, também, tem fechadas as portas dos ouvidos e do coração. O escândalo da cruz, que nos outros produziu medo, nele produz desconfiança. Assim, não ouviu o testemunho dos irmãos, e, sem ouvir, não pode chegar a fé.

A mesma dúvida em relação a fé e a ressurreição acontecem com todos, por isso é necessário percorrer o itinerário de uma para a outra. O Evangelho de hoje nos fornece um caminho: fortalecer os vínculos, sobretudo os de fé, com a comunidade. Devemos acolher a revelação do Evangelho – boa notícia – que a comunidade cristã custodia, mas também ser sincero sobre as próprias dificuldades. Jesus mesmo está atento a elas quando se manifesta e convoca Tomé a adotar nova postura a fim de ajuda-lo na fé. O Senhor permite que essas dificuldades encontrem nele respostas, entre as quais estão os sinais. A comunidade vive dos sinais da presença de Jesus. É por isso que, como um mistagogo, a comunidade pode conduzir à experiência da ressurreição. E, também, na comunidade que se dá o testemunho querigmático do anúncio. O rito da comunhão retoma, pela antífona a ser cantada como refrão, a experiência de Tomé. Assim como ele foi chamado por Cristo a estender as mãos para tocar-lhes as chagas, o fiel, na eucaristia, estende as mãos para(receber) tocar os sinais da paixão e ressurreição do Senhor.

Jesus, dirigindo-se a Tomé, o convida a realizar suas demandas e lhe censura pela falta de fé, declarando a bem-aventurança dos que creram sem ter visto. Junto da comunidade, o apóstolo pode fazer a experiência da ressurreição que, no seu isolamento, lhe estava fora do alcance.

Experimentemos todos sair de si, entrar em relação, deixar-se guiar pelo outro e para o novo que surpreende e convoca, mas também alegra, fortalece e transforma.

Caros irmãos,

Na segunda leitura(1Jo 5,1-6)  ressalta-se os critérios da vida cristã autêntica, que distinguem os verdadeiros batizados dos profetas da mentira. Antes de mais, os verdadeiros batizados são aqueles que amam a Deus e que amam, também, Jesus Cristo, o Filho que nasceu de Deus (vers. 1). Jesus de Nazaré é, ao contrário do que diziam os hereges, Filho de Deus desde a encarnação e durante toda a sua existência terrena. A sua paixão e morte também fazem parte do projeto salvador de Deus (Jesus veio apresentar aos homens um projeto de salvação, “não só pela água, mas com a água e o sangue” – vers. 6). No entanto, amar a Deus significa cumprir os seus mandamentos. Quando amamos alguém, procuramos realizar obras que agradem àquele a quem amamos. Não se pode dizer que se ama a Deus se não se cumprem os seus mandamentos. E o mandamento de Deus é que amemos os nossos irmãos. Todo aquele que se considera filho de Deus e que pertence à família de Deus deve amar os irmãos que são membros da mesma família. Quem não ama os irmãos, não pode pretender amar a Deus e fazer parte da família de Deus (vers. 2-3).
Quando o crente ama a Deus, acredita que Jesus é o Filho de Deus e vive de acordo com os mandamentos de Deus (sobretudo com o mandamento do amor aos irmãos), vence o mundo. Amar Deus, amar Jesus e amar os irmãos significa construir a própria vida numa dinâmica de amor; e significa, portanto, derrotar o egoísmo, o ódio, a injustiça que caracterizam a dinâmica do mundo (vers. 4-5). Esta vida nova que permite aos batizados vencer o mundo é oferecida aos homens através de Jesus Cristo. A vida nova que Jesus veio oferecer chega aos homens pela “água” (Batismo – isto é, pela adesão a Cristo e à sua proposta) e pelo “sangue” (alusão à vida de Jesus, feita dom na cruz por amor). O Espírito Santo atesta a validade e a verdade dessa proposta trazida por Jesus Cristo, por mandato de Deus Pai (vers. 6). Quando o homem responde positivamente ao desafio que Deus lhe faz (Batismo), oferece a sua vida como um dom de amor para os irmãos (a exemplo de Cristo) e cumpre os mandamentos de Deus, vence o mundo, torna-se filho de Deus e membro da família de Deus.

Por isso a primeira carta de São João é um precioso escrito, marcado pelos primeiros embates da Igreja com o gnosticismo(corrente de pensamento que diminuía a força da comunidade e ameaçava no seu cerne ao inserir elementos doutrinários estranhos à fé, como um modo de conhecimento de deus que prescindia dos irmãos). Argumentando com base na fé nascida do batismo de Cristo – a alusão à água e ao sangue – e na imensa solidariedade de Jesus para com a humanidade, o texto chama atenção para o vínculo que a fé gera: os cristãos entre si, com Cristo e com Deus. Os elementos fundamentais da vida cristã, como a fé e o amor a deus conduz a cada um de nós na vivência do Evangelho. A verdadeira fé faz circular o amor entre todos os que declaram amar a Deus.

Irmãos caríssimos,

Jesus institui nesta Missa o sacramento da penitência e o sacramento da santificação. O homem que nasce com o pecado mortal é regenerado pelo batismo e depois pela confissão sacramental, de forma auricular. Por isso este é o Domingo da Divina Misericórdia, a Divina Misericórdia que vem ao nosso encontro para que deixemos o pecado e vivamos a graça santificante do batismo e a nova evangelização, tendo a santidade como objetivo e meta absoluta da vida cristã.

Jesus nos dá uma vida nova com a sua Ressurreição. Por isso Pedro exorta a sermos “como crianças recém-nascidas, desejando o genuíno leite do Espírito”. Fazer-se criança é o sentido de renascer de que falava Jesus a Nicodemos. O Espírito Santo que Jesus hoje sopra sobre a comunidade reunida é graça e força para sairmos da ira para a mansidão, do ódio para a bondade, da discórdia para a unidade, da ganância para a solidariedade, da libertinagem para a contingência. O Espírito nos reconstitui sempre de novo a alegria do amor e da unidade fraterna, sem os quais, não sobrevive a comunidade.

Prezados fiéis,

Aquele que pode transformar nossos sentimentos diversos em paz e alegria para testemunhá-lo. Para isso, Ele sopra sobre nós seu Espírito, para vivermos o perdão dos pecados. Outras “chagas” se apresentam diante de nós no mundo contemporâneo. Os pobres, doentes, aprisionados e excluídos de nosso mundo representam novos rostos com os quais podemos praticar a experiência de Tomé. Tocar essas feridas de hoje implica ser presença solidária, acompanhar, contribuir, apoiar, alimentar uma sintonia e comunhão com aqueles que clamam por justiça e por uma presença consoladora, carregada de ternura e compaixão. A experiência de encontro com o Senhor ressuscitado não é delírio dos primeiros discípulos ou ideia infundada da comunidade primitiva. A mudança de vida confirma o que o Espírito Santo gera naqueles que se dispõem a ele. Assim, que nossas liturgias nos ajudem a viver o compromisso do perdão e do amor, a exemplo de Jesus.

Meus amigos,

Crer que o Cristo é o Filho de Deus, enviado pelo Pai para nos dar a vida da graça, a vida eterna, esta é a razão da encarnação de Jesus. Esta a razão da ressurreição na Páscoa. Não há duas ressurreições. É uma única, por isso todas as nossas ações se voltam para a sua ressurreição.

A mensagem de paz e a missão do mútuo perdão que Jesus lega a seus discípulos no dia de sua ressurreição, dando-lhes o seu Espírito, é, em primeiro lugar, esta missão da plena comunidade. O Espírito lhes é dado para ser a alma desta comunidade. Porém, não deixará de irradiar também para fora. Mas isso só encontrará morada no coração da comunidade fraterna, a nossa comunidade de fé.

Por isso, diante do sofrimento do mundo, os cristãos são chamados a ser um sinal de esperança, alicerçados na fé e demonstrado em gestos concretos. Deus não espera que sejamos infalíveis. Ele nos oferece sempre o seu perdão e nos convida a perdoar, para todos podermos sempre recomeçar e crescer em santidade e em amor.

Esse é o mistério bonito do mistério que celebramos nesta oitava da Ressurreição.

Aleluia! Aleluia!

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